Imago Mortis

Um dia, quando as luzes estavam apagadas, ela veio até mim. Com seu longo vestido preto maltrapilho, órbitas vazias no lugar de olhos e dona de dedos e um corpo esguio, trazia em seu rosto uma mórbida expressão, paralisada. Não me assustei, ofereci-lhe uma cadeira e a convidei para sentar. Portando uma tamanha e surpreendente delicadeza, apesar do fato de possuir traços tão rudimentares, ela se sentou, suas órbitas se voltaram em direção aos meus olhos, como se estivéssemos a brincar de "sério", e, de modo suave, sussurrou em minha mente: "É o fim, está na hora de ir", então o desespero tomou conta de mim, meus medos começaram a se atrelar em minha garganta e fui atingido por uma vontade imensa de gritar, e eu tentei, mas voz me faltava. Minha cabeça rodava, meu corpo tremia, meus pensamentos se encontravam em total desordem e então por impulso respondi: "Não pode ser, não agora, por que tão cedo?", pacientemente, as palavras foram soltas dentro de mim e aquela mulher me deu uma resposta: "E por que não pode ser agora?" Revoltei-me e disse-lhe: "Eu ainda não aproveitei totalmente a vida, eu ainda não realizei os meus sonhos. Ah, tem tantas coisas que tenho para fazer ainda, inúmeros lugares para conhecer" até que fui bruscamente interrompido, por ela, que estava, a me dizer: "Perda total de tempo! Você vem comigo e tudo isso ficará aí. Esses sonhos, realizados ou não, não virão contigo. Os lugares que não conhecestes, continuarão aí, existindo. Então é uma completa inutilidade gastar seu tempo com essas coisas". "Não é justo, eu tive uma semana de trabalho extremamente estressante e nem sequer vou poder aproveitar o final de semana ou comer o delicioso assado que será preparado daqui a algumas horas. E olha só, ainda irei partir de pijama? Isso é algo realmente injusto" disse eu, numa tentativa de protesto, mas sagazmente ela soube retrucar: "Achas injusto? Mas era tu mesmo quem pedias. Tu que, durante anos, invocaste o meu nome com pedidos e suplicas para sair deste mundo, para que eu acabasse com a tua dor e o teu sofrimento, para que eu findasse a sua existência insignificante e sem sentido, agora achas injusto que eu o faça? Realmente, estou sendo bastante injusta por, finalmente, atender aos teus desejos". Engoli aquela resposta a seco, comecei a recordar-me de todas as vezes em que realmente implorei para quitar-me da vida, mas não esperava que ela viesse assim, abruptamente, estava aguardando por um sinal, por um estalo, alguma revelação divina, algo que me fizesse pensar: "Ela está vindo" e eu pudesse preparar aqueles que eu amo. Oh, aqueles que eu amo, como ficará a minha mãe ao saber disto? Ela vai ficar extremamente triste por saber que parti e o amor da minha vida? Como ficará sem mim após compartilharmos tantos momentos e vivermos juntos por tão longo tempo? Várias perguntas ecoaram em minha cabeça, lágrimas começaram a saltar para fora dos meus olhos e então perguntei a ela: "Por que não veio logo quando comecei a pedir?" e ela, por meio de uma voz trêmula e delicada, diferente do sussurro frigido inicial, me disse: "Achas mesmo que sou injusta? Na verdade, sei que todos vocês acham. Sempre me culpam por levar determinada pessoa, mas nem sequer se perguntam o motivo. Nada é por acaso, muito menos a morte. Eu não chego e simplesmente levo as pessoas por prazer, até porque eu não sei o que é prazer desde a minha criação, só o faço quando há uma extrema necessidade. Se não vim antes para você, foi porque achei a sua vida muito boa em relação a de outras pessoas para ser ceifada" parei por um instante, fiquei completamente estático, remoendo cada uma das palavras soltas em minha cabeça, por aquela mulher, e, de modo curioso, indaguei-lhe: "Por que veio agora?" Então pude sentir uma enorme repuxada no ar dentro de mim, algo tão frio que fez a minha espinha gelar e os meus pelos se excitarem e então a voz, dentro de minha cabeça, começou a cambalear e caçar palavras , até que me disse: "Bom... É a tua vez. Não haverá o assado de "algumas horas" e não poderás aproveitar o final de semana porque você se encontra em um leito de hospital e estavas em coma havia três semanas até que, assim que apareci pra você, tivera uma morte cerebral. Não pudeste avisar aos entes queridos e, na verdade, nem te preocupaste com isso, pois a sua vontade de deixar de viver o fez tentar o suicídio tendo findado a sua vida desta forma. Agora, chega de conversa e vamos". Ela tomou-me pela mão, enquanto me encontrava perplexo e com os olhos arregalados, eu caí desfalecido e tudo, ao meu redor, começou a se desvanecer