Secretaria de Assuntos Exteriores

Em 1997 meu pai foi convidado por um amigo a trabalhar para o governo como 2º secretário de relações exteriores. Meu pai disse que foi convidado devido ao seu grande conhecimento de outras culturas, porém eu sempre desconfiei que houvesse mais alguma coisa por trás disso.

Um ano depois nós nos mudamos para a capital federal e fomos morar em uma grande casa com um enorme jardim ao redor dela. Morávamos, eu, meu pai, minha mãe, uma senhora que cuidava dos afazeres da casa e um caseiro chamado Sr. Nelson.

Na época eu tinha 12 anos e a imaginação muito fértil, então vivia vasculhando a casa a procura de passagens secretas ou de coisas escondidas. Eu não tinha muitos amigos já que era novo na cidade e as aulas só começariam no outro ano.

Meu pai viajava muito por causa do trabalho e minha mãe estava sempre preocupada com os assuntos da nova casa e meu primeiro amigo foi o senhor Nelson que trabalhava em nossa casa. Ele era um senhor de aproximadamente uns 60 anos, cabelos e bigode brancos, sempre prestativo e com olhos muito atentos ao que acontecia ao redor. Ele não aparentava a idade que tinha, até porque seu físico era o de um homem de meia idade e não de um senhor.

Minha mãe insistia para que meu pai contratasse uma pessoa mais nova para o trabalho porque ela achava que ele demorava muito para fazer suas tarefas, mas meu pai também ficou amigo do senhor Nelson e não achava aquilo necessário, porém ele concordou em arrumar um ajudante para o caseiro, assim os serviços ficariam prontos mais rápido como queria minha mãe. Algumas entrevistas depois, sobraram apenas dois candidatos para a vaga. Antônio era um jovem forte, mas que não parecia ser muito esperto apesar de ser bem simpático e falante. O outro candidato se chamava Arthur e também era jovem, mas não tão forte quanto Antônio, tinha olhos estranhos que ficavam atentos a tudo e ele parecia ser muito curioso, fazia mais perguntas do que respondia as de minha mãe.

Meus pais se decidiram pelo primeiro rapaz, Antônio para ajudar nosso caseiro, mas ele só apareceu no primeiro dia de trabalho, depois sumiu sem dar explicações. Meus pais então entraram em contato com Arthur que prontamente começou a trabalhar em nossa casa.

Meu pai tinha um escritório em casa que nem mesmo minha mãe tinha acesso. Ele sempre ficava trancado e meu pai dizia que era melhor assim, porque o trabalho dele era muito chato e não queria que nós ficássemos vendo aquelas coisas. Mas ele sempre dizia também que um dia iria me levar para trabalhar com ele e que eu seria seu sucessor naquele gabinete.

Após alguns dias eu notei que meu amigo o senhor Nelson andava um pouco estranho com todos. Ele estava mais irritado e falando menos do que era de costume, enquanto o novo ajudante falava muito e sempre querendo saber coisas a respeito do serviço de meu pai. Algumas vezes eu o peguei olhando pela janela do escritório de meu pai, mas como as grossas cortinas sempre estavam fechadas ele não conseguia ver muita coisa.

Duas semanas depois nosso o senhor Nelson ficou doente e precisou ir para o hospital. Eu fiquei muito chateado com a aquilo porque ele era meu único amigo por ali, mesmo ele tendo ficado estranho durante os últimos dias.

Arthur começou a dormir no quarto do senhor Nelson enquanto ele estava no hospital. E na segunda noite em que ele estava lá eu fui fazer minhas pesquisas pela casa a procura de esconderijos, quando uma voz estranha chamou minha atenção. A cozinha ficava no fundo da casa e lá havia uma porta que saia para o quintal e dava de frente para a casa do caseiro, a voz vinha de lá.

Eu achei que havia mais alguém com o Arthur na casa e fui ver o que estava acontecendo. Abri a porta da cozinha sem fazer barulho e fui pelas sombras de uma parede próxima até chegar perto da casa. Fiquei em baixo da janela e podia ouvir alguém conversando com outra pessoa, mas não era a voz do Arthur e também não estava falando em nenhuma língua que eu conhecesse. Muitas vezes ouvi meu pai ao telefone falando em varias línguas, mas aquela não era nenhuma que já tivesse ouvido nem em filmes estrangeiros. Era uma voz muito gutural, rouca e agressiva. Não sabia o que fazer. Fiquei com medo de olhar pela janela e a pessoa me ver. Quando pensei em voltar para minha casa e chamar meu pai a porta da casa do caseiro se abriu e fiquei paralisado de medo no escuro em baixo da janela. Eu pude ver o Arthur parado na porta segurando um aparelho que eu nunca havia visto antes perto do ouvido e falando com aquela voz estranha quando de repente ele parou de falar e começou sentir o ar como se estivesse farejando alguma coisa. Fiquei congelado de medo porque parecia que meu coração estava fazendo tanto barulho batendo dentro do meu peito que achei que ele iria escutar e me pegar ali xeretando sua vida, mas ele parou de farejar e começou a falar com sua voz normal dizendo que precisava agilizar as coisas e que se falariam depois. Ele foi finalizando a conversa entrando na casa e eu fui o mais rápido que pude de volta para a minha casa.

Fui procurar meu pai, mas ele já estava dormindo. Fui para meu quarto e tranquei a porta de tanto medo. Não conseguia dormir, mas nem percebi quando isso aconteceu e quando acordei fui correndo falar com meu pai só que ele já havia saído para trabalhar.

Não sabia com quem falar, minha mãe não me ouviria, meu pai estava no trabalho e meu único amigo estava no hospital. Passei a manhã pensando no que fazer e na hora do almoço outra coisa aconteceu.

Minha mãe saiu para fazer compras com a empregada e eu fiquei sozinho em meu quarto fingindo que estava estudando.

Apesar de ainda estar com medo do que havia acontecido na noite anterior, eu queria mais respostas sobre aquilo, sai do meu quarto e fiquei rodeando a casa do caseiro esperando uma oportunidade de entrar lá, mas não houve essa oportunidade. Eu vi quando Arthur entrou com seu prato de comida na casa e fui espiar pela janela.

De onde eu estava podia vê-lo de lado. Ele estava sentado e estava começando a comer. Ele não usava os talheres, a comida era levada até a boca com as mãos e ele parecia estar resmungando enquanto comia. Eu não conseguia parar de olhar para ele. Ele comia com uma voracidade incrível, parecia um animal comendo. Quando ele terminou aquela comida, ele se virou para uma bolsa encostada ao lado da parede e tirou de lá um pedaço grande de carne e jogou sobre o prato. Fiquei olhando surpreso e vi quando ele levantou o pedaço de carne e começou a abrir a boca para engolir todo aquele pedaço. Sua boca se dobrou de tamanho e os dentes pontiagudos saltaram para fora daquela boca enorme engolindo o pedaço de carne inteiro! Pude perceber enquanto ele ia abrindo a boca que parecia haver uma pele esverdeada por baixo de sua pele branca na área dos lábios e sem querer encostei a cabeça no vidro da janela tentando enxergar melhor.

Foi uma fração de segundos, mas o barulho da minha cabeça batendo no vidro parecia o de um sino de igreja por causa do silêncio que fazia naquele momento.

O ajudante olhou em minha direção e vi seus olhos amarelos se fechando e abrindo de lado como se fosse um lagarto e ele abriu aquela boca enorme em minha direção fazendo um barulho que me paralisou de medo.

Quando pensei em correr ele já estava abrindo a porta da casa e me pegando pelo colarinho. Tentei gritar, mas minha voz não saia. Ele me levantou até sua altura e falou algo com aquela voz estranha que eu não conseguia entender. Ele percebeu que eu não estava entendendo nada e disse com a voz humana:

- Você viu demais garoto, agora precisa morrer. – Eu congelei dos pés a cabeça e sabia que havia chegado minha hora.

Ele começou a abrir a boca para me morder, quando de repente ele me soltou e começou a urrar de dor.

Eu cai e ele se virou de costas para mim. Ele estava com uma tesoura de poda cravada nas costas e colocava as mãos para trás tentando tira-la de lá.

Ouvi a voz do senhor Nelson me dizendo para correr, porém eu não conseguia me mexer.

Arthur gritava de dor enquanto falava naquela língua estranha com o senhor Nelson.

Havia um rastelo perto do caseiro e ele o pegou e atacou o ajudante que ergueu as mãos para se defender do golpe e pude ver que seus dedos agora se pareciam com garras. Eles começaram a lutar e o senhor Nelson foi acertado na barriga com aquelas garras. Quatro cortes profundos fizeram o sangue escorrer por sua roupa, mas mesmo assim ele acertou o ajudante no rosto fazendo com que a pele pendurada mostrasse sua verdadeira face. Um rosto parecido com o de um lagarto. Parecia uma casca esverdeada de olhos amarelos com preto. Ele acertou o senhor Nelson mais uma vez fazendo com que ele rodasse e caísse no chão com um baque seco. Esperei que ele se levantasse, mas o pobre senhor ficou deitado com a respiração fraca. Fazendo o ajudante urrar em comemoração.

Arthur se virou e começou a andar em minha direção falando na língua dele e quando achei que morreria, ouvi uma outra voz falando a mesma língua, porém era uma voz mais humana.

O ajudante levantou os olhos para ver quem falava com ele e ficou espantado ao ver quem era. Eu olhei para trás e vi também para o meu espanto, ali parado na porta dos fundos da minha casa, meu pai. Ele segurava uma arma. O ajudante começou a andar devagar em minha direção e meu pai percebendo o que ele iria fazer se adiantou, quando Arthur pulou em minha direção meu pai disparou.

Eu esperava um barulho ensurdecedor, mas a arma não fez barulho e o ajudante caiu ao meu lado lutando para conseguir respirar até que ele ficou imóvel.

Meu pai correu até mim e me abraçou. Eu estava tremendo e só conseguia abraça-lo com força.

- Venha filho, vamos chamar uma ambulância para o senhor Nelson. Ele esta bem ferido, mas acho que vai sobreviver.

Meu pai cuidou para que o caseiro fosse atendido no melhor hospital da capital e também cuidou para que ninguém encontrasse o corpo de Arthur, que foi levado por alguns homens que trabalhavam para o meu pai.

Alguns dias depois, meu pai veio conversar comigo sobre o que havia acontecido.

Primeiro ele me repreendeu por não ter falado de minhas suspeitas para ele. Então ele começou a me explicar que eu ainda não tinha idade para entender tudo que havia acontecido naqueles dias e que um dia eu iria entender tudo, já que eu seria seu sucessor.

- Por enquanto eu só posso dizer que aquela criatura que se chamava Arthur queria muito entrar em nossa casa e para isso havia matado aquele outro ajudante que havíamos contratado. Ele também havia envenenado nosso senhor Nelson para que ele não dificultasse também as coisas para ele. Aquele Arthur estava procurando arquivos que eu tenho no escritório sobre a raça dele e também queria mais informações sobre o que eu faço e para quem eu trabalho. Mas ele não contava com duas coisas: A primeira é que eu tenho um filho muito curioso. A segunda: era que o senhor Nelson resistiria ao veneno dele e chegaria aqui a tempo de te salvar.

- Naquele dia eu estava no trabalho quando vi no noticiário logo pela manhã que aquele ajudante que havíamos contratado o Antônio, havia sido encontrado morto em uma área deserta da cidade. Fui ao necrotério e vi que a causa da morte era dilaceração dos membros causada por mordidas de algum animal com características reptilianas como um crocodilo ou um lagarto. Eu sei que nessa região não existem crocodilos, mas o que quase ninguém por aqui sabe é que existem lagartos tão grandes quanto seres humanos e que poderiam facilmente fazer aquilo. Eu iria chegar tarde demais aquele dia se o senhor Nelson não tivesse percebido que havia algo de errado com aquele ajudante que se chamava Arthur e não tivesse saído do hospital sem avisar ninguém para chegar em casa a tempo de te salvar.

Fiquei um bom tempo tendo pesadelos com aquelas cenas e com o nome Arthur, mas hoje em dia eu sei de muitas outras coisas que existem no mundo e que poucas pessoas fazem ideia da existência. Hoje tenho 27 anos e trabalho com meu pai no departamento de relações exteriores registrando aparições de seres estranhos, fazendo contato com esses seres que vivem entre nós e protegendo as pessoas que sem querer entram em contato com esse mundo.

Igor Martins
Enviado por Igor Martins em 03/12/2012
Código do texto: T4017450
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