A DUALIDADE DA JUSTIÇA NO CASTELO DE BIRMINGHAN TOWER


 Contam que este fato a ser narrado, se passou na Idade Média, onde os sentimentos do bem e do mal, da justiça e da injustiça, era um mero jogo da vontade dos poderosos.

 Assim transmitia um menestrel em epopeias, odes e acalantos:
“Um pobre homem do povo fora julgado por um delito
Que jurava sua inocência, por todas as letras, aos gritos.
A insídia queria por trás enforcá-lo pelo dito e não dito,
O Senhor Feudal cobiçava a sua linda mulher, o maldito!”



 
 Conhecendo a moral que norteava os senhores dos castelos e seus apoiadores, sabia o camponês que não teriam piedade e também o motivo de desejarem sua morte. A imagem de sua adorada esposa vinha-lhe à mente.

 Como era de se esperar, o senhor feudal nomeou o mais desalmado de seus lordes para servir de juiz da farsa.
 Cinicamente o “juiz” jurou que faria um julgamento dos mais justos, de tal forma que haveria total isenção na qualificação da sentença. Tanto que, quem decretaria a sentença seria o próprio acusado.
 Disse o “juiz”: - Vou escrever em um pedaço de pergaminho um veredicto a ti favorável como “inocente” e em outro um desfavorável, ou seja, “culpado”. Você próprio escolherá um dos retalhos, o qual será sua liberdade ou danação.

 O que se previa dos poderosos castelães, que se traiam até entre si, o juiz “ad oc” do castelo de Birminghan Tower, para impressionar e dar “autenticidade” ao ato, embolou os pedaços de pergaminho em duas bolinhas, pedindo ao capelão que as abençoasse e amarrando-as para não se desfazerem. Entregou-as ao juiz.
 
 Sem que o acusado visse – o juiz estava num assento e mesa elevados, antes de embolar os retalhos e passá-los ao capelão, escreveu nos dois a mesma palavra: “culpado”. Após a benção do sacerdote-capelão a sorte do pobre homem estava selada.
 Seria inevitavelmente enforcado, sob o conluio de todos os participantes do “julgamento”, com todo o devido ritual de execução medieval, inclusive com direito à indulgente benção sacerdotal.

 Não havia saída. Não parecia haver alternativa para o pobre camponês, cujo único crime foi ser casado com aquela belíssima mulher francesa, que lá no canto escuro da galeria estava em prantos, sabendo também que seu destino seria pior que a morte.

 O juiz colocou as duas bolinhas sobre a alta tribuna - sorrindo cinicamente com o canto da boca – mandou o acusado escolher uma. O camponês que fora educado em um convento de frades e tinha instrução, meditou por um tempo. Silêncio pesado no recinto.
 
 O acusado percebeu a armadilha, ao ver o brilho no olhar do improvisado juiz, magro, de nariz adunco como ave de rapina, e o riso sarcástico de vitória esboçado no rosto gordo do senhor feudal, dirigido para os lados de sua mulher com cobiça.
Veio-lhe por observação e boa experiência na escrita, o movimento na mão do juiz ao escrever. Os movimentos tinham sido idênticos. Se, ele fosse escrever a palavra “culpado” faria o mesmo movimento de punho que o juiz houvera feito. Assim pensando, com a maior rapidez pegou uma das bolinhas e a engoliu.

 Estupor geral na audiência, alarido do juiz, do balofo Conde - que era o senhor feudal - e em todo o escalão da corte presente no salão nobre do castelo.

 E agora!? Que foi que você fez seu vassalo bastardo, anarquista infiel? Disse o juiz inconformado.
 Responde o camponês: - Como as bolotas estavam bentas julguei que me faria bem à alma engolindo uma delas, caso viesse a morrer!
 - Herético infiel e traidor, isso só confirma seres tu um criminoso! – Esbraveja o bispo da Catedral que circunscrevia o condado.
- Enforquem-no assim mesmo! – Diz o balofo Conde castelão.
- Como iremos saber agora qual o veredicto, já que o julgamento era isento e justo, e você quebrou a regra da dualidade jurídica da sentença!? Pergunta com alarme o juiz.
- Não vejo nenhuma dificuldade nem embaraço ao julgamento de Vossa Excelência, senhor juiz! – Diz o acusado concluindo: - Basta que o preclaro e eminente lorde desembrulhe a bolota que sobrou, e, todos saberão que engoli exatamente o contrário do que nessa estiver escrito. Indicará pela lógica da aclamada dualidade que engoli o oposto do veredito que estiver nas mãos do senhor juiz. Graças às bênçãos de seu “santo sacerdote-capelão” às bolotas, Reverendíssima! – Falando agora ao bispo, que há pouco havia vociferado.

- O camponês se volta ao público e diz: - Senhores da Corte, todos ouviram claramente que o julgamento seria de tal isenção, que o senhor juiz permitira-me escolher minha sentença. Nada mais pessoal e íntimo que ingerir a bolota que lancei mão ao meu critério. Esta foi minha opção. Qualquer sentença que restasse apontaria meu destino, por inclusão ou exclusão. Ficaria sendo verdadeira a sentença que engolira. Para a vida ou para a morte. A que ficou, reflete o contrário da que escolhi e engoli. Portanto pela lei da dualidade, oposição de confronto, vale a que escolhi pela forma que mais me aprouvera, já que livre fui para o ato da escolha.

- Como o povo estava vendo e ouvindo tudo à distância – fora convocado, tal a certeza do espetáculo do enforcamento - com o Bispo do Condado presente ao Castelo de Birminghan Tower, não teve a corte outra opção a não ser a imediata absolvição do pobre, mas sábio camponês.

E deste caso, o Menestrel fez uma canção, que ficou muito afamada naquele século...

Um pobre homem do povo fora julgado por um delito,
Que jurava por todas as letras sua inocência aos gritos.
A insídia por trás queria enforcá-lo pelo dito e não dito,
O Senhor Feudal cobiçava a sua linda mulher, o maldito!



 
Mauro Martins Santos
Enviado por Mauro Martins Santos em 01/03/2014
Reeditado em 02/03/2015
Código do texto: T4710819
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.