Matei uma criança para impedir a segunda guerra

- Sim, eu cometi um crime. Eu viajei no tempo, fui até a Alemanha e matei uma criança inocente. É verdade.

Eles me olhavam com um ar severo, atrás da grande mesa de marfim. A presidente da Unidade de Viagens Temporais, Elena Hawthorn, o vice-presidente Alfred Wesley, e o Doutor Philip Mattel. Não que eu conhecesse estas pessoas, era apenas como eles se apresentaram, quando me trouxeram a esta sala. Não eram as mesmas pessoas que dirigiam a Unidade na minha linha temporal, mas pelo visto eram tão rígidos quanto suas contrapartes.

- E com isso você destruiu toda sua linha temporal. Exceto por você mesmo, todas as pessoas que teriam nascido após 1900 simplesmente nunca tiveram a chance de existir. - A voz da presidente Hawthorn parecia, para mim, com um ligeiro sotaque. Provavelmente fruto das divergências no inglês nestes 150 anos desde minha alteração no tempo.

- E por causa disso vocês existem. Todo seu mundo deve sua existência a mim.

- Não pense que este argumento vai lhe servir no julgamento - foi o vice-presidente que me respondeu - estou certo que em sua linha do tempo alterar o passado era tão proibido quanto aqui, não é verdade?

Eu tive que concordar.

- O que nos leva a pergunta mais importante - a presidente olhou para baixo, para as anotações eu seu tablet - senhor Ellert. Por que você fez isso? Por que alterou o tempo? Você tem alguma justificativa para apresentar?

- Justificativa? É claro que tenho uma justificativa. E se não a entenderem, é só porque vocês tiveram a sorte de nunca ter conhecido o horror que foi a segunda guerra mundial. O horror que eu evitei.

A presidente Ellert respirou fundo, e sua voz parecia conter com dificuldade sua fúria. Eu podia entender isso se esta linha temporal era em algo parecida com a minha. Proteger o tempo de alterações era a razão de existir da Unidade de Viagens Temporais.

- Explique-nos, então, senhor Ellert. Fale-nos sobre esta segunda guerra que você teria evitado.

E eu contei. Contei sobre como a Alemanha se reergueu após a primeira guerra, e como deu ouvidos a um líder carismático. Eu contei como a segunda guerra foi ainda pior que a primeira. Falei dos campos de batalha, dos incontáveis mortos.

Eles me fizeram algumas perguntas, mas mais me deixaram falar. Era óbvio que tudo que eu dizia estava sendo gravado, mas isso não me importava. Qualquer preço que decidissem que eu devesse pagar seria pequeno comparado ao sofrimento que evitei. Milhões de mortos, uma guerra que só terminou com a explosão de uma arma nuclear, e tudo por causa de um homem.

Eles me perguntaram sobre isso também. E eu admiti que foi a parte mais difícil. Matar uma criança inocente à sangue-frio. Mas eu expliquei o tipo de homem que ele iria se tornar, falei de seu racismo, de seu poder de oratória, de como se tornou um ditador. Mas para eles, ele não era ninguém, e como poderia ser diferente. Um mundo que nunca enfrentou uma segunda-guerra mundial não tinha como entender o mal que um homem, sozinho, teria causado.

No final do dia, exausto, encerraram meu interrogatório e me levaram de volta a minha cela.

Amanhã irei para a Alemanha. Eles querem que eu mesmo veja o resultado de minhas ações, antes de ser levado a um julgamento formal. Eu sei o porquê. Eu tive que admitir que a Alemanha se reergueu depois da guerra, e eles querem que eu veja o país de sua linha temporal, quem sabe um país que não se industrializou tanto, talvez ainda agrário. Não me importa.

Eu sei como burocratas pensam. Eles vão me mostrar números de nascimentos, estatísticas, tudo para provar que eu fiz mais mal do que bem. Vão querer me convencer que matar a criança que se tornaria o líder supremo da Alemanha foi um erro, pois atrasou o desenvolvimento do país.

Mas nada é pior que um soldado morto em uma trincheira por uma guerra inútil, e não vou me arrepender do que fiz, não importa quão atrasada seja esta Auschwitz que querem me mostrar.

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Ashur
Enviado por Ashur em 06/05/2017
Código do texto: T5991675
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