Elmo & Coroa

Em meio à escuridão da madrugada, chove forte e relampeja. Uma cabana velha no meio de árvores altas que sacodem com as fortes ventanias, caminha para a entrada um Cavaleiro, com longa capa preta tremulando ao vento, à meia luz de uma tocha adentro. De elmo robusto e fosco até o pescoço, segura uma espada longa e ensanguentada. A ponta da lâmina ao chão escorre o sangue em lamaceiro. Ele arrasta sua espada em passos lentos e se direciona ao meio da cabana. À sua frente um homem com seus braços esticados na horizontal, acorrentado ao pulso dos dois lados em troncos de árvores de pé, fixos ao chão. Suas vestes cinzentas e imundas, com rasgos enormes ao peito, vertem sangue. Não se sabe o que é lama ou sangue ao chão. De rosto pálido e sujo, em sua cabeça uma coroa brilha mesmo com a escassez da luz da tocha velha.

Frente a frente, Homem e Cavaleiro. Um olhar nu e outro de ferro se cruzam por um instante. Com o peso do corpo, o Homem se estica para frente entre as correntes, abaixa a cabeça e murmura balançando-a para cima e para baixo, em olhar fixo ao elmo fosco. A ponta da espada do Cavaleiro toca na corrente que o prende. O Homem, com seus pés descalços na poça de lama, cai com os joelhos no chão. Levanta a cabeça para cima com os olhos fixos no teto escuro.

O Cavaleiro dá dois passos para trás levantando sua espada em direção à corrente, leva o aço à sua frente, segurando com as duas mãos, num movimento ágil, passa a espada ao arredor das costas erguendo para cima. A lâmina ainda escorrendo sangue cresce cinco metros no giro, rasgando e estilhaçando o teto da cabana e parte de sua estrutura.

A espada muito comprida desce em direção ao semblante imundo do Homem, cortando ao meio sua coroa brilhante, cabeça e corpo inteiro. As partes se dividem ao meio caindo para os lados. O impacto dos membros levanta a água da poça barrenta. A gigante lâmina finca na terra e se estende no chão e sua ponta para fora do abrigo cortado. As correntes ainda seguram os braços através de seus pulsos ensanguentados. Gotas vermelhas do corpo descem pelo elmo robusto e fosco. A chuva forte cai pelo teto aberto pela espada, os inúmeros pingos aumentam a poça avermelhada que parece acolher o corpo. A lâmina devagar volta a seu tamanho normal, como se desejasse a cabana de sangue. O Cavaleiro de capa preta limpa a espada imponente em seu braço e se retira. Na mesma entrada escura ele passa e caminha pela noite nas luzes dos relâmpagos azuis.

Helias Sevla
Enviado por Helias Sevla em 12/08/2017
Reeditado em 14/08/2017
Código do texto: T6081625
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