O Pescador e o Peixe

A casa era feita com madeiras frágeis, já apodrecidas. Ao caminhar pelo assoalho, as tábuas rangiam ou quebravam. O telhado era de zinco e com muitos buracos. E somente uma lâmpada incandescente alumiava o único cômodo. Ali, o pescador e sua esposa, sentados ao chão, comiam direto da lata os feijões mal cozidos. Com colheradas vorazes, o homem e a mulher se conformavam com os grãos quase crus.

- Eram as últimas latas de feijão? - perguntou o pescador, os seus olhos afundados nas orbitais; olhando para a feiúra da mulher.

- Eram... - ela respondeu, com cansaço.

- Talvez eu pegue um peixe amanhã...

Ela ficou com raiva. Aquele homem ao seu lado tinha muita esperança, esperança demais. E isso a enraivecia. E sua raiva era maior, porque ele, com toda a sua esperança, nunca conseguira pegar um peixe que satisfizesse ambos.

- Você não vai conseguir pegar nada! A gente vai ficar sem comida e vamos morrer de fome, que é bem melhor! Assim acaba logo esse nosso sofrimento!

- Nada disso, mulher! Você verá, eu pegarei um peixe amanhã que acabará com a nossa fome!

- Ah, cale a boca! - E a mulher saiu do seu lado, a irritação ebulindo nela.

Ela pendurou então a rede e se deitou, resmungando.

Mas o pescador não dormiu. Seus olhos não fecharam, pois ficou a encarar o lago através de sua janela, já com a vara de pesca em riste nas mãos.

Na manhã seguinte, falou para a mulher:

- Vou para o lago. Você vai ver, vou trazer um grande peixe!

- Você não vai conseguir nada!

Mas o pescador era resoluto. Por isso fechou o semblante, segurou a vara fortemente e manteve o facão preso à cintura. Ele prosseguiu rumo ao lago.

No cais, subiu em sua canoa e remou até o centro do lago, onde era parte mais funda. O vento causava pequenas ondas na superfície d’ água e batia nele com frieza naquela manhã.

Logo, ele retesou a vara e o anzol afundou n’ água. O pescador ficou ali, sentado no seu barco. Enquanto que o dia ia ficando cada vez mais velho.

Então, o sol chegou ao seu ápice: era meio-dia. E o estômago do pescador roncava. Comeu então alguns feijões que havia trazido e se deu por satisfeito. Mas a vara indicava que nada tinha sido fisgado.

A tarde então se instaurou. E nada havia mordido sua isca. Quanto ao pescador, alguns mosquitos importunavam-no, mas ele se mantinha concentrado. Talvez, agora, algum peixe morda o anzol! Mas nada aconteceu.

O sol foi embora. A noite chegou fria.

Vaga-lumes sobrevoavam a imensidão escura, piscando e piscando sobre o lago, e insultando a luz a óleo da lamparina acesa do pescador.

Ele estava ali, os olhos fundos, a boca seca, a pele gelada, o corpo curvado e acocorado no barco e uma vara torta de pescar, na qual ele depositava toda sua gigantesca esperança.

Então o pescador sentiu um leve sacolejo. E a vara foi puxada (espanto!). Ele se assustou, mas voltou a si. Havia pegado algo! Ficou feliz, felicíssimo! Mas não tinha tempo para gargalhar. De imediato, puxou a vara e tomou o cordão de nylon nas mãos, puxando com força, os dentes bem cerrados. E o peixe era feroz, não queria se entregar. Como tinha força o bicho!

- Esse deve ser bem grande!

O pescador insistiu, os braços não o traíram. Seus músculos dilataram com tamanho esforço. Ele queria aquele peixe para si. Estava esperando-o desde manhã cedo. Esperava-o desde ontem. Esperava-o desde que nasceu. O peixe era para ele. O peixe lhe pertencia. E o pescador sabia disso. Portanto, tinha que ter em mãos o seu peixe.

Então o puxou para fora, trouxe-o para dentro do barco.

Era grande, era estupendo, era maravilhoso e carnudo.

Suas escamas reluziam douradamente à luz da lamparina e a cada sacolejada que ele dava.

O pescador então o segurou firme contra o assoalho do barco, levantou alto seu facão e mirou certo no pescoço.

Então o peixe virou-se e falou:

- Pare! Não me mate! Eu sou um peixe mágico. Posso realizar todos os seus desejos. Posso solucionar todos os seus problemas!

E cortou-lhe a cabeça.