A Terra da Esperança

“E as estrelas do céu caíram sobre a terra, como quando a figueira lança de si os seus figos verdes, abalada por um vento forte.

E o céu retirou-se como um livro que se enrola; e todos os montes e ilhas foram removidos dos seus lugares.

E os reis da terra, e os grandes, e os ricos, e os tribunos, e os poderosos, e todo o servo, e todo o livre, se esconderam nas cavernas e nas rochas das montanhas”

Apocalipse 6:13-15

"Não sei com que armas a III Guerra Mundial será lutada. Mas a IV Guerra Mundial será lutada com paus e pedras."

Albert Einstein

"Tornei-me a Morte, destruidora de mundos"

Bhagavad Gita

PRÓLOGO

Foguetes espaciais decolaram de suas plataformas de lançamento simultaneamente. Aparentemente estava ocorrendo uma grande missão espacial. Porém ao invés de subirem em linha reta e atravessarem a atmosfera em direção ao espaço, começaram a descrever uma trajetória curva. Se observarmos com mais atenção, podemos ver que não são tripulados. Logo constatamos algo inacreditável e terrível: na verdade não são foguetes espaciais, mas sim mísseis balísticos intercontinentais! E o pior de tudo é que todos estão equipados com ogivas termonucleares!

Os mísseis cruzam a atmosfera mais rápido do que jatos supersônicos, deixando no céu um rastro de fumaça e brilho incandescente provocados pela queima do combustível, como se fossem estrelas cadentes. As pessoas que os veem cruzando os céus e certamente sabem de sua natureza destrutiva, pedem apenas que suas vidas sejam poupadas.

As estrelas da morte cruzam o oceano e se aproximam dos alvos. Os radares e sistemas de defesas dos países a serem atingidos detectam a ameaça e tais países rapidamente ordenam um contra-ataque, lançando também seus mísseis contra os inimigos. Por alguns minutos, os céus de toda a terra se enche de mísseis em todas as direções.

Ao chegarem acima dos alvos, as ogivas nucleares se soltam dos mísseis, de modo que possam atingir a maior área territorial possível. Então, centenas de ogivas explodem simultaneamente em todas as regiões do globo terrestre, formando as nefastas nuvens de cogumelo que destroem tudo a sua volta.

As pessoas nas cidades veem aterrorizadas a gigantesca nuvem mortal se erguendo entre os prédios. Os mais próximos da explosão simplesmente evaporam em milésimos de segundo devido ao calor emitido pela reação nuclear, mais forte do que a superfície do sol. Os que estavam um pouco mais afastados, morrem vítimas da onda de choque, dos escombros dos prédios ou dos incêndios que se alastram rapidamente.

Nada escapa das bombas do juízo final. As explosões destroem boa parte da superfície do planeta, queimam floretas, secam rios e deixam cidades em ruínas. Os gases tóxicos, vapores radioativos, fuligem e fumaça sobem a atmosfera, criando nuvens tão densas e escuras que bloqueiam os raios solares, fazendo com que a escuridão e o frio reinem sobre toda a terra.

É o fim. A raça humana se autodestruiu levando consigo toda a criação divina, os animais, as plantas e toda a vida na terra. Simplesmente cumpriu seu triste destino como uma espécie dotada de inteligência e não há mais nada que possa ser feito.

PARTE I

1

Ulisses acordou em uma pequena enfermaria, sem entender direito o que estava acontecendo. Sentia um pouco de dor de cabeça e náuseas. A luz ambiente irritava seus olhos. Era como se tivesse dormido por vários dias seguidos. Tentou se levantar, mas sentiu uma forte tontura.

– Alô, tem alguém aí? – Chamou.

Logo em seguida, chegou uma enfermeira.

– Fique deitado. Essa tontura é normal, logo vai passar. – Disse ela, enquanto o ajudava.

– Onde estou? O que aconteceu? – Perguntava ele, aturdido.

– Em breve vai saber, mas não se preocupe. Fique onde está, que antes tenho que chamar o médico – Respondeu a enfermeira.

Ela saiu do quarto e voltou em seguida acompanhada do médico, cujo semblante expressava serenidade, assim como a maioria dos que exercem essa profissão.

– Finalmente acordou e parece ótimo – Disse ele, enquanto examinava os sinais vitais de Ulisses, ouvia os batimentos cardíacos com um estetoscópio e analisava os olhos com uma pequena lanterna – Tudo ok, como já era esperado.

– Podem dizer o que aconteceu comigo? – Perguntou Ulisses.

– Sim, podemos. Mas antes deve passar por um pequeno procedimento, que se resume à apenas responder algumas perguntas bem simples – Disse o médico – Sente-se à vontade para isso? – Perguntou ele.

– Claro, tudo bem.

Então o médico fez as tais perguntas simples. Coisas como: qual era seu nome? Onde morava? Comida e cor favoritas? Enquanto anotava todas as respostas em uma prancheta. Ulisses no início teve um pouco de dificuldade e percebeu que estava em um estado brando de amnésia, mas aos poucos ia recordando e as memórias iam se encaixando.

– Agora responda: qual a última coisa que consegue se lembrar? – Perguntou o médico.

– Não sei ao certo... – Ulisses continuava fazendo um certo esforço mental – Lembro-me de um campo de guerra, tiros para todos os lados... então uma forte explosão, e tudo ficou vermelho e em seguida escuro...

– Interessante – Disse o médico, enquanto anotava – Agora você precisa comer, aposto que está com muita fome. Traga algo para ele – Pediu para a enfermeira - Fique à vontade, se quiser pode assistir Tv. Voltamos logo – Completou, e ambos saíram do quarto.

Ulisses pegou o controle remoto ao lado da cama e ligou a televisão. Estava passando um seriado de humor com várias risadas ao fundo

***

– Você foi criogenizado. – Disse o médico.

– Crio...Criogenizado? Como assim? – Ulisses quase se engasgou com seu sanduíche.

– Isso mesmo. Seu batalhão foi bombardeado e você chegou ao hospital militar em estado muito grave. Ossos quebrados, queimaduras por todo corpo. Por pertencer as forças armadas, foi escolhido para participar de um dos Programas Governamentais de Preservação Humana, que no seu caso foi a criogenia.

– Deixe-me ver se entendi – Ulisses estava atônito – Me trancaram em uma câmara criogênica sem o meu consentimento?

– Como todo membro das forças armadas, estava ciente de que em caso de internação hospitalar grave estaria sujeito a participar de um dos diversos programas de alto risco. Esse lugar é um abrigo antirradiação de alta tecnologia próprio para abrigar população militar e civil. A criogenia humana foi incluída em um dos vários Programas Governamentais de Preservação Humana caso os abrigos antirradiação falhassem, e assim as pessoas pudessem sair das câmaras criogênicas apenas quando os níveis radioativos na superfície já estivessem mais baixos. Foram escolhidos soldados em estado grave de saúde pois, por motivos óbvios, era difícil encontrar voluntários.

Para que o leitor não fique perdido diante de tantas afirmações e termos estranhos, farei um breve adendo sobre os fatos acima citados. Com a eminência de uma catástrofe mundial, o governo do país em que se passa essa história desenvolveu uma série de projetos científicos para que pelo menos parte da população pudesse sobreviver. Esses projetos foram denominados Programas Governamentais de Preservação Humana, dentre eles já foram citados os Abrigos Antirradiação de Alta Tecnologia e as Câmaras Criogênicas. Os outros projetos científicos serão citados mais adiante. Quanto ao país em que essa história se desenvolve, não existe necessidade para aqui ser citado, pois com o apocalipse nuclear todas as fronteiras se dissolveram completamente. Agora vamos retornar a nossa narrativa...

Ulisses mal podia acreditar no que estava ouvindo.

– Por quando tempo eu fiquei? – Perguntou ele.

– 60 Anos – Respondeu o médico – Tentamos tira-lo antes, mas não podíamos, pois as câmaras são lacradas e só abrem no tempo pré-programado.

Ulisses pensou em seu país, na Guerra e em seus companheiros de batalhão. Logo, perguntou:

– Então... perdemos a guerra?

– Todos perdemos – Respondeu o médico - Descanse um pouco, em breve vai conhecer nossas instalações, mas antes precisa descansar. – Disse ele, saindo em seguida.

2

– Vista, isso. É o nosso uniforme padrão. – Disse o médico, entregando a Ulisses uma sacola plástica contendo algumas roupas.

Eram uma camisa de manga comprida e uma calça, ambas cinzas. Se vestiu olhando-se para um espelho na parede do quarto.

– Um rapaz está te esperando lá fora, ele vai te levar para conhecer todo nosso abrigo. Caso precisar de qualquer coisa ou se sinta mal, pode me procurar.

Ulisses foi apresentado ao outro morador do abrigo, que seria seu guia. Juntos percorreram corredores com vários outros quartos até chegarem em um amplo salão, com várias pessoas circulando por todas as direções.

– Todos os habitantes do nosso abrigo devem desempenhar alguma função – Explicava o guia – Uns cuidam da manutenção, outros da limpeza, da parte operacional, da fiscalização, enfim as mais diversas funções para que haja o perfeito funcionamento de nossas instalações. Quando alguém exerce corretamente suas tarefas, recebe créditos para serem usados nas máquinas de compra espalhadas por todo o abrigo. Os créditos são utilizados com mais frequência nas máquinas sintetizadoras de alimentos, localizadas no refeitório.

Ulisses viu-se diante da possibilidade de ter que trabalhar para sobreviver. O que não era muito diferente de sua vida antes da Guerra e de ter ido parar naquele lugar. O guia continuou:

– No seu caso, por ser um veterano e ter participado de um dos Programas Governamentais de Preservação Humana, ganhou o benefício a um saldo mensal de créditos. Ou seja, receberá o suficiente para viver, sem precisar exercer qualquer função.

– Entendo. Como uma pensão para veteranos – Disse Ulisses.

– Exatamente.

Percorreram outros corredores, e então chegaram um ginásio com vários equipamentos de ginástica e musculação. Haviam algumas pessoas se exercitando.

– O médico mandou avisa-lo que você deve praticar algum exercício o quanto antes – Disse o guia – Devido ao tempo na câmara criogênica, precisa reativar os seus músculos e articulações. Fale com ele quando voltar aqui – Disse, apontando para um instrutor que orientava alguns alunos.

O instrutor percebeu a presença dos dois e acenou de volta.

Continuaram a excursão pelo abrigo subterrâneo antirradiação. Passaram por uma biblioteca, uma sala de projeção, uma sala de jogos, um laboratório e algumas salas de aula.

– Os moradores mais jovens recebem seus créditos ao frequentarem nossas aulas – Explicou o guia – Aqui também são avaliadas as competências em que melhor se destacam para que cada um possa escolher sua futura função no abrigo.

– Interessante. Semelhante as escolas antes da guerra – Comentou Ulisses.

– Sim. Acredito que já passou por essa etapa – Brincou o guia.

Ulisses riu.

Em seguida, chegaram ao refeitório, que devido ao horário encontrava-se vazio.

– Veja como é fácil – Disse o guia, aproximando-se de uma das máquinas – Você insere seu cartão com os créditos, usa o display sensível ao toque, escolhe o que vai querer e digita sua senha.

O guia fez todo o procedimento. Logo em seguida, surgiu uma barra de carregamento na tela, enquanto se podia ouvir alguns ruídos vindos de dentro da máquina. Então, no display surgiu a mensagem “Está Pronto”, e iluminou-se o reservatório em baixo da tela. O guia abriu a tampa do reservatório e retirou um copo de café fumegante.

– Está servido? – Ofereceu a Ulisses.

– Obrigado – Disse Ulisses, aceitando a bebida – mas como é possível? – Perguntou ele.

– É um sintetizador de alimentos. Têm armazenado na memória o mapa molecular dos mais diversos tipos de refeições e bebidas. Usa apenas energia pura para sintetizar cada átomo e molécula e organiza-las perfeitamente. Como já deve saber, de acordo com a física energia pode se transformar em matéria ou visse e versa.

– Incrível! – Ulisses ficou impressionado com aquele mecanismo.

Transpuseram mais alguns corredores, enquanto Ulisses sorvia seu café. Por fim, chegarem em um local repleto de aparelhos eletrônicos e portas com avisos “Proibido a entrada de pessoal não autorizado”.

– Essa é a sala de controle – Disse o guia. – Caso tiver qualquer problema, queira fazer uma reclamação ou solicitar a saída do abrigo, pode conversar diretamente com algum dos administradores. Por ser um veterano, tem o direito à livre entrada e saída de todos os abrigos antirradiação pertencentes aos Programas Governamentais de Preservação Humana.

– Até me sinto mais tranquilo ao saber que não estou preso nesse lugar – Confessou Ulisses.

– Ninguém está. Um morador comum se por um acaso escolher deixa o abrigo, passa a ser classificado como um selvagem, e por uma questão de segurança não mais poderá retornar. Vamos aos dormitórios, vou te mostrar o seu quarto.

Dobraram um corredor à direita e subiram por um pequeno lance de escadas. Chegaram aos dormitórios e passaram por vários quartos com números gravados nas portas. Então, pararam na frente de um dos quartos.

– Quarto número 92. Aqui está sua chave – Disse o guia, entregando a ele uma chave em que havia o mesmo número gravado.

Ulisses abriu a porta e se deparou com um quarto bem simples, limpo e organizado. Havia uma cama, uma televisão, um armário e uma escrivaninha.

– Ótimo, parece confortável – Disse Ulisses, sentando-se na cama e testando a maciez do colchão.

– Que bom que gostou.

Passaram-se alguns momentos. Então, disse o guia:

– Seu vizinho de quarto também é um veterano. Seria ótimo que você o conhecesse. Não sei como posso explicar... – hesitou um pouco – Ele não é uma pessoa comum, então não se assuste.

O guia saiu do quarto. Momentos depois, retornou acompanhado de um ser meio homem e meio máquina, uma espécie de ciborgue. Sua silhueta tinha uma forma perfeitamente humana, porém, todo o seu corpo era revestido de metal. Era uma visão meio assustadora. Também vestia o uniforme cinza padrão do abrigo.

– Prazer em conhece-lo. Me chamo Victor – Disse ele, estendendo sua mão robótica. Sua voz era idêntica à de uma pessoa comum.

– Prazer, sou Ulisses – Um pouco hesitante e desconfortável correspondeu ao aperto de mão do ciborgue.

O guia fez menção de se retirar.

– Vou deixá-los a sós. Já lhe mostrei tudo o que precisava – Disse ele – Se tiver qualquer dúvida, pode perguntar a Victor.

Após o guia sair, Ulisses convidou Victor para se sentar.

– Então... Ele disse que você também é um veterano. O que houve no seu caso? – Perguntou Ulisses.

– Fui alvejado em batalha – Respondeu ele – me socorreram em estado muito grave e fui mantido vivo com a ajuda de aparelhos. Acabei sendo escolhido para um dos Projetos Governamentais de Preservação Humana. Enquanto você foi criogenizado, eu tive o cérebro e a medula arrancados do meu corpo e inseridos nesse corpo robótico. Você quer ver? – Perguntou.

Ulisses confirmou com um aceno de cabeça. Então, Victor desencaixou a peça em cima de sua cabeça e revelou seu cérebro humano protegido por um crânio de vidro transparente. Era possível ver o órgão em todos os seus detalhes: as veias, a massa encefálica e o sangue vermelho vivo!

– Nossa! – Ulisses ficou impressionado, assim como qualquer pessoa que tivesse tal visão em sua frente – Incrível! – Exclamou.

Logo depois, Victor tornou a encaixar a peça que encobria seu crânio e cérebro.

Então, como dois veteranos que viveram na mesma época e lutaram na mesma guerra eles conversaram durante um bom tempo e acabaram virando grandes amigos.

3

Ulisses acordou com o barulho do despertador. Eram sete e meia da manhã. Presumiu que o antigo hóspede daquele quarto o havia programado para tocar naquele horário. Tentou dormir novamente, porém não conseguiu.

Ligou a televisão. Estava passando um telejornal. Pela data, pode perceber que havia sido gravado antes da Guerra. Ouviu uma movimentação nos corredores. Todos estavam indo cumprir suas funções.

Tomou um banho. Saiu do quarto e acompanhou o fluxo de pessoas, que seguiam para o refeitório. Reparou como todos eram muito parecidos uns com os outros. O mesmo uniforme cinza com seus nomes gravados na camisa. O que o diferenciava dos demais era a sua pequena medalha de veterano colada ao peito.

Foi até uma das máquinas e escolheu seu desjejum: ovos, bacon e uma xícara de café. Pegou sua bandeja e se sentou sozinho em uma das mesas.

Logo em seguida, um rapaz que ele não conhecia pediu para se sentar junto a ele.

– Soube que é um congelado. Ficou quanto tempo na câmara? – Perguntou o rapaz.

- Fiquei 60 anos. E por que “congelado”?

Então, o estranho lhe explicou que era assim que chamavam os que haviam participado da criogenia humana.

– Puxa, é bastante tempo! Aposto que passou tão rápido quanto uma noite de sono. Quem dera eu tivesse essa mesma sorte. Uma noite de sono e então, créditos por toda a vida.

O estranho tinha 20 anos, havia nascido e crescido naquele abrigo antirradiação. Jamais vira o mundo do lado de fora e ficou fascinado com as histórias de Ulisses, sobre como as pessoas viviam antes da guerra. Já havia aprendido sobre isso nas aulas, nos livros e nos filmes, mas não havia nada como ouvir de alguém que realmente vivera naquela época.

Depois, Ulisses foi até o ginásio de exercícios e falou com o instrutor. Começou com um aquecimento, correu na esteira, fez abdominais e levantou alguns alteres e barras. Aquilo para ele não era nenhuma novidade, já que servira no exército.

Saiu do ginásio tão suado que teve que tomar um banho e trocar de roupa. Logo depois, foi a biblioteca, pois sempre fora um grande amante dos livros. Era uma biblioteca pequena, mas continha muitas obras renomadas.

Ao meio-dia, soou um alarme indicando a pausa nas tarefas para o almoço. Ulisses seguiu novamente para o refeitório, junto ao grande fluxo de pessoas, para mais uma refeição.

Após o almoço, voltou ao seu quarto e tirou um cochilo. Verificou as configurações da TV e descobriu que tinha acesso a vários programas, filmes e seriados gravados antes da Guerra.

À noite, ele e Victor se encontraram novamente no dormitório e voltaram a conversar sobre suas vidas antes da Guerra. Ulisses estranhou não o ter visto durante o dia inteiro.

– Estava trabalhando – Disse Victor – No setor administrativo.

– E os seus créditos de veterano? Não está mais recebendo? – Perguntou Ulisses.

– Sim, estou. Mas ao cumprir alguma tarefa, passo a receber créditos em dobro. Além de ter algo para me distrair, pois a monotonia desse lugar pode deixar qualquer um louco.

***

Todos os dias, a rotina de se Ulisses se repetia. Exercitava-se pela manhã, lia na biblioteca e assistia algum filme em seu quarto. À noite, Victor o vinha visitar e tinham conversas longas e agradáveis.

Após algumas semanas, acabou sentindo-se entediado. Foi até a sala de controle e solicitou uma função no abrigo. Fez um teste de aptidão e uma entrevista. Foi selecionado para trabalhar na casa de máquinas.

Seus créditos caiam em dobro. Três meses se passaram e já os tinha de sobra.

4

– O que conhece do mundo lá fora? – Ulisses perguntou a Victor, em umas das conversas.

– Muito pouco. Estive em uns três abrigos antirradiação como esse. O que conheço é basicamente a distância que tive que percorrer entre eles.

– E como é?

– Impressionante e assustador. Difícil de descrever. Podemos sair qualquer dia para que você possa ver.

Vários dias se passaram. Devido a insistência de Ulisses, Victor decidiu que finalmente havia chegado a hora de partirem. Porém, antes, teriam que fazer todos os preparativos necessários da viagem.

Foram até as máquinas sintetizadoras que vendiam equipamentos. Utilizando os seus créditos em abundância e conseguiram comprar os itens indicados por Victor: Um par de mochilas, binóculos, roupas de caminhada, roupas de proteção contra radiação, agasalhos, máscaras de gás, medidor de radiação, cantil para água, equipamentos de camping (barracas, sacos de dormir, materiais para fogo e preparo de alimentos) além de comida desidratada e ração militar.

Victor comprou luvas, bandana e um óculos escuro, para que pudesse esconder sua fisionomia robótica.

Foram até o quarto de Victor. Do armário, ele tirou duas armas de grosso calibre: Um rifle e uma escopeta. Além de um par de pistolas, munições, facas e coletes a prova de balas. Também tirou um saco de moedas, do mesmo tipo das que circulavam antes da guerra.

Logo depois, foram até a sala de controle e solicitaram a saída do abrigo. Passaram pelos procedimentos de segurança e pelos portões automáticos. Após atravessarem o último portão, estavam enfim do lado de fora.

Ulisses contemplou a vastidão da planície. Tudo era muito inóspito, até onde sua vista podia alcançar. O solo árido, ressecado e estéril. A escassa vegetação com folhas secas e galhos retorcidos. O céu repleto de nuvens escuras.

Percebeu o desastre causado pelo cataclismo nuclear no meio ambiente. O solo e a atmosfera tinham uma tonalidade acinzentada. Era como se toda a terra estivesse morta, ou como se eles fossem uma dupla de astronautas que haviam acabado de pousar na superfície de um planeta sem vida.

Toda aquela vastidão desértica e inóspita era ainda mais espantosa do que os desertos que Ulisses conhecera durante seu período como combatente. Enquanto que os desertos antes da Guerra eram reluzentes e alaranjados, com o céu azulado e sem nuvens, aquela região pós-apocalíptica era acinzentada e repleta de nuvens densas e escuras.

A paisagem era capaz de causar um misto de sensações contraditórias em qualquer observador. Um paralelo entre horror e fascínio, encanto e repulsa.

Puseram os binóculos e fizeram uma análise de toda a região. Logo, avistaram ao longe o que aparentemente era um viaduto desabado. Mais abaixo do morro onde estavam, haviam os resquícios de uma estrada de terra margeada por postes quebrados e fios de eletricidade arrebentados. Aqueles eram os poucos indícios de que naquele “planeta estranho” já houve qualquer tipo de civilização.

Após tanto tempo trancado naquele abrigo subterrâneo, era bastante agradável para Ulisses estar em um espaço a céu aberto, mesmo diante daquele cenário de devastação. Podia, enfim, sentir o vento roçando em seu rosto e o ar quente entrando pelos seus pulmões.

– Para onde vamos agora? – Perguntou Ulisses.

– Vamos pegar aquela estrada com os postes quebrados, lá embaixo – Respondeu Victor – Sempre que seguir os postes, vai acabar encontrando alguma civilização.

Começaram a descer a encosta. Era pouco inclinada e conseguiram chegar ao solo sem grandes dificuldades. Pegaram a estrada de terra margeada pelos postes quebrados e caminharam durante toda a manhã. Próximo ao meio-dia, pararam para comer e descansar, ou melhor apenas Ulisses comeu. Ele ofereceu a Victor, que por sua vez não aceitou.

– É melhor pouparmos o estoque – Disse Victor.

– Não precisa comer? – Perguntou Ulisses. – Me Lembro de já tê-lo visto comendo no abrigo.

– Posso comer, mas não preciso. Consigo sentir o gosto da comida, devido aos meus sensores de paladar. Em meu interior, possuo ácidos capazes de dissolver os alimentos. Mas funciono a energia elétrica, gerada por um pequeno reator nuclear abastecido por uma célula de plutônio. Tenho apenas que trocar a célula de vez em quando.

Após o descanso, continuaram caminhando durante toda à tarde e pararam apenas ao anoitecer.

Montaram o acampamento na beira da estrada, em uma área com a vegetação mais densa que o normal. Armaram as barracas, acenderam uma fogueira e Ulisses preparou seu jantar.

Logo depois, a dupla sentou-se ao redor das chamas claras e tremeluzentes. Ficaram um certo tempo jogando gravetos nas chamas, com cada um envolto em seus próprios pensamentos. Ainda podiam ver, a uma certa distância, a encosta onde ficava o abrigo subterrâneo, e na direção oposta o viaduto desabado.

Ouviam apenas os escassos e desoladores sons do deserto. O crepitar das chamas, o barulho dos grilos e o vento frio da noite. Vez ou outra, escutavam também o uivo distante de um lobo.

– Então, já não está com vontade de voltar? – Perguntou Victor.

– Claro que não – Respondeu Ulisses – Ainda não vimos nada. Andamos o dia todo e nenhum sinal de vida. Quando vamos chegar no povoado mais próximo? – Perguntou ele.

– Daqui a dois dias de viagem.

(...)

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Wesley_Aguiar
Enviado por Wesley_Aguiar em 06/08/2017
Reeditado em 06/08/2017
Código do texto: T6076063
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