COMA.

Dos profundos mundos da inconsciência; o coronel Alan Claude Sarrazin tentava escapar sem resultado.

Terríveis sensações invadiam sua mente em luta com a morte; luta de força de vontade para não perder a envoltura carnal castigada e martirizada pelos ferimentos e fraturas que sofrera.

Tinha certeza de ainda estar vivo, embora na porta de um túnel escuro com uma pequena luz, longe, muito longe.

Às vezes sentia o impulso de entrar nele e chegar àquela luz, uma luz cálida e convidativa, que chamava...

Sombras de homens flutuavam ao seu redor; homens sem rosto, que o convidavam a seguí-los. Imagens familiares surgiam do túnel.

Seus amigos; Chekov, Bino, Muslimov, convidando-o a entrar no túnel...

-Vem conosco! - chamavam os camaradas.

-Não! Vocês estão mortos!

Foi inútil. Eles o puxaram pelo túnel.

O coronel lutou para escapar no meio da escuridão, tentando voltar, mas errou o caminho e chegou a um lugar estranho, um deserto de areias vermelhas com um céu cor lilás onde brilhavam estrelas de gelo e um fraco sol cor de cobre que não esquentava. Alan caminhou alguns passos.

-Que lugar é este?

-Onde apodrecerás! - disse uma voz.

-Apareça e lute!

-Se é o que você quer, coronel Sarrazin...

Abriram-se as areias e apareceu uma bela mulher.

Alan sentiu-se atraído pela sua beleza, caminhando sedutora em sua direção. E seu rosto mudou.

-Gosta de mim assim? - disse ela, com o rosto de Norah de Guzmán.

-Não!

-Então assim - disse ela, transformando-se na tigresa Tikal Henna.

Alan lutou para não se aproximar dela e foi recuando.

-Você não me ama mais? Tirou minha virgindade e agora não me quer?

-Não faça isso comigo!

-Claro! - disse ela transformando-se em Iara - Trocou-me por esta!

-Iara?

-Venha querido. Descanse... Você merece. Já sofreu demais, lutou demais...

Alan sentiu uma lassitude e uma paz invadindo-o aos poucos.

-Venha querido. Beije-me.

-Isto não pode ser. Estou sonhando ou estou morto.

-Você não está sonhando.

-Então estou morto.

-Ainda não, querido - disse a mulher voltando ao que era - mas logo estará.

-Quem é você?

-Meu nome é Átropos - disse ela - sabe quem sou?

-A feiticeira do destino que corta o fio da vida? Está brincando!

-Eu nunca brinco.

Ela estava bem perto e seus olhos negros o hipnotizavam...

-Esses olhos!... - gritou Alan.

-Gosta dos meus olhos? - As frias mãos de Átropos já estavam no peito do coronel, e só então ele viu que estava completamente nu.

-Beije-me, querido.

Ele sentiu-se enfraquecer, olhou suas mãos e viu que estavam envelhecendo.

-Largue-me!

-Venha! - insistiu ela.

-Não! Largue-me!

A face dela mudou mais uma vez, envelhecendo rapidamente...

-Você é a Morte!

-Acertou, coronel. Está na hora de vir comigo - Ela mudara outra vez; era um horrível esqueleto em roupas de mulher.

-Venha, coronel! Você é meu! Já brincou comigo demasiadas vezes, mas agora minha paciência acabou.

-Venha me pegar - disse Alan, com aparência de um velho de setenta anos.

-Resistir é inútil - disse a Morte - você já se entregou. Não lembra? Você se encomendou aos deuses e morreu em batalha. Não era isso que tanto queria?

-Pensei melhor e mudei de idéia - disse Alan, sardônico apesar da situação, suspeitando que não estava morto... Pelo menos não totalmente.

-Chega! - disse a Morte, lançando-se sobre ele.

Alan atirou um chute de perna esquerda no esqueleto, que se desmanchou em varias partes que ficaram espalhadas na areia vermelha.

Por alguns minutos, o coronel ficou olhando aqueles ossos em silêncio sob o sol gelado, enquanto parecia sentir-se melhor, recuperando sua juventude.

Mas o respiro não durou. Logo os ossos voltaram a juntar-se, tomando forma. A Morte recolheu o belo vestido caído na areia e o foi vestindo devagar.

-Você não pode matar a Morte, coronel. Por quê me dá tanto trabalho?

-Eu sou assim - respondeu Alan, sardônico.

-Esperei que os troianos o trouxessem até mim, e falharam.

-Mandei muitos troianos a você, não mandei? - disse Alan - E aquele maldito do Wilfred West? Entreguei-o a você com prazer! Devia me agradecer.

A Morte esbofeteou a face de Alan com sua mão descarnada, arranhando-o e tirando sangue.

Ele revidou com um chute, fazendo-a cair.

Mas logo ela levantou-se trabalhosamente, sacudindo-se o pó:

-Esperei que os xawareks o mandassem a mim, e falharam.

-Imagino que você não terá onde colocar tantos, os de Japeto, os de Vênus...

A Morte jogou vinte anos no rosto de Alan, que enfraqueceu de novo, mas ele ainda conseguiu dar outro chute nela, que caiu de cara na areia, mas se levantou.

-Esperei que os alakranos o trouxessem a mim, e falharam...

-Pare aí, madame! O alakrano se matou sozinho! Não fui eu.

A Morte jogou mais vinte anos na cara de Alan, mas caiu quando ele chutou sua cabeça para longe. O esqueleto levantou-se e foi buscar sua caveira, devagar.

Quando a achou a colocou sobre o pescoço.

-Depois foi a vez dos piratas... Tenho tantos piratas! Você e seu amigo Aldo já mandaram muitos!... Outra hora vou me ocupar desse seu amigo.

-Que tal se ocupar de mim, agora?

-Claro! - disse a Morte jogando cem anos na cara dele - o quê tem a dizer?

Alan caiu, enfraquecido, sem poder se levantar. Agora era um ancião decrépito preste a morrer. Sentiu falta de ar e achou que desta vez a Morte o derrotara.

-Está bem! Você venceu! Deixe-me respirar um pouco - disse ele, ofegante.

O coronel ficou tendido na areia, tentando se lembrar das lições aprendidas com seu protegido tibetano Lobsang Dondup, para estes casos.

Mas a Morte estava impaciente:

-Não posso ficar o dia todo aqui, coronel. Levante-se!

-Está bem. Ajude-me a levantar - disse ele, estendendo a mão.

A Morte estendeu sua mão esquelética e Alan a pegou com as últimas forças que lhe restavam, puxando-a violentamente por cima de sua cabeça.

Outra vez a ossada desmanchou-se e Alan recuperou sua força e juventude, levantando-se e jogando areia encima dos ossos. Estes desapareceram e no seu lugar abriu-se a boca do túnel. Alan sabia agora que essa era a saída. Entrou no túnel, mas ouviu a Morte atrás dele:

-Pode ir desta vez, coronel Alan. Mas não desisto, um dia você será meu.

*******.

Alan sentiu dores no corpo todo. Ouviu vozes falando em alakrano.

-Está retornando do coma, excelência.

-Bom trabalho, doutor.

-Estava morto quando o trouxeram. Foi difícil consertar tantos danos.

-Foi por isso que arrisquei a nave, doutor. Mandei colocá-lo na câmara de êxtase para evitar a deterioração. Por mar não chegaria em tempo.

-Medida acertada. Vossa excelência não me disse qual é a importância deste humano, porquê devia ser consertado com tanta urgência?

-O senhor consertou um perigoso agente interestelar, doutor. Suspeitamos que está a serviço da Suprema Confederação.

-Eles já sabem que estamos aqui?... Isso não é...

-Perdemos nosso incógnito. Assim que o humano for interrogado, saberei mais, e poderei tomar medidas. Prepare-se para o pior, doutor. Salve sua base de dados no sistema da minha nave e fique em alerta de evacuação.

-É tão grave assim?

-Demais. Não esqueça que estamos no território deles.

*******.

Então era isso.

Alan permaneceu ainda várias horas fingindo-se desacordado.

Os exercícios de ioga aprendidos com Lobsang seriam de grande utilidade. Precisava pensar, analisar a conversa que ouvira e traçar um plano de ação antes de ser interrogado, porque sabia que os interrogadores seriam duríssimos.

Ele estava indefeso e sabia que não teria forças para suportá-lo.

Entendera que chegara morto desde Tíber numa nave alakrana; que eles tinham receio de usá-la porque poderia ser detectada pela Suprema Confederação e que certamente não teriam muitas.

Talvez não tudo estivesse perdido. Agora tinha outra chance. Ainda não estava fora do jogo.

As possibilidades são infinitas.

-Se acham que têm um agente confederado, então o terão - pensou.

Uma sombra ofuscou seu pensamento:

-Iara!... Escapou? - mas tentou tranqüilizar-se, precisava urgentemente disso para concentrar-se nos próximos movimentos - claro que escapou, é inteligente, treinada. Saberá o que fazer. E Lin está com ela para apoiá-la.

Mas depois teve outro pensamento:

-Quanto tempo estive morto? Quê dia é hoje? Como saber? Eles devem ter pegado meu cinto de utilidades... Ainda bem que salvei o pentacorder.

-E onde será que eu estou?

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CONTINUA EM: O BLEFE

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O conto COMA forma parte integrante da saga inédita

Mundos Paralelos ® - Fase II - Volume IV, CAPÍTULO XXXII (páginas 89-90-91), cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados, sarracena.blogspot.com

Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 31/03/2013
Reeditado em 12/01/2024
Código do texto: T4216747
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