Your Guardian Demon

Desde aquele dia, em que como um gato entrei na casa da família Cooper e a vi pela primeira, sabia que minha vida nunca mais seria a mesma. Sim, desde que meus olhos a encontraram no colo da bela mulher, eu sabia, bem no meu intimo que ela seria a parte mais importante dos meus dias.

Emmanuela Cooper não deveria ter mais que cinco anos de idade, possuía olhos acinzentados de um tom tão profundo e cabelos loiros acinzentados tão claros que me peguei a encará-la por mais tempo que o normal para um animal que acabara de chegar. E isso não passou despercebido, logo o pai da garota, que era o motivo de eu estar ali, comentou com sua esposa que parecia que a filha tinha conquistado um novo amigo. Mal sabia ele que a pequena conquistara muito mais do que um simples animalzinho...

Apesar de toda aquela situação ser extremamente nova para mim que sempre estive acostumado a estar no topo, sendo o melhor entre todos os iguais a mim, eu não me importava de rolar sobre a grama e correr pelo jardim somente para alegrar aquele pequeno ser.

Meu orgulho não se sentia tocado ou manchado pelo fato de estar diminuído a um mero animal de estimação de uma criança, enquanto que em outra forma eu seria temido e respeitado por todos, apenas porque a criança em questão era o futuro sacrifício para me dar poder.

E assim, meus dias eram povoados por uma estranha sensação, era um sentimento que eu nunca havia tido antes, e aquilo, confesso, me assustava. Depois de tanto pensar e procurar entender descobri que ficar perto dela me trazia paz.

Paz que surgia através do sorriso doce daquela criança, de suas palavras inocentes e carinhosas, de suas mãozinhas que me tocavam com carinho e cuidado. Aquele brilho infantil nos olhinhos cinza, pouco a pouco se tornou a razão de ansiar para que mais um dia amanhecesse para que eu pudesse, em meios as simples brincadeiras, fazê-la sorrir.

E assim como a paz me envolvia, uma sensação de angustia seguia com ela e me amarrava, sufocando e provocando um aperto em meu peito, pois eu queria poder dizer àquela garota tudo o que ela a cada segundo que passava significava para mim, mas era impossível. Era o típico caso de sofrer em silencio por um sentimento não correspondido na mesma proporção.

Quando finalmente me conformei a viver na resignação de passar todos os meus dias e ser apenas algo pequeno na vida daquela garota o destino se mostrou algo totalmente imprevisível e uma reviravolta nos acontecimentos me levou a chegar ao dia de hoje.

Ainda hoje eu me lembro do calor, do cheiro, das luzes... Aquelas labaredas avermelhadas que envolveram a bela casa dos Cooper e fez com que o desespero tomasse conta do lugar. Gritos, correria, coisas se quebrando ou explodindo. Tudo parecia desabar sobre mim, mas meus pensamentos só se voltavam para aquela garota indefesa que eu sentia como dever defender com a própria vida.

Creio que foi naquele momento em que pensei pela primeira vez que ela era a minha vida. E assim como senti a paz, provei pela primeira vez o sabor do medo. Temia perdê-la, temia que algo acontecesse com aquele ser frágil e meigo.

E assim eu corri, era uma luta contra o tempo, qualquer segundo perdido poderia significar perder aquela que deu uma existência para minha existência milenar. Corri feito um louco por onde o fogo me permitia, e mais uma vez amaldiçoei estar naquela forma felina, que limitava tanto meus poderes.

Quando finalmente desisti, achando que já a havia perdido, senti sua presença. Um grito desesperado que ecoava dentro de mim, e naquele momento abri mão de tudo o que ainda me prendia e retornando à minha forma original fui até aquela que por ajuda clamava.

Quando vi aquele ritual senti um tremendo nojo. Como os seres humanos podiam ser tão desprezíveis a ponto de tentarem macular um ser tão puro e que irradiava tanta luz como aquela garota?

Naquele momento me vi sem chão. Achei que tinha perdido para sempre a única alma que me fez vibrar e sentir coisas que nunca imaginara existir de verdade. Assim senti pela primeira vez o que era a verdadeira solidão e a terrível sensação de vazio que ela deixava.

E foi então que tudo aconteceu. Novamente o destino se movia como queria e, aquela ingênua garotinha se mostrou mais forte do que eu imaginava. Rapidamente, Emmanuela reverteu a situação e em vez de ser apenas um vulnerável e passivo sacrifício, ela se tornou a mandante e, sem hesitar, entregou um a um todos aqueles homens que lhe faziam mal.

Quando meu corvo surgiu voando sobre aquele local, soltando suas penas negras, não pude evitar um sorriso brincar em meus lábios. Finalmente chegara a hora que eu tanto desejara. Finalmente eu poderia ser algo a mais para aquela que me era tão importante. Finalmente eu poderia mostrar o que realmente Emmanuela Cooper significava para mim.

Assim que o contrato foi selado a perspectiva de um futuro promissor se abriu diante dos meus olhos. Por incrível que pareça, mesmo ela não sabendo quem eu realmente era, recebi o nome Belphegor, o nome que minha forma felina tinha e que ironicamente é meu nome original. E não foi surpresa nenhuma ver que eu continuava sendo apenas algo pequeno para aquela garota de treze anos. Eu sabia que era uma importante ferramenta para minha dona, mas apenas isso não bastava, eu queria ser mais e lutaria por isso.

Foi um recomeço realmente difícil. A recuperação física de Emmanuela foi lenta, mas o que me surpreendeu foi a rapidez de sua recuperação psicológica. Do dia para a noite aquela garota serena se viu sem nada, perdendo a todas as pessoas que amava e boa parte do que tinha, mas tirou disso a força para dar a volta por cima e preparar sua vingança.

Ainda acho que o mais difícil de toda essa situação recaiu sobre mim. A cada dia que passava eu sentia a diferença de tratamento. Por mais que aquela mescla de arrogância e pureza me encantasse eu não podia mentir e dizer que não sentia falta daquelas palavras carinhosas sussurradas, dos toques amigáveis e do sorriso doce.

Sim, eu sofria em silencio. Apesar de agora poder expressar tudo o que eu sentia, me via novamente preso a só demonstrar meus sentimentos em pequenos gestos, que pareciam insignificantes.

Assim, com o passar dos dias, tentei sufocar tudo aquilo que povoava minha mente e meu peito há tanto tempo. Neguei para mim mesmo tudo o que sentia por aquela garota, a fim de sobreviver a tudo aquilo e no final saborear aquela alma deliciosa. Mas, nunca vi algo tão difícil do que conter simples sentimentos humanos.

Pensando nessas coisas percebi o quanto deixei de agir como demônio. Foi quando percebi que estava ficando cada vez mais humano que me desesperei de vez. Eu fazia tudo impecavelmente para que a vingança de Emmanuela pudesse se realizar o mais rápido para assim meu tormento acabar, mas a cada novo dia me via mais preso à vontade de que aquilo durasse para sempre.

Os dias eram sempre iguais. Sempre a mesma rotina como tutor de uma garota que crescia cada vez mais revoltada e com sede de vingança.

Apesar de eu dominar a preguiça em minha forma original tudo caminhava conforme os planos. Cada peça se encaixava lentamente. Cada movimento daquele imenso jogo de xadrez, que era a vida da jovem, nos levava a ajeitar o terreno para que a vingança pudesse ser feita de maneira eficiente. E depois de seis anos servindo àquela garota pude ver os frutos desse trabalho árduo e impecável. O momento finalmente chegara...

Emmanuela fez uma festa, chamando a todos aqueles que estavam do lado daqueles que a ofereceram como sacrifício quando pequena. Drogou as bebidas, deixando os reflexos lentos e então começou seu discurso de vingança. E eu sempre ali, ao seu lado, zelando pela segurança daquela alma.

E quando chegou a hora, invoquei meus poderes e incendiei o local, ouvindo com os gritos desesperados, as lamentações. Mas, percebi o quanto aquilo não me dava o mesmo prazer de antes de conhecer Emmanuela. E depois de um segundo eu já sabia o motivo, afinal cumprindo o desejo da garota seria a hora de pegar aquela alma.

Mas, não foi justamente por esse momento que aguentei em silencio anos esse sentimento sufocante? Então por que justo agora essa insegurança e quase tristeza se apoderou de mim?

Perdido nesses pensamentos meus poderes perderam a intensidade e quando senti os olhos cinza presos aos meus cessei as chamas. Ao nosso redor só havia o rastro da destruição. O cheiro dos corpos queimados que seria nauseante pra muitos era um doce aroma pra mim.

Ficamos parados nos encarando por um tempo que pareceu uma eternidade. O rosto sério de Emmanuela não me permitia conhecer seus sentimentos e isso me deixava aflito. Por um momento, talvez o primeiro em minha existência, fiquei sem saber o que fazer.

Ela foi a primeira a quebrar o torpor daquele momento. Em passos lentos e suaves se aproximou de mim. Seus lindos olhos ainda presos aos meus. E quando chegou bem próximo, sussurrou que logo eu poderia tomar sua alma, antes só precisava realizar um ultimo desejo.

E sem que eu pudesse ter alguma reação, Emmanuela envolveu seus braços em meu pescoço e me beijou apaixonadamente, sussurrando que me amava. Maravilhado, senti meu coração bater forte e naquele momento decidi que para ter sua alma eu não precisaria sacrifica-la, afinal quer maior oferenda do que se viver pela eternidade ao lado de um príncipe das trevas? E assim eu poderia ser eternamente seu Demônio da Guarda.

Eri Guimarães
Enviado por Eri Guimarães em 24/06/2014
Reeditado em 24/06/2014
Código do texto: T4857076
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