"AMO MEU IMPERADOR..."

Ganímedes, 19 de fevereiro de 2015.

O Vice-almirante Wagner Pires estava de pé, frente à janela do seu gabinete na Base Ganímedes, observando a pista onde a Vingador e a Milenium estavam terminando de ser abastecidas. Terrestres e marcianos afanavam-se na preparação das naves para uma longa viagem. No espaço, a Odín e a Zeus orbitavam.

–Não vai ser um passeio – disse por fim o vice-almirante.

Os capitães Lúcio Cardelino e Leif Stefansson concordaram em silêncio.

–Há quatro meses que não temos notícias deles.

–Esperemos que não estejam em apuros, senhor – disse Lúcio – até agora Aldo tem se saído bem em tudo.

–Sim, ele sempre cai de pé – concordou o vice-almirante, passando uma mão nos cinzentos cabelos, cortados em escovinha – mas desta vez a falta de notícias é preocupante. E não é culpa das tempestades solares...

–Não penso que voltem tão cedo – interrompeu Leif, que até o momento estivera em silêncio – minha irmã já deve ter tido seu filho e devem estar esperando que a criança cresça.

–É bem provável. Mas a falta de notícias deixa-me preocupado. O rádio da Hércules é bem potente e poderiam facilmente nos contatar. Temos satélites repetidores em órbita de Júpiter e Ganímedes.

–Podem estar com defeito no radio – aventurou Lúcio.

–É uma possibilidade – disse Pires – mas se acontecesse comigo, mandaria uma patrulheira para informar. Essas navezinhas podem alcançar 11 bilhões de kms à mesma velocidade da Hércules.

–Tem razão – disse Leif – algo acontece lá que escapa às nossas suposições.

–Por isso os senhores partirão imediatamente para Saturno. Suas naves estão equipadas para uma longa permanência lá fora, terão autonomia de dois anos. Foram apetrechadas com tudo o que há de mais avançado até o momento em tecnologia terrestre, marciana, raniana e milkara. Cada uma leva seis caças, três patrulheiras, um carro de combate, cinco iglus, espaço-motos e dois canhões marcianos de campanha, além dos novos bancos phaser, que copiamos dos milkaros. Não haverá problema de abastecimento, os reboques de mantimentos já estão em órbita. Há tonéis de concentrado e deutério; e equipamento para fabricar mais. O sistema adaptará o conversor para o tipo de combustível que consigam fabricar com o material que for encontrado nas luas...

–Além disso – disse Leif – haverá suficiente combustível de reserva para as patrulheiras e os caças; senhor.

–Já escolheram as tripulações?

–Sim, senhor – disse Lúcio – a Vingador terá 118 tripulantes além de mim, e a Milenium 49 além do capitão Leif; 21 terrestres e 28 marcianos. Já estão todos a bordo; de prontidão desde ontem.

Lúcio foi interrompido pelo alarme de pista, anunciando a decolagem.

–Somos nós; senhor – disse Leif, colocando o capacete – devemos embarcar.

–Boa viagem, senhores, e muita sorte.

–Obrigado, senhor – disseram os capitães, girando nos calcanhares e saindo.

*******.

Fazia quase um mês que Aldo vivia em Taônia na casa de Zhara. Seus amigos já tinham retornado às Terras Frias, exceto Gamal, que se ofereceu para ficar e auxiliar o terrestre com seu grande conhecimento da cidade. Lian-Ee voltara com instruções para o doutor Valerión, para mandar os engenheiros acunhar moedas taonianas com o ouro marciano estocado na Hércules e enviar uma boa quantidade à casa de Zhara. Aldo necessitava solvência para movimentar-se livremente no país e descobrir mais sobre o programa espacial taoniano.

Tao era poderoso e temido, mas era competente e capaz como governante, o que se percebia ao analisar a organização e o bem-estar geral da população. Quando receberam o dinheiro, Aldo e Gamal mudaram-se para uma casa maior e mais central, o qual era muito conveniente para ouvir notícias e boatos.

Aldo comprou uma TV em preto e branco, como todas do país, e comprovou que os transistores estavam em fase experimental. Os computadores eram muito simples e o radar muito precário, mas ainda assim, os cientistas locais não paravam de trabalhar, incentivados pelo governo.

Aldo estudara nos livros de história que, após a chegada dos refugiados ranianos ao Gopak Uio, lutaram bravamente para sobreviver na lua gelada. Tiveram uma regressão; e até conseguirem dominar o ambiente, esqueceram a ciência das estrelas por milênios, já que a luta pela sobrevivência foi árdua. Mas agora estavam vivendo uma idade de ouro, uma Renascença, e Tao, o Impiedoso, era seu artífice.

De novo entravam na era espacial como acontecera na Terra tempo atrás e estavam razoavelmente avançados na pesquisa nuclear. O programa espacial ainda estava na fase das pequenas naves orbitais tripuladas por poucos dias. Em ciência astronômica estavam bem adiantados, até melhor do que os terrestres. Conheciam bem os planetas e estrelas, e mantinham catálogos atualizados.

Sabiam onde estavam e tinham uma consciência racial bem arraigada. Sabiam que eram o que restara do Império Raniano e o imperador sabia que era descendente dos antigos imperadores de Ran.

Ele achava que tinha a obrigação de restaurar o Império Raniano, o que explicava a ênfase colocada na pesquisa espacial.

Com esta informação Aldo quis saber sobre as transmissões captadas aqui, saber sobre a guerra na Terra, saber se Antártica tinha sido vitoriosa ou não. Mas como saber? Com quem deveria falar para saber o que estava sendo escutado nas estações de rasteio espacial?

Talvez não havia mais ninguém na Terra para transmitir coisa nenhuma.

*******.

–Você deveria falar com a senhorita Uio.

–A jornalista da TV? Está desvairando Zhara. Essa mulher vai querer me levar a TV e ao inferno com o meu anonimato.

–Algum dia você deverá adquirir notoriedade, Al-Do.

–Não fala sério.

–A senhorita Uio tem prerrogativas especiais para entrar em todos os lugares relacionados com telecomunicações na cidade. Se ela não consegue uma comunicação com a Terra, ninguém conseguirá.

Algo devia acontecer para adiar seus planos, algo marcante, violento. Sem aviso prévio, três bases aéreas dentro dos limites da cidade, foram bombardeadas por naves triangulares dos xawareks de Japeto.

A artilharia antiaérea e os mísseis da força aérea, prontamente responderam, contra-atacando.

–Por quê nos atacam? – disse Aldo vendo o espetáculo pirotécnico pela janela.

–Porque querem viver aqui.

–Não estão satisfeitos lá encima?

–Seu mundo está morto. Como não tem ar, moram no subsolo. Parece que a energia deles está acabando. Precisam nos exterminar primeiro. Mas somos mais fortes do que eles, por enquanto.

–Não há modo de conviver pacificamente?

–Tentamos isso muito tempo atrás. Eles nos visitavam, nos comunicávamos e trocávamos informação.

–O quê mudou?

–Não sei. Antes de eu nascer já eram inimigos. Foi de repente. O Imperador... Ah... Sua Suprema Inteligência acha que eles receberam visitas de fora. Também acha que eles ajudam os rebeldes Yord, que querem derrubar o governo.

–Porque ele acha isso?

–Foram descobertas naves dos xawareks em território controlado pelos Yord.

–Por isso Tao quer dominar o vôo espacial?

–Sim, para atacar os xawareks no seu habitáculo.

–E para conquistar a Terra.

–Al-Do! – a jovem riu de forma encantadora – Não me diga que tem estado todos estes dias com essa idéia na cabeça!

–Sim, bem preocupado.

–Eu disse “conquistar” no sentido de chegar, desembarcar, conhecer a Terra... Da mesma forma como você contou que conquistaram o quarto planeta...

–Entendi de outro modo.

–Percebo. E antes que pergunte, direi: pensamos que vocês, como nós, são descendentes dos deuses ranianos e, portanto iguais a nós; coisa que agora comprovo.

–Vocês estão certos.

–Por isso Sua Suprema Inteligência quer que cheguemos à Terra, para unir nossos povos novamente...

–E assim, ele governará taonianos e terrestres por sempre e um pouco mais...

–Claro! É a coisa mais lógica; a coisa mais sensata a fazer.

–Só que meus conterrâneos lá na Terra; supondo que ainda reste alguém vivo; não vão gostar nem um pouco dessa idéia.

–Não?... Por quê? – o espanto de Zhara era sincero – Sua Alteza Imperial descende em linha direta de Arión I; neto do último imperador de Ran, Ramsés XVIII. Arión I foi enviado ao Gopak Uio numa nave arca para se salvar do demônio Alakros e da destruição do mundo.

–Isso foi há dez mil anos terrestres, uma enormidade de tempo.

–Por quê os terrestres não iriam querer que ressurgisse o Império Raniano? Já fomos donos deste canto do quadrante por muitas eras... Não vejo motivo para os terrestres não quererem ser governados com amor e sabedoria pelo Grande Tao...

Aldo fabricou uma resposta imediatamente, verídica, por sinal:

–Os terrestres não lembram terem sido ranianos no passado.

–Sim, tem razão... Isso é um empecilho lamentável...

–Além disso, como sabe, a Terra deve estar morta. Meses atrás começou uma guerra mundial. Sem dúvida que se empregaram armas terríveis. Há muito que não tenho notícias, portanto não tenho certeza. Minhas previsões mais pessimistas indicam que deve ter morrido todo mundo, inclusive meu irmão mais velho e sua esposa.

–Sinto muito – disse Zhara com autêntico pesar.

–Por isso não vale a pena ir. Não deve restar nada para ser conquistado...

Foram interrompidos por um alarme antiaéreo. A eletricidade foi cortada e ficaram às escuras. Zhara abriu a janela.

–A cidade inteira está sem luz – disse.

–Haverá outro ataque. Ao chão, Zhara! – gritou Aldo enquanto o apartamento tremia com a primeira bomba.

Atiraram-se embaixo da mesa, enquanto pedaços de reboco do teto caiam no meio da sala. Saturno ocultara-se envergonhado pelos pequenos aviões que agora bombardeavam indiscriminadamente os bairros residenciais. Agora Aldo sentia na pele o que era estar do lado de baixo num bombardeio.

*******.

O ataque durou dois eternos minutos. Bombas de fragmentação e incendiárias produziram danos consideráveis, mas os pontos vitais pouco sofreram. Fábricas e quartéis estavam protegidos por uma barragem de fogo de canhões e mísseis. A força aérea, muito efetiva, pôs o inimigo em fuga assim que conseguiu decolar dos afastados aeroportos. As naves inimigas, feitas para o espaço, eram pouco efetivas no combate nave a nave, com o que perderam a iniciativa ao deparar-se com os pilotos taonianos.

Meia hora depois a luz voltou; vacilante. Aldo e Zhara surgiram de baixo da mesa entre pó e restos de teto. Ela foi à janela. Colunas de fumaça elevavam-se em vários pontos. Carros de bombeiros e ambulâncias estavam em plena atividade.

–Assassinos! Os odeio!

–Calma Zhara. Estamos bem.

–Não é por mim, olhe lá! O hospital... Está ardendo.

–Vejamos se ainda funciona isto – disse Aldo ligando a TV.

–"...E nossos bravos pilotos colocaram em fuga os covardes xawareks. Os nossos derrubaram oito naves, enquanto que o inimigo apenas derrubou uma das nossas. O piloto conseguiu se salvar. Sua Suprema Inteligência acaba de anunciar que começará imediatamente a reconstrução das casas particulares que tenham sido atingidas. Os interessados deverão dirigir-se à autoridade mais próxima à..."

–Parece que já passou – disse Aldo desligando a TV.

–Precisam de mim – disse Zhara sacudindo o pó do seu abrigo de peles – vou para o hospital. Sou médica, lembra?

–Sim, é claro...!

–Mas antes quero saber onde está sua nave. Não acho que tenha vindo a pé.

–Isso é secreto.

–Se você se dispusesse a ajudar, não passaríamos por momentos como este.

–Ajudar como?

–Ensinando o secreto da viagem espacial aos nossos cientistas.

Aldo pensou um pouco e disse:

–Farei algo melhor. Combaterei os xawareks quando atacarem da próxima vez.

Os olhos de Zhara brilharam.

–Verdade? Deverá buscar sua nave e...

–Sim – disse Aldo pensando se Zhara mandaria segui-lo às Terras Frias – Vou combater pelo povo para evitar que isto se repita. Mas não posso ensinar o secreto do vôo espacial. Ainda duvido da bondade do Imperador. Você o ama? Diga a verdade!

–Amo meu Imperador que me protege, me dá abundância, prosperidade e paz.

–Paz?... E os xawareks?

–Esses... Esses monstros! O imperador não tem culpa do que aconteceu hoje!

–Mas eles querem um lugar para morar, afinal eles também são filhos de Ran...

Zhara pareceu compreender. Aldo não sabia!

–Você nunca os viu? Eles não são como nós. São como animais, peludos como um Wok, comem carne crua, possuem dentes enormes e garras... São predadores!

Aldo ficou pasmo. Até aí pensara que o inimigo era humanoide.

–Então a coisa muda de figura. Já tinha ouvido falar deles antes; como raça cliente de Alakros, mas não me havia ocorrido que não fossem humanos.

–Entendeu agora porque não podem viver aqui?

–Agora sim. Você confia em mim?

–Acho que confio.

–Por quê Tao é chamado “o Impiedoso”?

–Impiedoso contra nossos inimigos.

–Descobrirei a verdade sobre Tao e os xawareks, mas preciso de tempo.

–Para quê?

–Vou buscar minha nave e reunir meu pessoal.

–Há mais como você?

–Sim. Você achava que eu era o único?

*******.

CONTINUA EM : OS REBELDES.

*******

O conto "AMO MEU IMPERADOR..." forma parte integrante da saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase 1, Volume 3, Capítulo 22, Páginas 57 a 61, cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados, sarracena.blogspot.com

O volume 1 da saga pode ser comprado em:

clubedeautores.com.br/book/127206--Mundos_Paralelos_volume_1

Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 11/01/2015
Reeditado em 09/10/2016
Código do texto: T5097877
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.