Relevante

- Estávamos errados sobre a verdadeira natureza da extinção da vida em Nasir-IV - disse o cientista-chefe Ortega à guisa de introdução, tão logo Hasselblad chegou à base da Pesquisa Colonial no planeta. Alguns meses tinham se passado desde a última visita do inspetor ao lugar, e a grelha de aterrissagem estava agora em plena operação.

- Havíamos resolvido estender o período de avaliação do octaedro que encontraram nos subterrâneos da antiga cidade próxima à esta base - rememorou Hasselblad, ao se instalar no escritório de Ortega.

- Exatamente, inspetor. Isto e mais a decodificação da linguagem utilizada pela civilização dominante no momento da guerra biológica que devastou o planeta, nos permitiram deduzir o que ocorreu: o octaedro é efetivamente um dispositivo destinado à recriação de um ecossistema completo, incluindo vida inteligente, mas não é originário deste mundo. E foi isso que desencadeou o confronto.

- Disse que o octaedro é alienígena. Mas há alguma indicação de onde teria vindo?

- Difícil dizer. Trata-se de uma história ocorrida há meio milhão de anos. Muita coisa aconteceu nesse período, a posição relativa deste sistema solar em relação ao centro galático não é mais a daquela época. Sequer sabemos se quem desenvolveu o octaedro - ou seu predecessor - ainda existe como espécie. O que podemos dizer é que, como modalidade de colonização, pois é disso que se trata, não possui paralelo na atualidade.

- Então este planeta foi "colonizado" por algo que veio do espaço exterior? Sendo que já havia uma civilização tecnológica no mesmo?

- Sim. E foi aí que começou o conflito. Pense numa virose, só que em escala macroscópica. O vetor enviado a este planeta, que pode ter sido um veículo dirigido ou mesmo um "pacote" dentro de um meteoro, começou a alterar o ecossistema do local atingido quase que imediatamente após o impacto, absorvendo a ecologia nativa e readaptando-a ao seu programa. Tão logo atingiu certo nível estrutural, começou a produzir novos "pacotes", que começaram a ser lançados em outras regiões do planeta. O processo continuou até que chamou a atenção dos nativos, que tentaram combater o problema de todas as formas.

- Então concluíram que para debelar a "infecção", seria necessário destruir toda a biosfera planetária - ponderou Hasselblad. - Mas como o octaedro sobreviveu, pode-se dizer que seu sacrifício foi em vão. Ele pode recomeçar o processo, se for "plantado" num local conveniente.

- Sim. Quem quer que tenha desenvolvido esse método de colonização, criou uma máquina de guerra quase perfeita. É possível que com os recursos tecnológicos de que dispomos hoje, teríamos conseguido eliminar o foco do problema antes que ele se tornasse incontrolável, mas os habitantes originais de Nasir-IV não tiveram essa sorte. Esterilizar o planeta foi o meio que encontraram para deter a ameaça.

- História trágica - concluiu Hasselblad. - E não me parece que tenhamos outra alternativa que não destruir o octaedro com uma bomba de fusão. Não podemos correr o risco de reiniciar esse ciclo de destruição, nem mesmo em nome da nossa curiosidade científica.

- Certamente, inspetor. Eu também havia chegado à esta mesma conclusão, faltando determinar somente o meio para sua execução.

- Uma última coisa... sabemos como eram as criaturas inteligentes geradas pelo processo de colonização remota?

- Sim, inspetor. Eu ia justamente lhe mostrar... é algo notável.

Ortega ativou um projetor holográfico sobre sua escrivaninha. No ar, entre os dois homens, surgiu uma figura luminosa em três dimensões, girando sobre seu eixo. Fez-se silêncio.

- Se eu fosse supersticioso... - começou a dizer Hasselblad, consternado.

A criatura, antropomorfa, possuía cascos fendidos em vez de pés, asas vestigiais, membranosas, como as de um morcego, e na testa dois pequenos chifres. Lembrava muito um demônio da mitologia terrestre.

- [17-06-2017]