Tempo perdido
E na segunda-feira depois do feriadão, saí de casa ligeiramente mais tarde e vi uma senhora de cabelos brancos fechando a porta do apartamento ao lado do meu. Usava um coque antiquado e um vestido azul, com botões na frente, além de um casaco de caxemira cinza. E uma imensa bolsa de palha à tiracolo, do tipo que se usava em outros tempos para compras na feira.
- Bom dia - cumprimentei ao passar.
- Bom dia - respondeu ela. E sorriu, criando rugas em torno de seus olhos azuis.
Apertei o botão do elevador e aguardei poucos segundos. Quanto a porta pantográfica interna se abriu, virei-me para chamar a senhora e não a vi mais. O corredor estava vazio. Teria esquecido alguma coisa e entrado novamente? Dei de ombros, e segui meu caminho.
* * *
Terça-feira à noite. Eu voltava do trabalho e ao abrir a porta do elevador no meu andar, vi três rapazes de não mais de 20 anos, vestidos informalmente, saírem do apartamento onde eu vira a senhora à porta.
- Segura a porta, tio! - Um deles gritou.
Segurei. Eles correram e entraram no elevador.
- Valeu, tio! - Agradeceu outro.
- De nada - respondi.
E segui meu caminho.
* * *
Quarta-feira de manhã. Eu abrira a porta bem cedo para pegar o jornal, e me deparei com um casalzinho saindo aos beijos do apartamento do lado. Estavam tão entretidos um com o outro que nem me viram. O rapaz fechou a porta, passou o braço pela cintura da garota, e dando risadinhas, seguiram para o elevador.
Dei de ombros. E entrei.
* * *
Quinta-feira à noite. Ao sair do elevador, deparei-me com uma família negra - pai, mãe e um casal de crianças - aguardando por ele. Eu não vira de onde eles haviam saído, mas poderia quase jurar que haviam vindo do tal apartamento.
- Boa noite! - Saudei.
- Boa noite! - Responderam simpaticamente os dois adultos.
Antes da porta pantográfica se fechar às minhas costas, pude ouvir a mulher comentar:
- Devíamos reclamar na agência. A vista...
O elevador desceu.
* * *
Sexta-feira à noite. Cheguei tarde, e havia uma ruiva com um vestido longo de cetim verde, descalça (as sandálias estavam no chão, ao seu lado) revirando uma bolsa que tinha em mãos. Isso, naturalmente, em frente à porta do tal apartamento.
- Boa noite. Precisa de ajuda? - Indaguei.
- Boa noite... a minha chave... sabe como é bolsa de mulher - desculpou-se.
- Talvez devesse reclamar com a agência - arrisquei.
Ela me lançou um olhar intrigado.
- Sobre ter perdido a chave? Mas se não puder entrar, como vou reclamar?
- Se quiser, pode usar o telefone do meu apartamento. Sou seu vizinho.
Ela ergueu as sobrancelhas.
- Você também aluga por temporada?
- Bem... não. Eu moro aqui.
Ela voltou a remexer o conteúdo da bolsa, sem me dar atenção.
- Um permanente - resmungou.
Decidi não arredar pé. Finalmente, ela achou o que estava procurando.
- Voilá! - Exclamou, erguendo uma chave prateada.
Enfiou-a na fechadura e abriu a porta. Por um breve instante, pude ver o hall do apartamento vizinho. A noite já ia adiantada, mas pelas janelas que davam para a rua, pude ver a luz aveludada de uma tarde de outono. A ruiva recolheu as sandálias e sorriu para mim ao entrar.
Em seguida, fechou a porta na minha cara.
- [23-06-2017]