Uma Visão do Pesadelo

No decorrer dos anos, acrescentaram-nos alguns poderes mentais antes mesmo do nosso nascimento, através de óvulos manipulados para esse fim.

Eu tenho uma capacidade telepática bem desenvolvida e possuo também a capacidade de, através da meditação "viajar" saindo corpo, para estar no lugar que me interesse no momento. Geralmente faço essa viagem, levitando ou sobrevoando as áreas que desejo ver.

Parece que esse poder na verdade, foi-nos dado como um brinde, para que pudéssemos saborear uma liberdade, privacidade e espaço livre, garantindo alguma sanidade, pois a vida em nossa megalópole, vigiados 24 horas sem parar por câmeras e espremidos entre tanta gente, é claustrofóbica a ponto de levar à loucura.

No passado, depois que a população mundial atingiu os 7 bilhões de seres humanos, começou um rápido desenvolvimento mundial e o consequente crescimento exponencial da população. Antes, quando ainda não haviam os 7 bilhões, a média mundial era mais ou menos em torno do aumento de 400 milhões a cada 5 anos. À medida que os recursos tecnológicos passaram a ser usados nos países subdesenvolvidos, o crescimento extrapolou e quando o mundo se deu conta, já estava fora de qualquer controle.

Quando a humanidade atingiu estratosféricos 20 bilhões de pessoas, os recursos naturais, finitos, já estavam praticamente esgotados. Por falta de água, pessoas de todos os continentes começaram a migrar, passando a viver como nômades. Assim, formaram-se tribos que, antes, já guerreando por divergências religiosas, passaram também a lutar para dominar áreas onde restava alguma água.

Áreas que no passado foram cobertas por vegetação, tornaram-se desertos com pouquíssima vida animal, características desse tipo de região. Os mares menores secaram, peixes e aves desapareceram. Gradualmente, toda vida selvagem foi desaparecendo até que a maioria foi extinta completamente.

Por essa época, as doenças em formas de grandes epidemias atacaram a raça humana que, devido a fragilidade pelas difíceis condições de vida, como a escassez de alimentos, pouco chance teve de resistí-las sem a assistência de médicos e remédios.

Somando-se às epidemias, a natureza passou a atacar de forma feroz, ora com atividades vulcânicas, ora com furacões, assim também como terremotos de grande magnitude e seus consequentes maremotos.

De forma contínua, a população mundial foi drasticamente reduzida a menos de 5 bilhões de pessoas.

Esses tentavam de todas as formas possíveis sobreviver mesmo com a quase total falta de água natural e portanto, da agricultura.

No decorrer desses acontecimentos, os governos aceleravam a busca por soluções, pois muito tardiamente perceberam que a vida no Planeta Terra, estava com os dias contados.

Assim foi necessário criar nossa megalópole, onde vive todo tipo de etnia sobrevivente, ou, os que conseguiram chegar até ela e entrar, pois não é possível receber mais ninguém. A cidade é altamente tecnológica e conta com a proteção de um escudo que a cobre totalmente, evitando tanto uma súbita catástrofe natural, quanto a invasão de qualquer ser de fora. Dizem que ainda existem alguns homens-selvagens caçando-se mutuamente do lado de fora. Ninguém sai para verificar nada, pois não poderia entrar novamente.

Nosso alimento é produzido em Laboratórios que trabalham ininterruptamente e nos são entregues nos postos de abastecimento em porções de 3 rações para 24 horas, a qualquer hora do dia.

Nosso DNA está registrado e como temos implantes no corpo que atualizam o sistema, o governo sabe tudo sobre cada um de nós.

Pouquíssimas pessoas, quando autorizadas, podem gerar um, apenas um único filho. A maioria das mulheres de qualquer idade, seja ela, casada, mãe ou solteira, pode ser chamada para passar pela fertilização in vitro.

Também pouquíssimos homens são reprodutores. Os demais são vasectomizados e recebem a marca característica no pescoço. Os reprodutores estão proibidos de fecundar qualquer mulher, exceto sob autorização do governo. Geralmente eles devem doar material genético regularmente nos laborátorios.

Na intenção de produzir bebês que venham a se tornar adultos e gênios em algumas das áreas mais necessárias à humanidade, os óvulos são geralmente manipulados, elevando o nível de inteligência dos futuros seres em muito além de qualquer humano naturalmente inteligente.

Não criamos, não vemos e não mantemos quaisquer laços entre pais e filhos. Todas as crianças são criadas no Educandário, mesmo as que por acaso nasçam em casa. Lá são educadas conforme a vocação de cada um, geralmente nas áreas de engenharia e há uma necessidade constante de cientistas e astronautas, também.

Nessa corrida contra o tempo, muitos outros planetas já estão passando pelos processos iniciais de colonização, mas ainda nenhum está em condições de receber a raça humana.

Já estamos preparados para migrar diante de uma situação que coloque a humanidade em risco iminente na Terra, ainda que os planetas não ofereçam condições totais para tal. Não nos resta outra saída, pois à nossa volta, a Terra está em colapso contínuo.

As Leis são rigorosas e as câmeras registram tudo o que se passa na cidade. Caso duas pessoas sejam flagradas engalfinhadas, imediatamente drones surgem e atiram, eliminando ambos.

Com espaço limitado e excesso de gente, é impraticável perdoar atos de violência que possam desencadear um caos interno.

Como a vida na megalópole é estressante, o governo fornece drogas como soníferos ou ansiolíticos nos postos de saúde, a qualquer que os deseje.

Não há emprego permanente, mas estamos sempre a disposição do governo para servir onde e pelo tempo que este determinar. Quando alguém é chamado geralmente fica contente por ter algo para fazer.

Todo o sistema é praticamente robotizado e qualquer erro humano pode nos colocar em risco, assim, são poucas as áreas à que as pessoas comuns têm acesso.

Quem foi criado no Educandário vive apenas para trabalhar, tendo algumas horas de descanso entre um turno e outro, em revezamentos ininterruptos.

Meu apelido informal é Mia, pois na realidade somos registrados com letras e números os quais são marcados no pescoço. Meu registro é XXI2015A.

Quando eu estava de saída para ir até o posto de abastecimento, surgiram dois fiscais do governo acompanhados por um robô. O robô fez a leitura do meu registro e confirmando aos fiscais, fui pega pelos braços por ambos e embarcamos rumo ao Laboratório.

_ Deve haver algum engano, pois não fiz nada de errado nem recebi notificação para fertilização... Porquê vocês estão me levando? Perguntei, mas permaneceram em silêncio.

Somente no Laboratório soube que passaria por um processo abortivo. E eu nem sabia que estava grávida! Pior, o rapaz com quem tinha me relacionado tinha a marca da vasectomia...

Aí soube que a vasectomia dele seria refeita por ter falhado... Tive vontade de gritar:

_ Mas que droga de tecnologia é essa que não consegue nem fazer uma simples cirurgia direito?!

Mas me calei, sabendo que entregar-se à loucura é uma das piores coisas a se fazer nessa sociedade.

Porém, quando tentaram me fazer deitar na maca, reagi sem pensar. Com um braço protegendo o ventre, me debati lutando, chutando e arranhando, tentando escapar, em pânico.

_ Ninguém vai tirar o meu filho! Gritei, e logo senti a picada da agulha. A última coisa da qual me lembro foi a frieza do ladrilho sobre o qual desmoronei.

E P Í L O G O

Acordei de madrugada, encharcada, sentindo-me nadar na cama. Acordei gritando ou com o meu grito; no meu quarto, em Junho de 2015!...

_ Ah, não! Xixi, não!!! Pensando o pior, pulei completamente desperta da cama, arrancando o pijama e a roupa de cama, aflita por salvar o colchão. Por sorte, o colchão estava a salvo! Funguei sobre o amontoado de roupas no chão esperando sentir o odor característico, e, alívio; era suor! Devo ter perdido metade dos fluidos do corpo...

Comecei a pensar e acabei por conversar sozinha em voz alta:

_ Ah, Meu Deus, porquê me deixa ter esses pesadelos? Não vi nada assustador antes de vir para a cama e no jantar só tomei uma sopa... Imagine se tivesse sido uma feijoada completa!

Que sensação horrível, real demais...

Espera, aí, não vai me dizer que tive uma visão futurística, uma experiência de "pa-ra-nor-ma-li-da-de"?!

_ Bom, seja o que for, já vou estar mortinha mesmo...

Espera, lá, não vai me dizer que vou estar viva naquele inferno, tipo "reencarnada" ou algo assim? Ah, não! Isso, não!

Pronto, perdi completamente o sono...

_ Quer saber, vou escolher e assistir um velho filme de terror em preto e branco, desses que arrepiam até a alma, com Bela Lugosi, Vincent Price...

Depois quem sabe, durmo sonhando com anjos tocando harpas para mim...

Quando buscava algo para me reidratar, lembrei-me de um dito popular que vinha a calhar e acabei por rir:

_ O jeito é fazer uma boa limonada, enquanto essa vida ainda nos dá limões e algum açúcar para adoçar a ambos. Porque pelo visto, no futuro nem isso teremos mais...

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Allba Ayko
Enviado por Allba Ayko em 06/06/2015
Reeditado em 07/06/2015
Código do texto: T5267853
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