Amor resguardado... (EC)

O rebuliço era geral na mansão dos Tavares de Mendonça...

No portão da mansão encontrava-se Otavinho, atual flerte de Laura, a primogênita do casal Lauriano e Silvia, que efetivamente não viam com bons olhos aquele relacionamento.

Alfred, o jovem que por lá atuava como mordomo, em pé, estático e totalmente impessoal, aguardava a decisão de como deveria proceder para atender ao chamado do jovem no portão.

Como a jovem patroa não se encontrava na residência, mesmo não sendo favoráveis ao relacionamento atual da filha, os donos da casa eram dotados de esmerada educação e embora na atual situação discordassem da forma que deveria ser atendido os insistentes toques do interfone do jovem ao portão, discutiam a melhor forma de não ferir susceptibilidades.

Enquanto Silvia defendia que deveria enviar Alfred ao portão e de lá ele deveria dispensar o jovem, dizendo que Laura não se encontrava e que ele deveria contatá-la para um possível retorno posteriormente, o aristocrático Lauriano defendia que ‘não ficava bem’ dispensar alguém que tinha acesso à residência de forma contumaz no portão. Alfred deveria conduzi-lo até a sala principal para que fosse comunicado pelos dois que Laura não se encontrava.

Pela mente de Alfred perpassavam pensamentos não muito condizentes com o extremo finess que sempre norteou as funções que exercia desde há muito naquela mansão... Em seu íntimo sorria em pensar na ultrajante situação, autêntica saia justa, que a jovem desmiolada jovem Laura os estava colocando. Pensava em como moça tão culta, tendo todos os seus caprichos realizados pelos pais, prestava-se em manter certos tipos de relacionamentos, sendo que o atual era um dos muitos que já fizeram perder noites de sono seus patrões! E ele, um humilde serviçal, que era tratado com desdém por ela, que poderia dar-lhe amor, compreensão, respeito,..., a tudo assistia, completamente inoperante, sem nada poder fazer...

Repentinamente foi interrompido em seus devaneios pela imponente voz de Lauriano...

--- Alfred! Pode retornar as suas atividades normais! Pelo circuito de TV acoplado ao interfone junto ao portão verifiquei que nosso inoportuno visitante já não mais lá se encontra!

O mordomo aquiesceu com um menear de cabeça e rapidamente evadiu-se do local. Ainda remoendo em seus pensamentos, Alfred dissimulava um sorriso pelo final dado ao novo encontro de ‘sua’ Laura com aquele usurpador!

Concentrado em seus afazeres, somente teve sua atenção desviada quando ouviu vozes exaltadas que proviam da sala de estar. Apurou os ouvidos e percebeu que Laura havia chegado e que era dela a voz mais exaltada que ouvia, principalmente quando ela exclamou:

--- Vou já falar com ele!

Ainda com os ouvidos apurados, percebeu quando o aparente bate-boca foi interrompido devido ao silêncio que se estabeleceu.

Retornou suas atenções para o que estava fazendo, porém, mal teve tempo de recomeçar.

Intempestivamente Laura irrompeu no local, dirigindo-se imediatamente para onde ele se encontrava, falando asperamente:

--- Então, é você que agora decide quem deve ou não deve atender por aqui?

Um misto de surpresa e revolta invadiu o interior do jovem que, gaguejando replicou:

--- Como assim? Do que a senhorita Laura está falando?

Olhando-o com aparente desdém, a moça completou:

--- O Otavinho esteve ai, tocou por diversas vezes o interfone e ninguém se dignou atendê-lo!

Embora necessitando muito do emprego, que lhe rendia o suficiente para ajudar os pais e pagar os seus estudos, o que fazia com que aturasse por vezes alguns mau tratos na mansão, sentindo-se ferido em sua dignidade, o jovem demonstrando estar muito exasperado, quase bradou:

--- Um momento, senhorita! Somente fiquei aguardando autorização de seus pais para ir atendê-lo! Enquanto eles decidiam, o Senhor Otavinho deve ter cansado de aguardar e se foi!

A jovem, tentando segurar um riso que teimava surgir em seu belo rosto, complementou:

--- Sei disso! No entanto, não conceber como um jovem como você, de tão boa aparência, que demonstra ter alguma instrução, se digna atuar como uma vaquinha de presépio, não tomando suas próprias decisões em casos tão simples, tal como foi este de pura e simplesmente ir atender a um toque de interfone...

Num repente de extrema coragem, admitindo que com o que falaria provavelmente perderia seu emprego, Alfred pronunciou em alto e bom som:

--- Sabe o que é Laura? Eu até poderia ter agido como disse, no entanto, estava mesmo querendo que seu namoradinha desse meia volta e nunca mais voltasse por aqui. Quer saber mais? Desde que por aqui cheguei, me apaixonei por você! Tento dar o melhor de mim em tudo o que por aqui faço, somente por saber que com isso estou também a ajudando...

A jovem, com admiração no olhar, respondeu, agora sem esconder seu belo sorriso:

--- Logo depois que o Otavinho saiu daqui, conseguiu me localizar e nos encontramos. Entre muitas babaquices, disse que não havia conseguido aqui entrar por culpa exclusiva do antipático mordomo que nos servia. Como uma benção, percebi que aquele não era a companhia que eu queria para mim e por lá mesmo o dispensei dizendo que nunca mais me procurasse... Creio que não calou muito bem em meu interior ele ter denegrido a imagem de alguém com quem nunca teve oportunidade de trocar qualquer palavra! Agora tenho certeza de que a citação indevida de que a o desfecho do episódio ocorrido aqui em minha casa foi devido culpa do mordomo, foi a gota d’água que faltava para que eu o mandasse às favas... E, a propósito, de há muito você não me é muito impessoal por aqui... Será que terei alguma chance de conhecê-lo melhor?

Este texto faz parte do Exercício Criativo - A Culpa do Mordomo

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