O Propósito dos Magos

Meu professor sempre diz que todos os magos têm o seu propósito para a história da magia. Ele é um grande mago, um artista. Ele sabe o propósito dele… pelo menos um de nós sabe. Tiramos nosso poder do conhecimento, por isso tenho que me manter estudando, para ficar mais forte.

Um jato de água molha a lateral do meu rosto e caio da pedra que estava sentada, as minhas mãos espalmadas na grama que já imagino ter grudado no meu vestido e nos meus cachos vermelhos. Levanto batendo meu corpete e saia verdes, agacho para pegar o livro que estava lendo e ouço risadas do lago do meu lado… Viviane. Ela comemora:

— Foi melhor do que eu imaginei que seria!

Eu me viro para responder e vejo Morgana correndo na minha direção, ela joga o cabelo preto molhado para trás, o desgrudando de sua pele parda, ela agacha para pegar a toalha e enxugar as mãos. Tomando o livro das minhas mãos, ela diz para Viviane:

— Viviane! Ela estava com o grimório!

— Ah, se molhasse era só usar um encantamento para secar — Ela responde, suspendendo as pernas para boiar —, simples como fazemos em Avalon.

— Você não está em Avalon, já está na hora de ter um pouco de responsabilidade!

— Ah, mas é claro, Vossa Alteza!

Tomo o grimório de Morgana, que aproveita as mãos livres para torcer a barra da roupa de banho. Eu digo para ela:

— Você também poderia pegar mais leve, princesa do sermão.

— E você poderia nadar um pouco, duquesa dos livros — ela me responde.

— É isso mesmo! Será que estudar é a única coisa que você sabe fazer? — Viviane me questiona.

Ela para de boiar, fica de pé na água e até que não é tão fundo. Ela põe os braços brancos em posição de defesa na frente do tronco, o sorriso e os olhos verdes maliciosos no rosto inclinado. Ela propõe:

— Vamos ver qual de vocês consegue me fazer mergulhar a cabeça, quem conseguir eu deixo ser a nova dama do lago… mas só por uma semana!

Um barulho de galhos sendo quebrados surgem da mata fechada um tanto próximo de nós, nos fazendo virar ao mesmo tempo. Talvez seja um bicho… o barulho se repete, são passos. Ponho o grimório ao lado da pedra que estava sentada e tomo a frente de Morgana, que pega sua toalha para se cobrir, Viviane põe as mãos nas costas e mergulha até o pescoço. Uma mão com anéis segura o tronco de uma árvore saindo da mata e uma voz feminina pergunta:

— Garotas?

Reconhecemos a voz e ficamos aliviadas quando Guinevere sai da sombra da árvore, também aliviada em nos ver. Até Viviane sai do lago e reverenciamos a rainha. Ela diz:

— Vim contar que o vosso rei está recebendo um representante.

— Representante? — Morgana pergunta — De que reino?

— Ele é de Alfheim — Guinevere responde —, talvez seja interessante.

*****

Ando com pressa pelos corredores do castelo até achar o pajem Glauco saindo dos aposentos do meu professor, eu corro em sua direção e ele para de andar, com uma sobrancelha levantada e a cabeça inclinada para o lado. Estendo os braços para segurá-lo e virá-lo na direção da porta que ele saiu. Eu pergunto:

— Acordou ele?

— Não, você mandou não fazer isso. Só fiz deixar o desjejum… não que ele esteja comendo.

Realmente, ele está tão peturbado com seus pesadelos que não come ou dorme direito há semanas, mas ainda assim insiste que Viviane, Morgana e eu não contemos para o rei.

Paramos na frente dos aposentos dele, abro as portas e mal consigo ver direito. Entro e vou até onde eu sei que as cortinas ficam, quando as abro, até os meus olhos ardem, mas já não sei se por causa da luz do sol ou por causa da poeira e cheiro daqui. Quanto tempo esse quarto está fechado? Me viro para a direção da cama e o grito:

— Merlin!

Ele resmunga e cobre a cabeça com a coberta. Me viro para as janelas e as abro, os pássaros cantam do lado de fora. Me afasto das janelas, ergo uma mão e a balanço dizendo:

— Fôlego sufocado, aqui dentro você foi chamado, sacuda o que eu vir pela frente...

Merlin joga a coberta para cima e levanta devagar, interrompendo o meu feitiço — que na verdade, eu nem iria completar. Glauco pega um gibão para que Merlin possa vestir. Eu digo:

— Esse não, o amarelo. É uma ocasião mais formal.

Merlin fica de pé, o cabelo cacheado curto cortado nas laterais amassado e o cavanhaque sem cuidar, avulso, a pele branca empalidecida. Ele pergunta:

— O que está acontecendo, Beatrice? Desde quando você…

— Desculpe professor, mas o rei Arthur quer a sua presença na sala do trono — respondo —, a rainha Guinevere me disse que o representante de Alfheim quer muito te ver…

Ele respira fundo massageando as têmporas… isso com certeza vai pesar na quantidade de luas para eu me tornar mestre, ele pode ser rancoroso quando quer. Merlin vai para o provador e pega o gibão que Glauco segurava. Ele me responde:

— Diga que estou indisposto, ainda tenho que arranjar alguma forma de quebrar a profecia.

— Já não acha que você prever o futuro foi uma grande façanha? Acha mesmo que consegue alterá-lo?

— Eu sou um mestre da magia, Beatrice. O que eu não posso fazer?

— Tomar banho, pelo visto… — resmunga o pajem pegando.

Vou até a mesa, onde está o desjejum. Pães, vinho, maçã em fatias, tomate em rodelas e ovos. Ao redor da bandeja, líbergrans e pergaminhos. O que você está aprontando, Merlin? Pego um dos papéis e tento ler, mas não reconheço o alfabeto. Pergunto:

— Esse texto, o que é?

— É o estudo de um antigo mestre mago, um conhecido da província chinesa. Fala sobre uma prática espiritual, poder se fragmentar e acompanhar os seus descendentes ao longo de quantas gerações quiser…

— Deus… não está planejando fazer algo assim, está? Nem você é tão poderoso.

— Não… eu não…

Merlin se aproxima, borrifando perfume por todo o gibão. Ele toma o pergaminho das minhas mãos, o enrola e senta para comer o desjejum. Ele me questiona:

— O que você queria mesmo?

— Representante de Alfheim, sala do trono.

— Ah, sim… é uma pena que acordei febril.

— Um tal de Galdor está ansioso para te ver…

— O príncipe mais novo de Alfheim? Aqui?

Olhos dele se arregalam, depois diminuem com as sobrancelhas franzidas, olhando para o chão. Ele olha para mim e a expressão fica séria, ele estende a taça e Glauco serve o vinho. Merlin enfim diz:

— Se você não viu, Beatrice, estou ocupado tentando impedir o fim do mundo.

— Percebe-se.

Vou em direção às portas abertas, nada consegue dar vontade a Merlin de socializar se ele não quiser, talvez eu tenha que dizer… o que ele disse? Que está indisposto?

— Ah, e lembre-se de devolver o meu grimório. Eu ficaria muito desgostoso se a fada da água conseguisse molhá-lo.

Não tenho muito o que fazer a não ser revirar os olhos e seguir a diante.

*****

Chegando na frente da sala do trono, Merlin correu para me alcançar, gritando o meu nome pelo corredor. Deus.. ele deve estar maluco! Ele para na minha frente e diz:

— Mais uma coisa, nada de comentar sobre a profecia do final dos tempos.

— Merlin, mesmo se eu dissesse, não afeta as nossas vidas. Isso vai acontecer daqui a séculos!

— Pode não afetar a vida de todos os outros, mas afeta a minha. Se você não percebeu, esse é o meu propósito como mago, minha missão. Eu vi o estrago que a categoria esquecida da magia e o Arcanismo podem fazer juntas, vi as forças que vão se levantar…

Os portões da sala do trono se abrem e somos anunciados, o que força Merlin a ajeitar a postura. O rei Arthur está sentado no trono, a rainha Guinevere do seu lado direito e Morg… princesa Morgana do lado esquerdo. Abaixo, o príncipe Galdor, sir Mordred, lady Viviane, sir Lancelot e Lady Nimuê — mãe de Viviane e fada madrinha de Lancelot. O rei se levanta ao nos ver e diz:

— Aí estão eles, lady Beatrice, duquesa do castelo de Alenourious e o mago mestre Merlin de Kappar Ena.

— Merlin! Até que enfim nos reencontramos — diz o príncipe elfo.

— Galdor! — responde Merlin — É como eu disse, o elfo e o mago sempre se reencontram.

— Estávamos destinados!

Eles abrem os braços andando um até o outro e se abraçam. Quando se afastam, Morgana pergunta:

— Como se conheceram?

— Ah, ele tentou me matar com o arco e flecha— Merlin responde e Galdor cora.

— Em minha defesa você disse que eu parecia com um coelho-chifre-de-cervo.

Eles gargalham, fica difícil para todos nós não rimos juntos. Galdor então lembra da formalidade e diz:

— Fico feliz por estar bem e aqui em Camelot, longe daqueles… inquisidores e outros humanos fanáticos que matam uns aos outros com medo de algo tão natural quanto magia.

— Sim, Vossa Alteza — lady Nimuê concorda —, nem todos os reinos são como Camelot, por isso a magia tem se distanciado cada vez mais da humanidade…

— Sinceramente — Mordred interrompe Nimuê —, não qual a probabilidade de sermos os únicos certos e todos os países da Europa estarem errados? Não me entendam mal, mas assim como os elfos, os humanos não lançam feitiços ou dominam os elementos, temos que nos defender com as armas que temos…

— As armas que eles têm são a perseguição, preconceito e medo, sir Mordred. — Responde sir Lancelot — A nossa arma é a nossa proteção aos elfos e fadas, sereianos e bruxos como membros da Távola Redonda!

Viviane se envolve no braço que Lancelot descansa sobre o cabo da espada, Mordred assente lentamente em concordância, abaixando a cabeça. Para quebrar o clima, mudo de assunto rápido dizendo:

— Falando em Távola Redonda, as terras ao nosso redor, de Avalon até chegar às fronteiras com a Inglaterra estão livres de vampiros graças aos nossos cavaleiros…

— Sim — concorda Arthur—, creio que conseguimos expurgar o Vampirismo antes que corrompesse mais pessoas em sedentos por sangue.

— Falando nisso, é sobre um assunto como esse sobre o qual eu gostaria de deliberar — diz Galdor —, há alguns meses um clã de saqueadores acampou nas fronteiras de Alfheim. O comércio está frágil, já que está difícil entrar ou sair da cidade. sem contar que estão derrubando nossas árvores, como se isso não perturbasse o equilíbrio da nossa fauna e flora.

— Derrubando as suas árvores? — Arthur começa a deduzir — Devem estar atrás de Hepítca, por causa da lenda da imortalidade que a espécie possui.

— Sim, e é uma espécie rara, muito importante para o meu povo. Por isso plantamos dentro de Alfheim, por causa de situações como essa. Poderíamos afugentá-los, mas estão em maior número, com grandes lobos treinados.

— Podemos montar uma ofensiva, nossos soldados e os seus, juntos a Távola Redonda.

— Agradeço, Majestade — Galdor responde — agradeço imensamente.

*****

De madrugada, continuo acordada estudando, lendo um dos pergaminhos que estavam na mesa de Merlin. Já que ele sabe que eu pego os grimórios, ele devia ter mais cuidado com os outros pertences.

Pena que eu ainda não saiba um feitiço de tradução… Não que eu queira usar esse feitiço! Me parece algo tão drástico. Por que Merlin acha que teria que acompanhar os descendentes? Ele acha que assim consegue quebrar a profecia?

Ouço batidas na porta, cinco de uma só vez. Levanto e ponho o roupão por cima da camisola, escondo o pergaminho caso seja Merlin atrás dele. Então uma voz diz:

— Beatrice, eu estou quase derrubando a porta e você vai continuar fingindo que está dormindo? — era Morgana — Pelo menos apague as velas, assim convence mais.

Abro a porta, Morgana também está com roupa de dormir. Ela segura o meu braço e me atira para fora do meu quarto… carinhosa essa minha amiga… Ela diz:

— Vamos logo! Merlin descobriu uma forma de quebrar a profecia da destruição do mundo!

Ela corre para a escuridão dos corredores, e eu corro atrás dela. Sigo o som das pegadas e tiro da parede uma tocha para iluminar as escadas que eu sei que verei pela frente.

Alcanço ela no topo da escadaria, atravessamos o corredor curvado até o escritório de Merlin. Está mais bagunçado do que de costume, o que significa que está mais arrumado que o quarto dele. Até porque eu, Morgana e Viviane estudamos nesta sala.

Livros, grimórios e líbergrâns — que costumam ficar nas estantes junto as bolas de cristal e varinhas mágicas reservas — estão no chão. Parece que a única coisa no lugar é grande quadro ocupando a parede comigo, as meninas e nosso professor, que fica ainda mais sombrio à noite com as luzes das velas. Viviane e Merlin nos esperavam, ela está de braços cruzados, encostada na parede olhando para o céu estrelado pela grande janela oval, ele está virado para a estante de mapas. Ele se aproxima e diz:

— A minha profecia tem me atormentado nas últimas semanas…

— Nós sabemos! — respondemos eu e Morgana ao mesmo tempo.

— Sim, nós sabemos… — diz Viviane, ela senta na cedeira de Merlin e apoia os braços na mesa para descansar a cabeça — mas nós sabemos de quê exatamente?

Merlin respira fundo passando a mão no rosto. Ele diz:

— A Sempro Feiticeira, uma bruxa poderosa que usará Magia Arcana e a engenharia avançada do povo do mar para dominar o mundo, como uma deusa das sombras.

— Meu irmão não pode simplesmente pegar a Excalibur e matar essa Sempro Feiticeira? — pergunta Morgana.

— Ah, não vai dar — respondo —, Merlin disse que isso é daqui uns seis séculos.

— Ah, sim — Ele responde como se lembrasse de algo —, sem contar que conversei com o rei que o poder da espada deve ser guardado para uma ameaça maior…

— Por que não nos contou isso? — questiono, sinto as minhas sobrancelhas pesarem para baixo junto a minha testa.

— É! E o que pode ser pior do que uma bruxa semideusa da escuridão? — Morgana questiona.

— Não sei se você percebeu, Merlin — diz Viviane, ela levanta da cadeira —, mas estamos nos cansando de informações cortadas.

Ele cruza os braços, os olhos vermelhos de insônia mirados no chão. Ele diz:

— Em alguns séculos surgirá a Sempro Feiticeira, uma tirana que tomará os reinos do mar e da terra. Eu achava que prever sua existência era a minha missão como mago, mas eu agora eu sei que a minha missão era formar um plano para detê-la. Preciso de vocês agora.

Morgana e Viviane se viram para sair, mas quando chegam até a porta elas percebem que não as acompanhei. Elas e Merlin olham para mim. Eu digo:

— O nosso professor é um idiota. Ele não confia na gente e guarda segredos até a hora que precisa de nós, mas eu sei o que é estar atrás de um propósito. Eu não nasci bruxa ou fada como vocês, mas eu tenho potencial para magia e também sinto que preciso mostrar que não foi uma aleatoriedade, que eu tenho um propósito.

Elas se olham. Viviane assente para Morgana que respira fundo com as mãos na cintura. Elas voltam e estendem as mãos para alcançar as minhas. Morgana pergunta:

— Já que você precisa de nós, Merlin. Essa é a oportunidade perfeita para a Beatrice desempenhar o seu propósito, não acha?

— Eu acho que temos trabalho a fazer.

Merlin pega um mapa e abre em cima da mesa, o caminho de Camelot até Alfheim por uma floresta fechada que esconde o reino. Ele pega uma pena, mergulha em um frasco de tinta e circula a fronteira da cidade élfica. Ele explica:

— A desvantagem de uma profecia é que nós a cumprimos enquanto tentamos detê-la, mas a vantagem é que o futuro não é concreto. Podemos formar uma nêmesis para a Sempro Feiticeira.

Viviane se aproxima da mesa e analisa o mapa, o cenho franzido e ainda segurando a minha mão. Ela pergunta:

— Por que circulou isso?

— Porque se vamos forjar o oposto de uma tirana mágica, vamos precisar de um povo mágico para erguer uma salvadora. — Ele responde — É assim que funciona.

— Quer fazer com que os elfos sejam esse povo? — pergunto — Como?

— Tudo que precisamos é de uma maldição… — Merlin responde.

Morgana puxa o ar com força e tapa a boca pelo som de grito contido, meu instinto me faz dar dois passos para trás, mas decido ir para o outro lado da mesa, ficando de frente para ele.

Viviane o empurra, ela não coloca força, mas ele se desequilibra. Ele está cansado, não deve estar falando sério… Ela questiona:

— Quer amaldiçoar um povo inteiro por algo que pode acontecer daqui a séculos?

— Não precisamos amaldiçoar eles — ele responde —, mas o clã de saqueadores nas suas terras.

Analiso a sua expressão, os olhos arregalados e perdidos, tem mais alguma coisa que ele está escondendo, como barril de cerveja querendo estourar de tão cheio. Eu pergunto:

— Você teve outra profecia, Merlin? Sobre essa solução contra a Sempro Feiticeira?

— Sim.

— E por que precisa de nós?

— Porque ela virá da sua linhagem… o destino delas é travar um duelo mortal. A última dos magos. Os elfos a chamarão de Sorriso de Ouro.

Ouço a porta ranger, nos viramos com o susto e vejo sir Mordred em seu gibão escuro, ele entra devagar e olha Merlin de cima a baixo. Ele diz:

— Pelo visto vocês não tem escolha…

— Eu não me meto nos assuntos da Távola Redonda sem ser convidado, Mordred — diz Merlin —, sugiro que faça os mesmo com os meus.

— Não se preocupe, Merlin. Todos nesse castelo tem segredos… como você mesmo disse não fui convidado, então nunca estive aqui.

Mordred faz uma reverência, o deboche desenhado no sorriso de canto. Ele se vira e abre a porta sem fazer o barulho que fez ao entrar, então saiu deixando a porta aberta.

*****

Um acampamento está montado no meio da floresta noturna, sons de música desafinada e gargalhadas altas vêm de lá. Ando na direção deles, iluminando o caminho com um candeeiro, com um capuz cobrindo o meu rosto.

Eles me veem quando chego perto das tendas, não pegam suas armas ou tentam me parar, apenas deixam que eu chegue perto da fogueira. Eu retiro meu capuz e digo:

— Eu sou Beatrice, duquesa do castelo Alenourious e eu venho em nome dos elfos de Alfheim. Vocês violaram essas terras e isso é inaceitável! Quem é o líder de vocês

Um dos homens aparece das sombras, com três cicatrizes indo da testa ao nariz como as garras de um, os cabelos emaranhados e a barba trançada. Ele ri e diz:

— Eu sou Lugh, o líder. Estamos violando essas terras? — ele se aproxima — O que vai fazer, duquesa? Vai nos julgar?

— Eu vim trazer a punição. E que os elfos me perdoem por isso.

Estendo o candeeiro enquanto sussurro no antigo nórdico o que eu vou recitar em voz alta em seguida. O vento sopra e apaga as chamas da fogueira, mas não a vela do meu candeeiro. Ouço Lugh dizer:

— Demônio! Ela é uma bruxa! Ela é um deles!

Ouço os sons de passos pesados, das cordas de arcos sendo esticados e espadas sendo desembainhadas. Os galhos sendo arrancados das árvores, o relinchar assustados dos cavalos e o incessante latir dos seus cachorros. Eu conjuro:

— Eu costuro na Terra com a linha emprestada pelo carretel lunar, desenho as cicatrizes de Fenrir na pele do homem e amaldiçoo o maldito a ser servo da Vontade Escarlate escondida na face da Lua Cheia!

Quando eu falo pela primeira vez, vejo luzes esverdeadas surgindo do peito dos homens ao meu redor, me possibilitando vê-los. Eles não conseguem se mover. Repito a maldição e as luzes saem de seus corpos, os agonizando enquanto elas flutuam para a vela do meu candeeiro. Na terceira vez, eles caem no chão, se contorcendo. Iniciando a mutação.

Consigo sentir todo esse poder percorrendo pelas minhas veias e deixando o meu corpo aquecido. Levanto o meu rosto com os olhos fechados, deixando essa energia me tomar. Quando abro os olhos eu vejo a lua cheia, parece que ela está olhando para mim… tenho certeza de que está.

Eu estou sentindo esse calor como um Sol na Terra, por isso ela está me olhando, por isso está dessa cor. Me refletindo, enquanto os homens que procuravam ferir a terra dos elfos se contorcem aos meus pés urrando de dor.

Minha risada escapa. Então isto é magia? Todo esse poder, a história sendo alterada nas minhas mãos em prol de uma profecia. Um poder que sinto me corromper e eu deixo. Magia Estranha, se você não tem poder para controlar, pode ser destruído tentando. Continuo fitando o céu estrelado e penso: que Freya me perdoe, mas tem sangue na Lua esta noite.

*****

Acordo assustada, quase caio da cadeira… cadeira de Merlin?! Olho para cima e vejo o grande quadro da parede do escritório. Vejo Viviane correr até mim, ela me segura firme nos braços e me senta na cadeira. Ela diz:

— Está tudo bem, Beatrice — ela tira o meu cabelo do meu rosto, o pondo atrás das minhas orelhas.

— Os saqueadores, eles estavam… estavam…

— Isso foi ontem à noite, está tudo bem agora.

Respiro fundo e ponho as mãos no rosto, tentando fazer a minha vista parar de tremer. Viviane faz movimentos circulares com uma mão nas minhas costas e a outra apoiada no meu ombro, quando ela se afasta eu me levanto.

Vou devagar até a grande janela oval, dando vista ao jardim da rainha. Merlin está lá embaixo conversando com o príncipe Galdor… ou discutindo. Viviane vem até mim com uma xícara de chá, eu pego e juntas assistimos como o príncipe elfo grita. Tento ler os lábios dele, mas está muito longe. Porém, é mais que visível os gestos que ele faz. Viviane diz:

— Quem diria… pelo visto esse príncipe não é santo…

— Merlin disse que ele tentou matá-lo uma vez, agora ele tem a motivação perfeita — respondo.

Viramos quando ouvimos a porta abrir e fechar. Morgana entra exausta, ela tira a tiara da cabeça e isso assanha um pouco o seu cabelo. Ela se aproxima de nós e olhamos para eles dois. Ela pergunta:

— Onde está o Candeeiro Encantado?

— Merlin pediu que eu pusesse onde ele não saiba onde está — Viviane responde —, por isso entreguei a alguns conhecidos do mar. Ele fez um mapa que pudesse acompanhar o Candeeiro Encantado, mas me garantiu que não o olharia.

— Por que ele pediu para você esconder o candeeiro? — pergunto — É a profecia dele no final das contas.

Vemos ele entregar um pergaminho para Galdor e pela forma que o príncipe a abre, só pode ser o mapa. Morgana cruza os braços e inclina a cabeça, ela coça o queixo em seguida, inquieta por não estar ouvindo a conversa. Ela me responde:

— Acho que ele tem medo de se arrepender pelo que fez ao povo do Galdor. Estive conversando com meu irmão, impedi que Merlin fosse acusado de Alta Traição contra a coroa de Alfheim e a Távola Redonda.

Viviane puxa o ar, boquiaberta. Ela diz:

— Ele pode fazer isso? Pelo menos eles podem se acer…

O príncipe dá um soco no rosto de Merlin, que cai no chão. Galdor apenas dá as costas e se afasta. Viviane completa o que dizia:

— É, deixa para lá. Isso aí já era.

Eu beberico o chá e me viro para o nosso quadro. Somos imponentes, uma equipe. Talvez Merlin tenha visto na minha descendência uma salvação porque eu sou mais poderosa que ele, fui eu quem lançou a maldição… talvez não haja escolha, só acreditar nas profecias dele. Então eu respondo:

— Não se preocupem com eles, meninas. Ouviram o que Merlin disse na sala do trono ontem, o príncipe elfo e o mestre mago sempre se encontram.