No Meio Do Nada

NO MEIO DO NADA

Amarrado e a boca tapada com aquela fita tipo esparadrapo, Ivo respirava com dificuldade no porta-malas do carro, que balançava e sacolejava pela antiga estrada de terra que dava acesso ao deserto, onde ainda habitavam alguns índios remanescentes das antigas tribos que outrora viveram por toda essa extensão de terra, que um dia foi chamada de “Vale do Sol”, terra com abundância de animais selvagens e diversificada flora vegetal, banhada por um extenso rio, que atravessava toda a planície. Depois da invasão dos alienígenas, quando a grande guerra começou e várias bombas nucleares foram lançadas na batalha, a vida praticamente acabou nesse lugar, tudo virou um enorme deserto infestado pelas radiações. Algumas espécies de bichos rasteiros como escorpiões, baratas, formigas e algumas aves de rapina, conseguiram sobreviver à catástrofe. Pelos buracos feitos a bala na lataria do carro, Ivo olhava a paisagem do jeito que dava e lamentava que seu fim fosse desse jeito: - Morto com um tiro entre os olhos e largado no “Meio do Nada” para virar comida de urubu. Ainda era apenas um garoto. Muitas coisas passavam pela sua cabeça e como num filme as lembranças invadiram á sua memória.

- Anda logo Ivo, se arruma e vai pra escola menino! Dizia sua mãe. - Você precisa se socializar com eles! Um dia quem sabe você irá para o espaço e sairá deste mundo poluído de radiação!

Ivo odiava aquela escola e os professores alienígenas, que eram severos e batiam nele. Obrigavam-no a adorar os seus deuses e a fazer reverências. Sempre foi um rebelde criado pelo avô que havia lutado na guerra e maldizia aquelas criaturas horrendas, que dominaram a terra e instituíram uma nova civilização e os humanos passaram a ser colonizados e obrigados a viver sob sua ideologia.

Um dia qualquer a polícia alienígena, talvez por informação de que seu avô seria da resistência, chegou a sua casa e matou sua mãe e torturou seu avô até a morte. Ivo ficou órfão, não conhecia seu pai, aliás, nunca o conheceu, sua mãe não falava nele quase nunca, às vezes dizia que um dia ele voltaria pra leva-los embora. Uma assistente social alienígena, tentando ser simpática o levou a uma instituição para menores infratores e disse que ele iria ficar bem, que cuidariam dele. Nesse lugar Ivo sentiu e viu de perto a verdadeira face da crueldade e da opressão a que eram submetidas às crianças e os jovens humanos. Fugiu do orfanato prisão e passou a viver na rua abandonado, comendo sobras de comida no lixo. Logo foi conhecendo o submundo do crime e das drogas e a lei da sobrevivência do mais forte. Ivo aprendeu nas ruas que os alienígenas possuíam uma tecnologia muito superior e uma máquina de guerra monstruosa, mas não possuíam a malícia humana, eram meio bobos, estúpidos, não sabiam o que era senso de humor, não entendiam porque achávamos graça de certas coisas, das situações hilárias, acreditavam no sentido literal das palavras, principalmente quando estavam sob o efeito de drogas, riam de forma grotesca, achando que haviam descoberto o ovo de Colombo. A polícia alienígena sempre andava com um artefato utilizado como uma espécie de detector de mentiras, que fazia uma leitura do sentido oculto das palavras. Metáforas, metonímias, polissemias... Tudo que levasse a um duplo sentido era perigoso, criminal. O governo alienígena proibiu e instituiu uma lei que classificava como crime hediondo, inafiançável e pena morte a quem fosse pego fazendo tráfico de substâncias ilícitas, pois sabiam de suas fraquezas e de como os humanos eram “maldosos e mentirosos”.

Essas drogas eram caríssimas no mercado negro e quem dominava esse mercado era uma gang chamada de “Noctívagos”, eram assim chamados porque viviam nas sombras, assim como criaturas com hábitos noturnos. Alguns diziam que seu misterioso líder na verdade era o chefe da resistência, outros diziam que era um bandido sanguinário a serviço dos alienígenas. As lendas é que ficam na história, você pode acreditar ou não.

Uma noite Ivo estava no beco escuro do final da rua, quase dormindo, quando ouviu quatro sujeitos conversando, diziam que estavam sendo perseguidos pela polícia e que era preciso esconder a sacola que traziam. Esconderam a sacola dentro de um enorme tubo que descia da parede e logo em seguida foram embora. Atrás de um latão de lixo Ivo viu onde esconderam a sacola e curioso foi ver o que era aquilo. Abriu a sacola e viu que estava cheia daquela droga colorida que os alienígenas gostavam de usar. Logo pensou: - Estou rico! Pegou a sacola e saiu correndo em direção ao velho galpão abandonado para esconder a sacola. Nesse meio tempo os quatros sujeitos já haviam vendido a droga para uns alienígenas de alto padrão e foram buscar a droga e não encontraram. Ficaram furiosos e saíram à busca procurando. Encontraram alguns vagabundos ali pelas redondezas e já foram dando porradas e perguntando:

- Alguém pegou uma coisa nossa ali no beco! Quem foi?

- Não sabemos Sr! Não fomos nós!

- Se não falarem agora! Irão todos morrer!

- Quem sempre dorme ali no beco é aquele menino, o Ivo!

- Onde podemos encontra-lo?

- Ele sempre fica naquele velho galpão abandonado!

Foram até o galpão encontraram Ivo dormindo o sono dos inocentes.

- Acorda moleque! Cadê a sacola?

- Que sacola, Sr?

- A que você pegou lá no beco!

- Não peguei nada Sr!

Quando um dos sujeitos fechou a mão para bater no garoto, uma enorme nave apareceu no alto do galpão e uma luz azulada foi iluminando todo o local, procurando por algo. Esconderam-se taparam a boca do garoto e ficaram em silêncio até a nave ir embora.

- Estão atrás da gente! Zignof nos traiu, vamos embora!

Amarraram Ivo, taparam sua boca com aquela fita tipo esparadrapo e o enfiaram no porta-malas de um carro e foram em direção ao deserto.

De volta a sua real situação do momento pensou: - Estou encrencado até o pescoço!

O dia estava amanhecendo e do porta-malas Ivo ouvia os sujeitos conversando:

- O que vamos fazer com o garoto?

- Vamos esfrega-lo até ele dizer onde escondeu a sacola!

- Vamos até a cabana nas montanhas e esperar a poeira abaixar, depois um de nós vai até onde ele escondeu a sacola e volta! Aí acabamos com ele!

Percorreram um longo caminho “No Meio do Nada” e chegaram até as montanhas no Vale do Sol, onde havia uma pequena cabana escondida entre as pedras, lugar de difícil acesso. Pararam o carro e desceram, esticando as pernas e os braços.

- Nossa, Estou moído!

- Precisamos dormir um pouco!

Pelos buracos feitos a balas na lataria do carro Ivo viu, quando um novo personagem surgiu na estória;

- Olá rapazes, estão se divertindo? Disse um sujeito alto, com barba por fazer, saindo detrás da cabana.

- Desculpe chefe! A gente não queria...

- Vocês são uns ladrões, canalhas...

Foi só a conta de sacarem as armas e o tiroteio começou pra todo o lado. Logo depois um silêncio. Ivo ficou apavorado e pensou: - Agora sou eu! Tô fodido.

Escutou o sujeito alto dizer: - Tirem o garoto do porta-malas do carro!

Tiraram-no do carro e soltaram suas mãos e pernas, o esparadrapo da sua boca, foi retirado com um puxão, ele respirou fundo, Ivo fechou os olhos para se proteger da claridade, quando abriu, viu o cenário de morte a sua frente, com os quatro sujeitos caídos no chão com as caras empoeiradas e os olhos estatelados.

- Não me mate Sr! Eu não sei de nada!

O sujeito alto, de barba por fazer, olhou para ele com certa ternura no olhar e disse: - Fique tranquilo! Estou cumprindo uma promessa! Um dia você entenderá!

A enorme nave surgiu no céu e aterrissou. Olhou mais uma vez para Ivo e disse:

– Se cuida, Garoto! Aquela droga vendida no mercado negro vale muito dinheiro! É assim que vamos derrota-los. Guarde-a num lugar seguro. Você será nosso contato a partir de agora! Ivo sentiu naquele momento que havia entrado para a resistência.

- Vamos embora! Disse aos outros que estavam com ele. A nave decolou e desapareceu no céu.

Ivo entrou naquele velho carro furado a bala e acelerou fundo, estava feliz contemplando aquela paisagem apocalíptica do deserto. Acenou para alguns índios que caminhavam na beira da estrada e lembrou-se das estórias que seu avô contava de quando aquela terra era um vale verde, com muitos animais selvagens, banhada por um extenso rio de águas claras e cristalinas.

Roman Kane 10/12/15