Crepúsculo e Alvorada

Alto era o som da ondas do mar azul, chocando-se contra as pedras negras da encosta. Num ritmo constante, levantava o cheiro de sal e sol do oceano. Ali, a maré não se alterava, seguia o fluxo constante de uma inexplicável força do horizonte e assim, a água fria nunca recobria as rochas, garantindo o eterno ponto de encontro das irmãs.

Vida se aproximava devagar. Tinha as dobras do manto pesadas, devido as almas que carregava consigo. O véu lhe cobria o rosto e estendia-se até o chão, arrastando a ponta branca atrás de si, como a cauda de um vestido de noiva.

Morte já estava a sua espera, trajando a típica vestimenta negra e rendada, que cobria todas as partes do seu corpo e a transformava num caminhante pedaço de noite.

Eram tão diferentes, tão opostas… Ficava difícil acreditar que eram irmãs. Enquanto Vida gostava da luz e de começos, Morte apreciava o escuro e a beleza dos finais. Enquanto Vida sentia-se bem ao ouvir o canto dos pássaros, os choros dos nascimentos, Morte se encontrava nos silêncios absolutos, nos olhos sem brilho e nas lágrimas que caiam caladas. Mas apesar das diferenças, as duas se amavam.

Se encontravam apenas uma vez, num intervalo equivalente a existência de um homem. Quando Vida ficou de frente para Morte, as duas se abraçaram, num gesto cheio de afeto. Por um momento, branco e preto se misturou; assim como o bom e o mal; o começo e o fim; a alegria e a saudade; o amor e a tristeza; o velho e o novo; o destemido e o covarde; o rico e o pobre; a esperança e a dor; o sorriso e a lágrima. Tudo e todos foram um até que as irmãs se afastassem.

As duas não conversaram muito, não haviam muitas palavras para trocar. Mas haviam presentes.

“Trouxe isto para você, queria irmã.” Disse Vida, remexendo nas dobras do manto e retirando de lá três vidrinhos, fechados com rolhas de madeira.

“ Este foi uma mãe.” Continuou ela. “ Era dedicada e prestativa. Pobre, sofrida, mas cheia de amor. Os filho, por outro lado, se odeiam e vivem brigando, mesmo adultos.”

Vida estendeu o vidrinho e Morte o recolheu carinhosamente, aconchegando-o entre as suas vestes, em local aquecido, para que pudesse descansar da longa viagem.

“Este foi um líder.” falou Vida, estendendo o segundo vidro. “Grande artista e pensador. Sua mensagem em busca do bem foi aceita por vários, mas nunca alcançou o seu objetivo.”

Morte o guardou com o mesmo apreço que o anterior.

“E este último, foi de um corpo doente. Passou o seu tempo em dor e agonia. Sem querer, quebrou o coração dos pais, que hoje sofrem na sua ausência.”

Quando Vida terminou, Morte fez uma breve reverência, agradecida.

“Fico honrada com a sua cortesia, doce irmã, e gostaria de retribuir.” Disse a que vestia o negro, estendendo a outra três novos vidrinhos. Diferentes dos que Vida entregara, aqueles pareciam estar cheios de areia, sal e cascalho.

“Em troca da mãe, darei-lhe União. Leve-a até os filhos e assim, apoiando-se um no outro, encontraram conforto para a sua perda.”

“Em troca do líder, darei-lhe Inspiração. Leve-a ate seus seguidores e eles irão ver o falecido como o herói que é. Dessa forma, tratarão de seguir com a causa, alcançando o objetivo e fazendo do mundo um lugar melhor.”

“E em troca do doente, lhe darei Empenho. Leve-o até os parentes abalados e eles poderão utilizá-lo para cuidar de outros enfermos. Com a experiência que já possuem, irão encontrar a paz em meio a atos de altruísmo.”

Vida pegou os vidrinhos e os guardou junto a si. Agradeceu a irmã pelos presentes, de todo o coração. Depois, foram embora sem dizer adeus.

Despedidas não seriam necessárias. Se encontrariam novamente em breve para trocar presentes, fechar ciclos e iniciar outros novos.