Histórias #1 – O encontro no fim do universo

Há muito tempo atrás, nos confins do universo existia um pequeno planeta, o planetinha era uma verdadeira joia na existência, a natureza era abundante e a vida jorrava de todos os lugares, havia vida suficiente ali para preencher um milhão de planetas e o ar, nossa, era o ar mais puro que se pode imaginar, a água, mesmo aquelas perdidas em poças a beira da estrada eram de uma limpidez extraordinária, não há palavras para descrever a beleza daquele lugar mágico intocado por milhões de anos e vagando sozinho no cosmo, foi ali, no pequeno planetinha esquecido no confins do universo que cinco grandes entidades resolveram conversar e é no solo desse lugar protegido por elas que está o pacto que os grandes seres firmaram pois, a muito tempo atrás, Morte, Vida, Caos, Ordem e Tempo resolveram conversar.

Era um dia comum naquele lugar, nada de especial ou fabuloso, os animais andavam, a água jorrava e o vento soprava, mais um dia comum no paraíso, havia ali uma lagoa e nela nadavam peixes tão dourados que se podia dizer que eram feitos de ouro, a lagoa ficava no meio de uma clareira cercada, de um lado, por árvores do mais belo e esplendoroso verde e do outro, por uma imensa montanha de cor azulada, a luz que chegava a clareira era filtrada pelas árvores e dava um aspecto quase místico ao lugar, diferente do que ocorre em muitos lugares no cosmo aquele lugar não era único, havia muitos lugares tão mágicos quanto aquele e na verdade até mais bonitos, entretanto, o que torna esse lugar especial para essa história era a mulher que estava sentada com pés na beira do lago observando os peixes, ela estava usando um vestido branco tão limpo que seria impossível descrevê-lo, um olhar mais aguçado diria que o vestido não era branco de fato mas feito de todas as mais vívidas cores possíveis, seus olhos eram de um verde profundo e o seu cabelo de um louro da mesma cor dos peixinhos que nadavam despretensiosamente nas transparentes águas do laguinho, a mulher olhava os peixinhos com um interesse de uma criança, sem malícia ou maldade, apenas admirada pelas suas cores brilhantes, qualquer um que a observasse diria que ela estava tão distraída e alheia a toda a existência que seria fácil surpreendê-la mas, no momento em que um galho se quebrou nas árvores atrás, o seu olhar passou instantaneamente dos peixes para a outra figura que acabava de chegar.

- Olá Vida – Cumprimentou a outra mulher – vejo que continua bela como sempre, talvez a falta de preocupações realmente seja o elixir da juventude.

A outra mulher trajava um vestido de um negro tão vasto que era quase impossível não se sentir atraído por ele, como vestido branco de Vida aquele não era negro de fato mas sim, a ausência de cor, ausência de luz, ausência de existência, ausência de tudo, um olhar mais apurado poderia dizer que talvez o vestido nem mesmo existisse mas, ainda assim, mostrava as belíssimas formas da mulher, os seios fartos e a pele branca como a neve, os cabelos igualmente negros recaiam sobre os ombros largos que vez ou outra eram soprados pelo vento diante dos belos olhos azuis, os gestos da mulher de preto eram graciosos e delicados mas o seu olhar era gélido como se o azul de seus olhos fossem nada mais que o próprio frio petrificado em duas belas e raras joias azuis.

- Bem-vinda Morte – Respondeu a mulher de branco – porque reclama de beleza se a sua só é equiparada à existência?

- Ainda continua polida como no primeiro dia que nos vimos, quantas eras faz que conversamos pela última vez? – Dizia a mulher de negro com um gesto delicado enquanto se encaminhava para uma grande pedra próxima a mulher de branco - Não me lembro e também não tem importância, mas ainda me lembro desse seu jeitinho todo simpático e educado, tão doce é a Vida não é mesmo?

Vida não respondeu, limitou-se a um pequeno aceno com a cabeça enquanto os olhos seguiam Morte que chegava ao seu lugar escolhido, as duas se encaravam, Azul contra Verde, Branco contra Preto, Vida contra Morte e assim permaneceram por algum tempo até que a Morte sentou-se em sua pedra, nesse momento, ouviu-se um som de rachadura e um assobio como se algo insanamente quente fosse esfriado repentinamente e a pedra, que antes tinha um cinza vivo, passou a um cinza pálido e opaco que mais lembrava um fóssil tirado do início da criação, a relva em torno da pedra esfarelou-se em pó, a luz assumiu uma tonalidade sombria, o chão secou e morreu, rachaduras brotavam de todo lugar próximo a pedra e até mesmo o próprio ar ali parecia morto, a mulher de branco apenas encarava sua nova companheira na clareira enquanto a destruição ia se alastrando até parar a menos de um centímetros de seus pés, Vida observou com um certo pesar o perfeito círculo de destruição de quase 3 metros que se formou em torno daquela pedra.

- Desculpe – Disse a Morte com um sorriso malicioso – é muito difícil conter um grande poder em um lugar lindo como esse.

Mal Morte terminou de falar e um grande tremor abalou a montanha atrás e do alto dela uma colossal cachoeira desceu lançando um arco-íris sobre o lago que instantaneamente dobrou de tamanho, onde antes havia somente peixinhos dourados nadando agora havia uma imensa variedades deles, peixinhos dourados, azuis, amarelos, rosas, vermelhos, havia peixes de todos os tamanho e cores além de algas, vitórias régias e musgo cobria a parede da montanha, no exato limite ao redor do círculo de destruição cresceram flores de um amarelo tão vivo que parecia que as pétalas eram feitas de pura luz, o chão foi forrado com grama verdinha e passarinhos saíram aos bandos do meio da árvore e logo havia um coro de todo tipo de canto.

- Sim – Disse Vida com uma sobrancelha levantada – sei como é difícil conter um grande poder em um lugar lindo como esse.

- Porque me chamou aqui – Disse morte em um tom amargo – a última vez que conversamos foi no início a uma infinidade de anos e desde lá nunca mais te vi, embora tenha visto suas criaçõezinhas largadas pelos cantos aqui e acolá.

- Não chamei só você Morte, chamei todos, mas como sempre, você foi a primeira a chegar.

- E você acha que os outros virão?

- Eles virão, todos me deram a sua palavra assim como você, como eu disse no convite, é um assunto muito importante e preciso da união de todos para lidar com ele.

- E que assunto tão importante é esse Vida, que precisa de todos nós juntos nesse buraco no fim da existência.

- Eu irei criar um tipo de vida – Começou a mulher de branco com um olhar meio tímido – um tipo de vida que nunca existiu antes e que terá o potencial de mudar tudo.

- Um tipo diferente de vida – Zombou a mulher de preto com uma voz imitando a da colega – porque? Esses tipinhos serelepes que você vive espalhando por aí já não são irritantes suficiente? Um tipo diferente de vida... – A mulher parou no meio da sentença e começou a rir, entre um riso e outro disse – Diga-me que vida especial é essa?

- Uma vida com consciência – Morte parou de rir instantaneamente – uma vida que sabe que é vida, uma vida que saberá quem somos, que saberá da nossa existência.

- Ficou louca Mulher? – Morte levantou-se irada da sua pedra caminhou até o limiar do seu círculo e apontou um dedo para a outra – você sabe que isso é uma coisa perigosa de se fazer, não irei compactuar com essa asneira.

- Você não precisa compactuar com a criação Morte, nem eu preciso da sua ajuda – Começou Vida em um tom calmo – por isso chamei todos aqui, se eles aceitarem você terá que se curvar à nossa vontade.

Os olhos de morte mudaram da tonalidade azul para o mesmo preto profundo de seu vestido e cabelos, a pedra em que ela estava sentada se se esfarelou em pó e o chão dentro do dentro do círculo ficou tão negro quanto um petróleo.

- Me curvar a vocês? – Sussurrou a mulher de preto num tom quase inaudível – Me curvar a vocês? Quem você pensa que eu sou sua insignificante? – Sua voz parecia vim de todos os lugares, tão alta e profunda como um trovão – Eu sou Morte! Eu sou destruição, eu sou o fim, eu sou o término de tudo que já existiu ou existirá, eu sou aquela que não pode ser detida, nem mesmo as mais poderosas coisas do universo estão salvas da minha vontade, eu já apaguei estrelas, coloquei fim em planetas e dissolvi buracos negros, galáxias inteiras encontraram o seu fim nas minhas mãos e quando eu me cansar, até o universo encontrará o seu destino junto a mim e você diz que terei que me curvar? Quem você acha que eu sou – A mulher havia desaparecido e em seu lugar havia somente uma sombra com o contorno de uma mulher e sua voz era tão alta quanto um trovão e parecia vim do próprio universo acima do céu, o vento soprava como se um furação tivesse chegado, até mesmo o próprio sol estava meio opaco – JAMAIS SE ESQUEÇA COM QUEM FALA MULHER, PORQUE EU SOU MORTE!

- Sim, você é Morte e você se curvará, quer você queira ou não – Disse a mulher de branco para a sombra que pairava dentro do círculo.

A sombra voltou a dar lugar a forma da mulher, o sol voltou ao seu brilho normal e o vento cessou tão instantaneamente quanto havia começado, a mulher de preto encarava a mulher de branco com um sorriso alegre no rosto, e foi assim, que pela primeira vez desde que haviam nascido que as duas mulheres se enfrentaram pois, mal tudo havia voltado ao normal, um imenso tremor abalou todo o planeta, o círculo se expandiu de poucos centímetros para centenas de milhares de quilômetros, Vida, atenta as mudanças de temperamento de sua colega, fez surgir uma linha verde que cruzou todo o equador do planeta, do outro lado da linha, a destruição era incomensurável, arvores murcharam a morreram, criaturas de todos os tipos viraram primeiro esqueletos e depois poeira, os oceanos evaporaram instantaneamente e deram lugar a desertos, os desertos tornaram-se tão secos que areia ficou branca, a atmosfera daquele lado do planeta sumiu, ventos poderosos sopraram a poeira daquele lado para o espaço e o próprio núcleo do planeta, antes feito de lava e calor, se transformou em uma pedra inútil e fria, cometas começaram a cair aos milhares na superfície e as explosões podiam ser ouvidas e vistas mesmo à distância, a desolação daquele lado do planeta era inimaginável.

Um meteoro do tamanho de uma pequena cidade desceu dos céus em direção a Vida que estava parada do seu lado apenas observando a destruição que se espalhava, mesmo sem atmosfera o gigante meteoro estava em chamas, mas, assim que atravessou a linha verde, se desfez em uma lufada de neve que soprava os louros cabelos da mulher de branco quase como se fosse um beijo do próprio ar de tão leve e fresco que era. Por sua vez, do lado de Vida, uma nuvem de passarinhos descia do céu em forma de flecha mirando Morte e, do mesmo modo como aconteceu com o meteoro, assim que atravessaram a linha, simplesmente deixaram de existir e assim seguiu a primeira briga entre vida e morte, cada uma do seu lado arremessando coisas na oponente, quando viram que isso não resultaria em nada, ambas se aproximaram da beirada do círculo, Morte foi mais rápida e de um tapa tão potente em Vida que o verde das florestas atrás dela esmaeceu e ela cambaleou para um lado, aproveitando o desequilíbrio e força do golpe, ela pulou, levantou sua perna e acertou Morte na cabeça com um chute insanamente forte de cima para baixo, a força do golpe fez Morte se ajoelhar sobre um joelho e por uns poucos segundos, todo o deserto daquele lado ficou úmido, as duas se levantaram quase no mesmo instante e voltaram a trocar golpes que podiam ser vistos até mesmo do espaço, se alguém estivesse observando aquele planetinha naquela hora, veria um planeta dividido em dois, verde e vivo de um lado, desértico e morto do outro e, no centro do planeta, veria um espetáculo de luzes digno da criação pois, ali, duas forças primordiais colidiam tentando descobrir quem era a mais forte, infelizmente, elas não conseguiram.

Vida e Morte reinavam supremas cada um do seu lado, poderiam ficar naquela briga por milênios se fosse necessário e, realmente teriam ficado se não tivessem sido interrompidas. No momento que a Morte corria para a Vida e Vida se preparava para uma nova onda de golpes, um círculo de luz apareceu no meio da linha verde, metade do círculo ficava de cada lado e dele uma luz branca subia desafiando ambas as entidades ancestrais, as duas pararam de imediato e ficaram observando o círculo que parecia feito de pura luz, do meio do círculo começou a emergir um homem, a primeira coisa que viram foi o seu cabelo marrom, em seguida veio os olhos, opacos como se o homem fosse cego de nascença, mas diferente da opacidade normal, os olhos do homem não pareciam ter cor, parecia que simplesmente não existiam e existiam ao mesmo tempo, a pele morena era tão nova que um toque bastaria para jurar que era a pele de um bebê e não de adulto, trajava uma túnica que cobria o corpo inteiro e vestia uma bota tão surrada que estava quase a ponto de esfarelar-se, no peito trazia um pingente de um ponteiro e em uma das mãos um cajado que nem Vida nem Morte conseguiram definir do que era feito.

- Meninas – Disse o homem com uma voz grave e arranhada – Não briguem assim, é feio receber um convidado com... – Apontou a mãos para todos os lados do planeta – com isso, isso aqui é deplorável para tão belas damas como vocês, talvez fosse aceitável nos primeiros bilhões de anos, afinal, todos éramos jovens naquela época, mas hoje em dia? Façam-me o favor, estou cansado e vim de muito longe para chegar no meio de uma picuinha entre vocês duas.

- Tempo – Disse vida com um aceno de cabeça.

- Tempo – Disse morte com um aceno de mão.

- Vida e Morte, minhas adoradas, que tal voltarmos um pouco e recomeçarmos a nosso encontro? – Os olhos do homem brilharam com uma cor que era desconhecida até mesmo para as duas mulheres.

Mal a última palavra abandonou os lábios do homem e algo extraordinário ocorreu, a linha verde no chão começou a desaparecer, o lado morto do planeta começou a revigorar-se e os meteoros que estavam cravados no chão como marcas de tiros começaram a se lançar no espaço, o deserto deu lugar aos oceanos, as nuvens, pássaros e água em ambos os lados do planeta começaram a andar para trás, o tempo estava voltando e as duas mulheres apenas olhavam impassíveis as mudanças, parecia que até o próprio espaço estava retrocedendo e em poucos segundos, o mundo estava de novo em ordem como se a briga das duas poderosas entidades nunca tivesse ocorrido, Morte voltou para o seu círculo e sentou-se na sua pedra com os braço cruzados e um olhar irritado para o novo companheiro.

- Foi a senhorita toda loira ali que começou – Apontava ela para a Vida com uma jogada de cabeça – eu só estava defendendo o meu argumento

- Eu comecei? – Disse Vida com a boca aberta em um grande Ó de espanto – Você que ficou toda irritadinha do nada e saiu por aí dando chiliques.

- Senhoras – A voz do homem dessa vez parecia mais grave que anteriormente – Pouco me importa quem começou o que, e por mim, sinceramente, você duas podem se estapear pela eternidade, eu vim aqui atendendo um convite e gostaria muito que pela minha breve estada aqui que as minhas duas adoráveis entidades preferidas em todo o universo não tentassem se auto destruir, é possível?

Ambas olharam para o homem e para o sorriso amável que havia em seu rosto, mas, o que realmente as duas observavam era o brilho sem cor nos olhos dele.

- Que seja – Disse as duas ao mesmo tempo.

- Agora que nos entendemos e fizemos as pazes, que tal nos sentarmos e esperarmos os outros tomando esse adorável néctar que trouxe especialmente para a ocasião? – Ele tirou uma garrafa feita do mesmo material desconhecido do cajado e mostrou para ambas - Aposto que os outros logo chegaram e então poderemos começar nossa reuniãozinha.

Tempo caminhou até o meio do lago, o cajado numa mão e a garrafa em outra, bateu o cajado na água com um grande “splah”, entretanto, a água que subiu não voltou a cair, ficou ali parada no ar, então, como se tragada por um ralo invisível, desceu até a altura da cintura de Tempo e se esparramou em um plano perfeito e logo em seguida se solidificou em uma tampa de mesa, como se tivesse ficado presa dentro de um vidro invisível.

- Poderiam fazer a gentileza?

Morte estalou os dedos e dois grandes pilares de névoa se elevaram da água de um dos lados da mesa e se solidificaram em duas cadeiras, Vida assobiou e duas pedras igualmente grandes se elevaram do fundo da água no lado oposto da mesa e também assumiram a forma de cadeiras, Tempo por sua vez, apenas se sentou no ar e depositou sobre a mesa de água a jarra que tinha trago, tirou de dentro da túnica 5 taças e as colocou na frente de cada uma das cadeiras, em seguida, serviu cada taça com o liquido branco e por último, serviu sua taça com uma dose do mesmo tamanho, fechou a garrafa e deu um olhar intrigado para as duas moças que observavam a cena sem se moverem de seus lugares, depois de alguns segundos olhando para elas, ambas caminharam sobre o lago e se sentaram cada um de um lado da mesa com Tempo sentado na cabeceira. As duas mulheres na mesa não falavam muito e de vez em quando trocavam olhares afiados uma com a outra e o homem por sua vez, se limitava apenas a continuar observando as duas e saborear sua bebida, assim os três permanecerem por alguns minutos até que Tempo finalmente disse:

- Chegaram.

Da floresta em frente ao lago saíram duas figuras de mãos dadas, um homem e uma mulher, Tempo não olhou para as figuras mas nem era necessária, no momento em que Ordem e Caos chegaram aquele mundo ele já havia tomado ciência da sua chegada, mas as duas mulheres ao que parece não os haviam sentido, Vida observava Ordem com uma certa admiração no olhar, ela não usava um vestido mas sim, uma roupa tão colada ao corpo que era difícil dizer se não era realmente a pele dela, a roupa – porque é isso que algo tão lindo de certo deveria ser – tinha padrões intrincados em belíssimos bordados sobre panos multicoloridos, Vida não deixou de observar que, por mais colorido que fosse a roupa, as cores estavam em perfeita harmonia e os padrões por mais complexos que fossem, não eram aleatórios e, por um segundo ou dois, parecia que até mesmo as cores obedeciam a um determinado padrão, o cabelo dela estava solto com a das outras mas não era possível encontrar nem mesmo um único fio fora do lugar, aparentemente, o cabelo até esvoaçava ao vento em perfeita sincronia para nunca perder a forma, a mulher não interessou muito a Morte, mas não se pode dizer o mesmo do homem, para Morte ele não era um homem de fato, era mais uma nuvem condensada de possibilidades que alterava de forma tão frequentemente que era como se você tentasse fixar o olhar em um objeto rodopiando dentro da água a uma grande velocidade, quando parecia que você tinha finalmente fixado o olhar, ele mudava de novo, não só para Morte mas para todos na mesa, era impossível descrever Caos, o que Ordem viu nele ninguém sabe mas, é de conhecimento geral que eles se apaixonaram desde do primeiro olhar e daí em diante nunca mais se separaram. Os convidados passaram sobre o lago e sentaram-se cada um nos dois lugares vagos na mesa e nem tocaram em suas taças, Tempo parecia ser o único interessado em beber.

- Eu sei porque nos chamou aqui Vida – Começou Ordem – e não posso dizer que concordo com a razão, contudo, depois de assistir a briguinha lamentável de vocês duas – nessa hora ela olhou para a Morte com um olhar reprovador – penso que talvez haja algum sentido no que deseja.

- Que sentido pode haver nesse disparate? – Ironizou Morte – um ser com consciência... grande nada.

- Há coisas que você desconhece Morte – Tempo dizia com o olhar perdido no céu – você é poderosa e isso não podemos negar, mas mesmo você não pode conhecer todos os segredos do universo e todos os seus possíveis futuros e prováveis passados para dizer que é um disparate, pois, não viemos todos aqui por uma tolice, não acha?

Morte se limitou a ficar calada e deixar sair um suspiro de aborrecimento, os cinco maiores seres do universo estavam juntos pela primeira vez em milhões de bilhões de anos e, mesmo que ela não gostasse de admitir, ela não queria irritar tempo por dois motivos, o primeiro dele é que ninguém conhecia o poder real de Tempo e todos conheciam o seu temperamento explosivo, ela sabia que naquela mesa, ela era a mais poderosa porém, havia lugares que nem mesmo ela podia entrar e que tempo conhecia como a palma de sua mão e isso a incomodava e, o segundo motivo, é que ela não estava inteiramente certa se tudo encontrava o seu fim por suas mãos ou pelos desígnios de Tempo, se ela prosseguisse nessa pirraça, isso levantaria questionamentos que ela não queria que fossem levantados naquela mesa, por isso, ela apenas ficou observando.

- Porque deseja criar um ser consciente Vida? – Questionou Caos.

- Porque estamos perdidos – Vida não encarava nenhum deles – somos senhores em nossos domínios, detemos poderes que estão além de nossa própria compreensão e existimos antes mesmo do universo, vimos a criação e entramos nela e mesmo assim não nos entendemos, depois de tantos bilhões de anos, vejo que estamos perdidos e desconectados, não nos encontramos mais, não nos conciliamos mais, não nos compreendemos mais, parte disso se deve ao fato de que estamos incompletos, infelizmente para nós, não podemos nos completar, por mais poderosos que sejamos não temos esse poder, mas temos o poder de criar algo que nós una novamente e para isso eu preciso de todos vocês, eu poderia criar um ser consciente sozinha mas a única coisa que ele conheceria seria eu, ele jamais saberia o pavor que Morte trás, nunca entenderia a extensão da profundidade de Tempo, jamais procuraria Ordem e nunca se arriscaria no Caos, ele seria vazio como nós somos.

Um longo silêncio se abateu sobre a mesa, todos refletiam sobre as palavras de Vida, não irei descrever aqui toda a conversa que aconteceu naquela mesa porque diferente das conversas que os mortais tem, aquela conversa durou milhões de anos, foram pesadas coisas que estão além da compreensão da maioria dos seres e foram discutidos mistérios que ainda serão descobertos mas, como toda confabulação, chegou o dia que aquela também terminou e ao final dela, todos menos Morte, aceitaram contribuir para a criação de um ser consciente, para selar o pacto eles decidiram que naquele planeta ficaria para sempre gravado o acordo, ele foi escrito na língua primordial, incompreensível para todos os seres existentes, o acordo é tão extenso, completo e poderosos que suas letras ocupam toda a superfície daquele mundo, as letras foram gravadas sobre cada rocha no chão, cravado nas imensas montanhas, talhados nas árvores e impressas nos oceanos e, ao final dele, diferentemente da linguagem do acordo, está escrito na língua universal, sobre a mesa de água, as quatros assinaturas que dizem:

- Eu Tempo, concedo a Vida o meu dom para que seja imbuído no ser que será criado a dádiva da passagem, que aos seres conscientes seja dada uma fatia de todo o tempo que já existiu ou existirá e que dentro dessa fatia, sua existência seja plena e completa para que, ao final dela, quando ela a mim retornar eu diga – Eis aqui um bom tempo.

- Eu Ordem, concedo a Vida um lugar no cosmo, juro solenemente que de hoje em diante sempre haverá um lugar seguro para a sua criação neste e em todos os universos que vierem a existir, concedo também a tal ser o dom de criar aquilo que eu mesma posso, embora não em escala tão imensa pois jovem e imaturo ele ainda será.

- Eu Caos, não concedo a Vida o meu dom pois isso me é impossível, mas concedo ao ser que ela criar a capacidade de me compreender, mesmo que isso as vezes pareça a eles impossível, a capacidade para tal para sempre dentro dele residirá.

Com isso, vida pegou todos os presentes que foram ofertados e partiu para a criação de seus amados seres, Morte, que até hoje não concorda com a criação de Vida, ainda tenta destruí-la e convencer os outros a revogarem o acordo, na minha opinião entretanto, desde que um pequeno e empoeirado livro me foi dado por uma belíssima dama em um lindo vestido branco e nele havia uma história onde uma pequena parte dela compartilhei aqui com vocês, sei que chegará o dia em que o poder de Tempo deixará de me proteger e Morte virá me encontrar, nesse dia, espero poder conversar com ela e mostra-la o que Vida sonhou à muitos trilhões de anos atrás e, quem sabe, afinal não custa sonhar, eu possa convencê-la a finalmente assinar o acordo pois, conforme está escrito no livro, lá, naquele planetinha que mesmo nos dias atuais ainda existe, há pequeno espaço em branco que foi deixado por Vida com a esperança de que um dia nele, seja escrita uma quarta assinatura.