Expresso Transcroniano - Parte 13

*** Astrônomo Curioso ***

"Próxima parada: Estação 19-10! Contrariando nossa política de utilização e transporte transtemporal de tecnologias futuras, comunicamos que estaremos fazendo vistas grossas a quem porventura tenha conseguido trazer algum dispositivo de registro de imagens para registrar a passagem do cometa Haley neste ano. A coordenação do trem pede apenas discrição, e que tentem simplesmente registrar o evento sem de forma alguma trocar equipamentos de épocas distintas de forma alguma, evitando intercâmbio temporais cujos riscos todos vocês já devem estar conscientes, e convencidos o bastante para não pensar em corrê-los..."

Galileu Galilei, ouvindo aquilo, soltou aliviado a microcâmera digital, adquirida em 1997 por uma pequena fortuna, que ele escondia insistente entre suas longas barbas brancas. Sabia bem que era só a primeira etapa! Que ainda precisaria voltar ao futuro com ela para revelar a imagem, trazê-la de volta impressa em papel para sua época de origem. Mas sabia que precisava ser assim: PASSO A PASSO! Que para todos os efeitos,o limite do Expresso Transcroniano era uma estação em 1827! Que a viagem poderia continuar além disso via mar? Bastante gente sabia sim! Mas não oficialmente... Para todos os efeitos, a estação terminal era mesmo a 18-20, sendo que a 17-97 ainda esperava ser inaugurada.

Newton tentou se controlar vendo naquele vagão um dos gigantes sobre o ombro do qual se apoiou para formular suas teorias. Não era possível! De um passado tão distante? Bem, SUA própria presença era impossível lá, pensando nestes termos. Por isso mesmo, avançou cauteloso.

— Galilei? Galileu Galilei? — disse baixo em seus ouvidos.

— Sou eu! E você, quem é? Sente-se aqui, por favor...

— Você não me conhece. Nem poderia, meu Mestre! Eu existi depois de ti, nesta linha histórica injusta! Como desejei ser teu contemporâneo, para discutir contigo suas ideias...

— Pode fazê-lo agora, meu caro... Quem és mesmo?

— Newton! Isaac Newton!

— Isaac Newton! Sente-se aqui? Não vês que está vago o assento ao meu lado?

Assim fez o baixinho embasbacado. Galileu Galilei ali, do seu lado? Como isto poderia ser possível?

— Que você faz da vida, caro Isaac newton?

— Professor de ciências filosóficas, físicas e matemáticas, meu caro. Poderia ser diferente?

— Eu, particularmente, não entendo por que existe esta diferenciação nas épocas futuras, meu caro! Nunca entendi! Então acabaram mesmo separando a Filosofia da Física da Matemática? Como conseguiram tal proeza?

— Precisaria de muito tempo para explicar, mestre. Mas... é fato! Foi feito... Inclusive, pelo que vi nas minhas viagens para o futuro, a astrologia foi separada da astronomia, relegada ao reles ocultismo.

— Astrologia colocada no ocultismo? Separada da astronomia?? Como isto foi acontecer, meu caro?

— É difícil de explicar... mas aconteceu!

E o trem avançava para a estação 19-10, para o momento do encontro do cometa de Haley com a Terra.

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"Estação 19-10. O cometa Haley se tornará visível em 30 minutos. Se preparem para observá-lo. O Trem partirá daqui há duas horas!"

Newton e Galileu deixaram o vagão, procurando um espaço aberto na plataforma. Preparando sua desengonçada câmera digital de 1984, Newton se espantou com a microcâmera que Galileu tirou do meio de suas barbas prateadas.

— Que tecnologia minúscula é esta, Galileu? Onde a conseguiu?

— Comprei num camelô, em 1997! Mas garanto que foi caro! Essa inflação faz as coisas aumentarem rápido de preço!

— Quer... trocá-la? — Newton fez a proposta indecorosa.

— Nada disso! Sem intercâmbio de tecnologias, lembra das regras?

— Sim, mas...

— Sem mas, professor Newton! — Galileu se divertia. — Que há de errado com esta sua câmera digital, hein? Ah propósito, como você a escondeu até agora da fiscalização?

— Eu SOU da fiscalização, meu amigo! — ri Newton.

O respeito que Newton sentia por Galileu lhe impediu de dar uma resposta mal-educada à pergunta impertinente. Afinal, estando ambos a transgredir regras, ele não precisava mesmo se sentir mais culpado em fazer isto que seu ídolo. Neste sentido, no "transgredir regras", ambos eram iguais...

Entretidos em fotografar o famoso cometa, não perceberam que do outro lado da plataforma estavam, esperando o Expresso em direção ao futuro, seus equivalentes posteriores, outro Newton e outro Galileu esperando embarcar para a década de 50 para se encontrarem com Leonardo. Cujo equivalente, a propósito, já embarcara como clandestino do comboio atual, em direção ao passado.

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Jules Verne releu aquele papel já bem amarrotado em seu bolso:

"Entregue esta a você mesmo, em 1897 (decidir... questionável...)" Se repetia o ciclo? Ele recebera aquele papel antes, dele próprio mais velho! Instruções claras! E agora voltava no tempo exato, para entregar a mensagem à sua versão mais nova. Tudo se repetia. Pensou, breve: "e se eu não o fizesse? e se não entregasse este aviso a meu equivalente mais novo, do final do século 19?"

Nunca negaria: ele TENTOU fazer diferente! NUNCA funcionava! PENSOU em não seguir as instruções daquele papel: nada adiantou! De uma forma ou outra, as coisas aconteciam! Tentou destruir o papel, para não ter o que entregar ao Jules Verne futuro. Indestrutível, a carta sempre se salvava de uma forma ou de outra! Tudo parecia conspirar para isso! E se Ele próprio, claro detentor da mensagem, tentasse SE MATAR antes de entregá-la? Inútil também! Tudo parecia conspirar para sua sobrevivência, ao menos até aquele instante fatídico em que o Jules Verne futuro voltava no tempo e entregava a carta, escrita de próprio punho, ao Jules Verne passado. O universo, por mais incrível que pareça, parecia GIRAR em torno disso! Fazer de tudo para isto acontecer! Jules Verne abriu aquele papel amassado que recebera de seu antecessor. Amarelado cheio de fungos. Ele não poderia ser eterno! Passando de mão em mão, ele deveria TER uma idade cronológica, independente de suas viagens transtemporais. Escrita por ele? Não dava para negar: era sua caligrafia! Mas não escrita por Ele agora, e sim dEle de épocas anteriores, tentando propagar aquilo vai lá se saber por qual motivo!

A mensagem não tinha início! Nunca começou a existir! Sempre apareceu, pra ser propagada. Sua origem nunca explicada! Apenas existia, para propagar sua informação, começar algo impotante que precisava acontecer! Tentar entende de quem era o plano, quem o elaborou... Idiotice! Tanto faz!!!

O papel estava amarelado, começando a se desfazer! Tinha que acabar! Uma hora não haveria mais papel algum para entregar a seu antecessor (ou sucessor?) Mas por hora, não questione! Apenas siga o que diz o papel!

*** continua ***