Esquizofrenia Paranoide

ESQUIZOFRENIA PARANOIDE

Naquela manhã Alcides acordou como todos os dias para o trabalho, não havia dormido bem, teve pesadelos. Foi ao banheiro lavou o rosto escovou os dentes, foi até a cozinha fez o café, ligou a tv e ficou ouvindo o noticiário, enquanto vestia o terno, ou melhor, a sua indumentária de labuta, viu que o trânsito já estava congestionado como sempre e que iria chover. Por um momento pensou: - Hoje é sexta-feira? Pegou a mochila com o seu notebook, o guarda-chuva e saiu pra rua, foi caminhando até o metrô, comprou o jornal para ler durante o trajeto. Entrou no vagão e inesperadamente teve a sensação de que todos o observavam, olhou a sua volta e pensou: - Será que não penteei os cabelos hoje? Instintivamente passou a mão pelos cabelos como se fosse alinha-los, sentou abriu o jornal e leu: “Homem se atira do décimo primeiro andar”- Não se sabe a causa, nem o porquê desse seu gesto, testemunhas disseram que se tratava de um sujeito calmo e tranquilo, que vivia de maneira pacífica e ordeira, um cidadão comum cumpridor dos seus deveres. Nesse instante levantou a cabeça e observou algumas cochichando, outras sorrindo, achou que estavam falando dele. Sentiu uma espécie de tontura e começou a suar frio, se controlou dobrou o jornal, se apoiou no guarda-chuva e desceu de forma apressada do trem, esbarrando em várias pessoas que gritaram – Oh... Vai com calma ai o maluco! Subiu a escada rolante e topou com uma legião de punks de cabelos azuis, vermelhos e alaranjados, abarrotados de piercing no narizes, nas orelhas e nas línguas, tatuagens pelo corpo todo, nessa hora abaixou a cabeça, apertou o guarda-chuva no peito, segurou o jornal entre os dedos com tal força que chegou a rasgar o papel, passou pelos punks que vinham de uma balada e nem notaram a sua presença, mas Alcides achou que aquelas figuras medonhas iam mata-lo, o coração parecia que ia sair pela boca, quando viu que ficou ileso, sentiu um alívio na alma, parou, sentou na escada de mármore respirou profundamente e disse: - O que está acontecendo? Porque estão olhando para mim? Esses ataques de pânico, misturado com uma mania de perseguição haviam se tornado um problema sério em sua vida. Conseguiu se acalmar um pouco e foi andando até chegar ao seu trabalho.

- Bom dia Seu Alcides! Disse o porteiro.

- Bom dia! Respondeu desconfiado.

Entrou em silêncio na sua sala pra que ninguém viesse falar com ele, sentou na cadeira e ligou o notebook, para ver seus recados eletrônicos, ligeiramente passou os olhos pelos e-mails, havia contas a pagar, extrato de banco, contatos profissionais, porém um lhe chamou atenção, estava protegido e codificado, - “Esteja lá hoje”. Lá onde? Pensou será que é vírus? Estranho é que brilhava na sua mente como um neon: “r040256k”. Ficou com os dedos coçando de curiosidade. Ah que se dane vou abrir! Digitou “r040256k” a mensagem se abriu, estava escrito: - 12h00min horas Rua Das Antigas, 154, Centro Velho. Leia e apague essa mensagem. Que porra é essa agora? Nem conheço essa rua das antigas! Com a sensação de que estava sendo observado, olhou para os lados e sorrateiramente foi até a tecla “Del” e apagou a mensagem. Logo após alguém entrou na sala e disse: Tudo bem contigo? Tá muito quieto hoje, sinal que a noitada foi boa! Olhou por cima dos óculos e viu que era seu amigo Rosinei. – Quem dera, só não dormi muito bem essa noite! Respondeu. – Vamos tomar umas hoje á noite? Afinal hoje é sexta-feira! – Não, hoje não! Tô cansado!- Certo, então fica pra outra! – Beleza! Olhou para o relógio e ficou pensando: Será que esse cara tá sabendo algo que eu não sei? O que está acontecendo? Ficou um longo tempo assim, inerte, com o pensamento nas nuvens, na verdade procrastinando. Olhou para o relógio novamente e viu que já era hora do almoço. Pegou seu paletó e saiu para o corredor e andou até o elevador. Observou que tinha câmeras de segurança por todos os lados, elas nunca o haviam incomodado antes, aquela sensação de que estava sendo observado o invadiu novamente, sua cabeça começou a rodar, sentiu uma vertigem, desapertou o nó da gravata e conseguiu chegar até a rua, respirando com dificuldade, tentou não chamar atenção caminhando devagar, chegou até o restaurante, na porta estavam parados dois sujeitos tipo policiais a paisana. Engoliu em seco e foi em frente, um dos sujeitos perguntou: Que horas tem ai Sr? Gaguejando, Alcides respondeu: - Dez para o meio dia! – Obrigado Sr Alcides!

Porque esses sujeitos estão me seguindo? Eu me lembro de tê-los visto hoje cedo no metrô! Não os conheço me chamou pelo nome! Entrou no restaurante e deu de cara com Sandra, sua chefe. Sandra era uma loira gostosa que Alcides tinha saído algumas vezes e que o usou para subir de cargo na “Quimical Pharma”. Olhou para ela com cara de idiota, perto dela sempre se sentia um idiota, otário. – Olá Alcides, sente-se comigo! Precisamos conversar! – Não, hoje não! Não estou me sentindo muito bem! – É sobre isso mesmo que quero falar! O escritório todo está dizendo que você está muito estranho! O que está acontecendo? Como se sente? Sei que você me odeia, mas nos importamos com você, és muito valioso para a empresa! Esqueça o passado e sente-se! Alcides sentou-se e por alguma razão desconhecida, sentia-se alterado, todos os seus sentidos estavam à flor da pele, de relance olhou para a orelha de Sandra por entre os cabelos e viu um minúsculo ponto de comunicação também percebeu o helicóptero acima do restaurante. Era um otário, mas não era burro, dá para entender? Na hora ligou uma coisa com a outra e concluiu que estava sendo gravado o que conversavam. – Como tem passado ultimamente? Tem dormido bem? Perguntou Sandra. – Não, tenho dormido mal, com estranhos pesadelos! – Que pesadelos são esses? – Acordo no meio da noite e tenho a sensação de que estou sendo drogado! Injetam em mim substancias que me fazem sonhar, com outra vida. Vida feliz, mas artificial, sei que é falsa, que não é verdade, é uma coisa implantada em mim! Tenho a impressão que estou sendo seguido o tempo todo, que me observam e escutam as minhas conversas telefônicas, abrem os meus e-mails! - Nossa meu querido! Desde o seu acidente, você vive sob forte tensão e stress! Você precisa descansar tirar umas férias! – Sim, acho que sim! Vou fazer isso! Disse Alcides.

Alcides saiu dali, foi pra casa e ficou pensando: Porque ela estava gravando a conversa? Deitado no sofá começou a se lembrar de que Sandra havia sido promovida por ser uma pesquisadora em doenças mentais, especificamente “esquizofrenia”. Ela usou todo seu charme para seduzi-lo, ganhando a sua confiança e assim, conseguiu ter autonomia para desenvolver o seu projeto, apresentando à diretoria que a promoveu a chefe. Foi nesse período, logo após o acidente de automóvel, que Alcides começou a ter os primeiros sintomas paranoicos de mania de perseguição. Com os pensamentos confusos e embaralhados, olhou para as lâmpadas que subiam para o teto e notou que havia fios trançados, paralelos diferentes. Levantou e disfarçadamente foi ao banheiro, subiu no vaso sanitário, apoiou-se no armário e conseguiu empurrar o alçapão no teto, entrou no forro e viu uma série de fios que cobriam todos os cômodos da casa. Cada cômodo tinha uma câmera escondida. Sua privacidade estava restrita somente ao banheiro. Ficou estupefato, estava sendo monitorado o tempo todo, aquela sensação de que estava sendo vigiado não era impressão sua, era real. Porque isso? O que querem de mim? Perguntava-se. Preciso descobrir! Procurou ser o mais natural possível, deitou-se novamente no sofá e pôs-se a pensar no e-mail: 12h00min horas Rua Das Antigas, 154, Centro Velho. Aparentando naturalidade pegou o celular e discou para o seu amigo Rosinei e disse: - Alo... Alo... Rosinei? Mudei de ideia, vamos tomar umas?- Certo combinado então! As nove no Boêmio, até lá!

Tomou um banho, se vestiu e saiu pra rua, com aquela sensação de estar sendo vigiado, olhou para o lado e viu um furgão escuro parado perto de umas árvores, ficou em alerta. Chamou um táxi, não gostava mais de dirigir, olhou para trás e viu que estava sendo seguido. Chegou ao Boêmio um pouco mais cedo, havia poucos clientes, procurou uma mesa ao fundo, com pouca luz, onde pudesse ter uma visão ampla do ambiente e perto de uma saída pelos fundos. Pediu uma cerveja e logo em seguida viu chegar aqueles dois sujeitos parecidos com policiais a paisana, ficaram numa mesa próxima a entrada. Os músicos começaram a tocar um tema de jazz e logo as pessoas foram chegando e o bar ficou lotado. Rosinei apareceu com duas garotas, começaram a beber e a conversar: - Ainda bem que você resolveu se divertir um pouco!- Sim, estou muito estressado, vou tirar umas férias!- Estavam todos dizendo que você estava agindo de maneira estranha!- Estava tomando uns medicamentos fortes!

Alcides percebeu varias vezes, uma comunicação dissimulada entre Rosinei e os dois sujeitos na porta de entrada. Ficou intrigado! O que eles estão tramando? Aproveitou um momento e disse: - Vou ao banheiro! Passou por entre os casais que estavam dançando, chegou até a saída dos fundos que dava num beco escuro e saiu correndo, mas logo avistou os dois sujeitos impedindo sua passagem. Respirou fundo e partiu pra cima dos caras e travou uma luta violenta com os dois. Socos e pontapés, sempre soube lutar desde a época do colégio em que apanhava dos mais fortes, mas aprendeu a bater também, deixou os sujeitos caídos e correu por uma rua em direção ao metrô. Rosinei apareceu no beco e disse: - Cadê ele? – Correu por aquela rua! – Não podemos deixa-lo fugir! Atrás dele!

Numa corrida louca e desesperada, Alcides conseguiu chegar até o metrô. Entrou no vagão e enxergou pela janela Rosinei e os dois sujeitos que tentavam abrir a porta, mas não conseguiram. - Preciso ir para o sentido centro velho! O vagão estava quase vazio e Alcides olhou para o relógio era quase meia noite, precisava chegar à rua das antigas 154, com alívio ouviu a voz anunciando: “próxima estação Centro Velho”. Saiu correndo e subiu à escada rolante, sentindo um enorme medo, por sorte a rua estava escura e deserta. Atordoado olhou para os lados e viu as antigas construções do centro velho, olhou para cima e viu o enorme relógio da matriz marcando meia noite e as badaladas se confundiam com as batidas do seu coração. Procurando controlar os nervos que estavam à flor da pele, foi andando devagar chegou até a praça, encontrou um mendigo dormindo num banco e perguntou: - Hei amigo sabe onde fica a rua das antigas, por aqui? O mendigo levantou a aba do velho chapéu e disse: - Tá vendo aqueles prédios abandonados ali? Mostrou apontando com o dedo indicador. – Fica ali seu moço! Cuidado por lá viu! – Obrigado! Disse Alcides, que foi caminhando em direção ao local indicado. Chegou numa esquina e observou uma antiga placa já meio desbotada pelo tempo: - “Rua das Antigas”. A rua era iluminada por aquelas luminárias em forma de globos amarelados, que refletiam sombras parecidas com espectros, de repente um gato cruza a rua rosnando e desaparece pelo muro. Alcides sentiu um arrepio correr pelo corpo. Composta por antigos casarões abandonados, carcomidos pelo tempo, era como viajar de volta ao passado, ir para o começo do século dezenove. Alcides encheu-se de coragem foi andando e só escutava o som do seu sapato que ecoava pelo silêncio da rua. Finalmente chegou ao número 154. A casa estava abandonada e parcialmente destruída. Abriu o portão, caminhou com o coração batendo acelerado fora do compasso até a porta que abriu rangendo e entrou. A sala estava iluminada levemente pela luz de um notebook em cima de uma mesa. Escutou uma voz feminina: Está atrasado! – Quem é você? Perguntou Alcides. – Sente-se e veja isso! Disse a voz. Alcides sentou-se numa poltrona e logo um vídeo começou no data show. O vídeo mostrava Alcides numa espécie de UTI, acoplado a uma mesa de cirurgia com vários eletrodos presos a sua cabeça e ao lado Sandra injetando uma substância de cor azulada, na veia do seu braço. Ela dizia que a partir desse momento ela curaria a “Esquizofrenia”. A voz feminina chegou mais próxima e Alcides pode ver o belo rosto da delegada federal Angelina.

- Sou delegada federal, meu nome é Angelina! Estes outros são os agentes Homero e Do Valle. Estamos há meses investigando esse caso! Você e várias pessoas, inclusive mendigos do parque, serviram de cobaias para experiências científicas, não autorizadas. Você é o único sobrevivente! Na hora Alcides lembrou-se da notícia do jornal em que um sujeito teria se jogado do décimo primeiro andar. – Mas como porque eu? Perguntou Alcides. – Você tinha sofrido um acidente de automóvel e sua namorada, chefe da experiência te usou nos testes! A experiência consistia em utilizar pessoas calmas e tranquilas, pacíficas e de boa índole, injetar o gene da esquizofrenia nessas pessoas que sofreriam uma alteração genética e depois fariam o processo ao contrário, enfim não sei bem ao certo, tecnicamente sou leiga nesse assunto! Alguma coisa, porém deu errado! Por isso era monitorado o tempo todo! - Precisamos de provas concretas, para incrimina-los, pois estamos lidando com gente muito poderosa! - O laboratório secreto dessas experiências fica no outro casarão ao lado! -Vamos invadir o local hoje e precisamos que o senhor seja testemunha e faça um depoimento incriminatório. Sentado na poltrona, Alcides não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Então era por isso que sofria com aqueles pesadelos terríveis e convivia com aquela sensação de que estava sendo perseguido, na verdade era uma cobaia de um experimento científico. Sentiu um alívio inesperado e concluiu: - “Não era um esquizofrênico paranoide” e isso era muito bom.

A polícia federal invadiu o local, prendeu várias pessoas, inclusive Sandra e Rosinei. A mídia noticiou o fato em vários jornais e TV. Alcides ficou sobre proteção de testemunha da polícia federal, durante meses até o seu depoimento no julgamento. A indústria farmacêutica é muito poderosa, contratou os melhores advogados e conseguiu se livrar, por falta de provas definitivas.

Alcides foi demitido por justa causa e hoje trabalha como vendedor autônomo de cosméticos.Aparentemente está normal, mas ficaram sequelas. Algumas noites acorda tendo estranhos pesadelos e aquela sensação de estar sendo observado, sempre invade a sua alma. Com o passar do tempo aprendeu a conviver com isso.- Isso o que? - A esquizofrenia Paranoide! Alguém o controla de algum lugar! Será?

roman kane 07/03/15