O HOMEM QUE NÃO SONHAVA

Era uma vez um homem que morava num país muito grande, em uma cidade longe demais. Já estava avançando na idade, mas gostava muito da vida, de fazer amigos, de ouvir música, de escrever contos e versos. Vivia com sua mulher e os dois eram muito felizes em sua casinha sempre bem arrumada e limpinha.

Esse homem procurava viver da maneira mais tranquila possível, evitando situações e pessoas complicadas. Assim, não cultivava inimizades e era bem considerado pelas pessoas com quem se relacionava.

Dava muita importância à cooperação e procurava manter distância de tudo o que pudesse desencadear competição. Talvez, por isso, não tivesse inimigos.

Apreciava as pequenas coisas e não se entusiasmava com os atrativos que mobilizam a maior parte das pessoas. Implicava com a insistência do comércio que instituía “dia disso” e “dia daquilo”, “dia daquilo outro”, para induzir a compra de coisas, cuja maioria, são inutilidades.

Jóias, coisas caras, objetos de luxo, roupas da moda, etc..., passavam por longe dele que considerava desnecessário ficar cercado de objetos de valor (para os outros), tralhas que não levaria para o túmulo, principalmente, considerando que sua idade já estava avançando para a casa dos oitenta anos.

Assim, na vidinha que escolhera, ia muito bem obrigado, e não pensava em mudar uma palha. Adorava, isto sim, uma pescaria em um pesque pague ou em algum sítio ou fazenda de conhecidos.

Também era muito esperto, nas comidas, gostando de se envolver com panelas, temperos, sabores, em momentos de alegria, quando se reunia com os amigos ao redor de um bom prato.

Como, por melhor que seja a vida das pessoas, até esse homem tinha uma pedrinha no sapato para dar um ar de tristeza em momentos de meditação ou quando ouvia o que os outros falavam dos seus sonhos.

Esse homem tinha um segredo que não contava para ninguém, nem que chovesse canivete. Era amigo de uma fada! Isso mesmo! Amigo de uma fada!

Por incrível que pareça, ele não sonhava! Jamais conseguira ter um sonho, embora fosse bem dorminhoco! Isso lhe trazia, às vezes, uma pontinha de sentimento que, quando percebido, logo era espantado...

E é aí, nesse ponto da história que entra, em ação, a nossa fada. Era uma linda criaturinha, quase transparente, de um cor-de-rosa suave que irradiava raiozinhos de luz.

Era uma pessoinha do tamanho de um beija-flor, com uma voz fininha e delicada que soava como se fosse música de violino. Suas asinhas faziam um zumbido tão gostoso que era preferível que nunca parasse.

Era toda linda com seu vestidinho rosado, crivado de pequeninas pérolas, de onde saíam os raiozinhos de luz. Seu nome era “Vidinha”.

Embora as fadas não precisem de nomes, pois todas elas se conhecem e se identificam pelas luzes que emitem, os seres humanos sempre necessitam de alguma coisa mais palpável para se fazerem percebidos, no seio da coletividade e, assim, precisam de nomes.

Foi por esse motivo que Vidinha ganhou o seu.

Um dia, o homem estava pescando em um lago de águas tranqüilas, de um azulado suave e com pequeninas ondas que dançavam pela superfície, como se levadas pela música do vento.

Estava, pacientemente, sentado em um pedaço da margem, com seu caniço em posição de espera, aguardando que os peixes beliscassem a isca. Enquanto isso observava o deslizar das nuvens brancas e imensas como se fossem todas feitas de algodão doce.

Ficava surpreso, quando via um pássaro voando em alta velocidade, fazendo um rasante sobre a água e dando uma bicada como se estivesse tomando um rápido gole. Como poderiam se satisfazer assim, com tão pouquinha água que o bico pudesse retirar do lago?

Estava nessa situação, usufruindo seus momentos de paz e tranqüilidade, quando sua atenção voltou-se para um enxame de libélulas que esvoaçavam pela superfície dando umas encostadinhas na água e fazendo centenas de ondas diminutas...

De repente, percebeu que as libélulas haviam seguido seu caminho, mas que uma delas havia pousado bem na ponta da vara de pescar.

Ficou sem saber o que fazer, pois temia que suas mãos fizessem tremer a vara e a libélula pudesse se assustar. Pensando assim, procurou manter-se o mais imóvel possível.

Não demorou muito e uma vozinha tênue e encantadora se fez ouvir:

-- Hei! Hei você aí! Pode me ver? Pode me ouvir?

O homem sem atinar direito de onde vinha aquele chamado, procurou aguçar os ouvidos e ficar bem atento, aguardando ouvir outra vez...

-- Hei! Olhe para cá! Sou eu! Bem aqui na ponta do caniço! Posso falar com você?

-- O homem, então, espantado, piscou os olhos uma meia dúzia de vezes e, sem acreditar no que via, pôs-se a olhar, atentamente, a ponta da vara de pesca.

-- Agora sim! Parece que vamos começar a nos entender, disse a fada.

-- Mas como pode uma coisa dessas? Estou perdendo o juízo? Será que estou diante de uma libélula falante?

-- Libélula! Há-há-há! Que coisa mais engraçada! Eu? Li-bé-lu-la?

Quem disse que sou libélula? Nada disso, meu caro! Pode tirar seu cavalinho da chuva, esfregar os olhos e olhar direitinho para mim. Que libélula, qual nada, sou uma fadinha! Isso mesmo, uma fadinha!

Dito isso, encarou o homem com seus olhinhos brilhantes e disparou a rir!

Hahahahahahahahaha! Hahahahahaha! Vejam só! Eu, uma libélula! Pode isso? Me poupe, por favor! Me poupe!!! Minhas primas vão se esborrachar de tanto rir! Já estou até rindo por conta!

O homem assomado por um misto de espanto e desapontamento foi, aos poucos, tomando pé da situação e, tatamurdeando, respondeu:

-- Mas, pensei que fadas não existissem! Ou melhor, pensei que fadas só existissem em “contos de fadas”! É só isso!

-- Pode pensar o que quiser, mas aqui não há nenhuma “história” de fadas e eu existo!

Sim senhor! Eu existo, de verdade! Estou aqui, vivinha da silva e de carne e osso! Se quiser, pode até me tocar! Mas, faça bem de vagarinho porque meu corpo é por mais delicado. Minha carne é feita pela luz do Sol! Se você me tocar, com força, posso me esfarelar todinha e virar pó de luz!

-- Pó de luz? Nunca ouvi falar disso! Até já vi uma fonte de água luminosa, toda colorida, mas pó de luz! Onde já se viu?

-- Pois pode acreditar no que lhe digo! Afinal, as fadas não mentem! Elas não podem mentir! Se o fizerem, a Fada Madrinha vem e retira, por uns tempos, a nossa varinha de condão e não podemos satisfazer desejos por um tempão. Isso é um castigo horrível! Só de pensar fico toda arrepiada!!!

-- Pois fique sabendo que não sou um malvado e jamais lhe faria qualquer malefício! Pode ficar tranquilinha!

-- Então quer dizer que podemos ser amigos? É isso?

Estou perguntando, porque os seres humanos são muito incrédulos e não acreditam em fadas. Só as crianças é que acreditam em nós e são nossas amigas. Há algumas delas que até podem conversar e brincar conosco... Elas são engraçadíssimas, principalmente as meninas!

-- Eu tive permissão para vir conversar com você! A Fada Madrinha falou sobre quem você é que é uma pessoa que não faz e nem deseja mal a ninguém. Isso foi motivo para que ela permitisse que eu viesse lhe procurar!

-- Mas, afinal, o que você deseja? Em que posso lhe ser útil?

Quer alguma dessas coisas que as crianças gostam? Por exemplo: pipoca, algodão doce, tabletes de chocolate, cocada, ovo de páscoa, caramelo? O que é que você quer?

-- Acho que ainda não me fiz entender! Não quero nada, tudo do que preciso, posso conseguir com minha varinha de condão! É pura magia! Com ela não há nada que não possa ter... Além disso, as fadas não precisam de quase nada!

Na verdade, você foi sorteado! Uma vez por ano, durante o Festival de Wesak, na Lua Cheia de abril ou maio, quando o Sol está no Signo de Touro e a Lua está em Escorpião, fazem o sorteio lá no Reino das Fadas!

É nesse festival que se comemora o aniversário da Iluminação do Senhor Buda. Os anjos e os Mestres se reúnem e autorizam as fadas a virem procurar alguns humanos para atender alguns dos seus pedidos.

Antes de nos darem os nomes e o paradeiro deles fazem uma verificação bem detalhada das suas fichas e, se não tiverem nada que seja motivo de impedimento, somos autorizadas a atender pedidos, sob uma condição!

-- E que condição é essa?

-- Os humanos estão muito voltados para os desejos de coisas que nós consideramos desimportantes. Por exemplo: Eles vivem desejando coisas materiais, dinheiro, poder, prestígio, propriedades, e uma porção de quinquilharias que não servem para aquele que deseja prestigiar o “Ser”, em lugar do “ter”!

-- E onde está a diferença entre “Ser” e “ter”?

-- A preocupação com o “ter” é uma conseqüência do envolvimento muito estreito com os desejos relacionados ao mundo material. Isto é, a importância de cada pessoa está diretamente relacionada com a quantidade de coisas que consegue obter, armazenar, etc... etc...

Nesse caso, é a quantidade de coisas que um homem possui que determina a sua aceitação social e o seu lugar diante do que chamam de vida em sociedade... É a luta pelo “ter” que vai, aos poucos, anulando a possibilidade de deixar “vir O Ser”!

-- E, então, o que é “O Ser”?

-- É o seu “Eu Verdadeiro”! Aquele que você realmente é! A sua Essência. O “ter” desaparece na morte e o “Ser”, esse nunca morre! É eterno!

-- Você está me fazendo lembrar uma frase que li em um livro sobre um romance de Shakespeare! Dizia assim: “Ser ou não ser, eis a questão!”

-- Essa frase, explica isso sobre o que estamos falando! Veja só, disse a fadinha!

Você já sabe que o “Ser” é a realidade. É o que nunca morre, o eterno! O “ter” é a mesma coisa do que o “não ser”. Assim, o grande dilema vivencial do homem é exatamente “a questão” a que se referiu Shakespeare! A “questão” um atributo da “escolha”; vem a ser “o exercício da vontade”, ou seja, uso do “livre-arbítrio”. É com ele que a pessoa decide que quer o “Ser” ou o “ter” (não ser)!...

-- Uau! Você é massa, fadinha! Massa, de verdade!

Agora entendi tudo! Jesus falou a mesma coisa com outras palavras! Veja só o que Ele disse! “Não se pode, ao mesmo tempo, servir a dois senhores!...” Acho que ele quis dizer isso mesmo que o Shakespeare falou!

-- Eureka, meu amigo! Os dois senhores são exatamente “O Ser” e “o não ser” e “o não ser” é “o ter”! Bem lógico, não acha?

-- Sim! Não há dúvida alguma, depois dessa explicação! Você é massa mesmo, fadinha!

-- Eu não! Massa mesmo, é Jesus!

A fadinha não pode esconder a vontade de rir e desabou na maior crise de risada que já viu na vida... Quá-quá-quá-quá-quá!!!

O tempo ia passando e a fadinha, abrindo uma bolsinha feita com fios finíssimos de ouro, tirou um relógio todo cheio de luzinhas e viu que já eram quase quatro horas da tarde.

Bem, amigo! Já nos apresentamos, nos identificamos e, agora, tenho que cumprir a minha parte. Preciso regressar antes das seis da tarde. Essa não é mais hora das fadinhas ficarem andando por aí. Depois das seis, começam a aparecer uns tipos muito esquisitos, que gostam da escuridão e não queremos estar por perto, quando eles tiverem tomado conta da situação... Eita pessoalzinho mais feio, esse!

Bem! Estou aqui para lhe satisfazer um desejo!

-- Um desejo meu? Sim, um desejo seu! Estou certa de que não irá pedir bobagens, pois minha intuição não me desaponta e não gostaria de voltar sem ter cumprido meu papel nessa altura dos acontecimentos.

Pois bem! Que espécie de desejo você gostaria de transformar em realidade?

-- Se eu disser você promete que não vai ficar dando risada de mim?

-- Por que diz isso?

Porque você ri à toa! Já deu um bocado de risada nesse pouco tempo em que estamos conversando!

-- Fala sério! Que quer que eu faça por você? Estou com uma vontade louca de estrear minha varinha de condão! É novinha e nunca foi usada. Você vai ter o privilégio! Vamos lá! Diga?

-- É que sempre ouvi as pessoas falando que, quando dormem, tem sonhos! Desde menino, quando ouvia essas conversas, ficava triste por não poder ter os meus próprios sonhos e me divertir igualzinho aos outros. Falavam de cada sonho maravilhoso! Lugares lindos de se ver, anjinhos voadores, bichos que falavam com as pessoas, e muita coisa bonita...

O único tipo de sonho que eu não desejaria ter era aquele tal de pesadelo. Um sonho muito feio em que as pessoas acordavam assustadas, suando e, com medo! Desse tipo, eu não queria!

-- Mas esse tipo de desejo é dos mais fáceis de serem realizados! Vai ser moleza para a minha varinha nova! Quase não gasta as pilhas e a gente pode fazer sonhos um montão de vezes!

Além disso, esse é um desejo que não tem nada de material e, pelo que vejo, vem lá do fundo do seu coração, pois você só está pensando em sonhar com coisas bonitas e agradáveis!

-- Então está bem! Eu adoraria poder dormir um sono bem gostoso e ter um sonho bem bonito! De preferência, um sonho com uma menininha que mora muito longe daqui e que eu não vejo há muito tempo. Às vezes penso que posso não vê-la nunca mais. Aí, fico triste...

-- E quem é essa menininha?

-- É a minha netinha querida! A Júlia!

-- A Júlia? Aquela danadinha lá de Jacarepaguá?

-- É ela mesmo! Como é que você adivinhou?

-- Ah! Nós temos o nosso jeito de saber das coisas e, também, temos nossos informantes!

-- Mas, não percamos tempo! Você passou no teste!

Como não pediu nada dessas coisas que a maioria corre atrás, terá seu desejo satisfeito. Agora, feche os olhos, e sinta a energia colorida que sairá da minha varinha de condão e ficará guardadinha lá dentro do seu coração. É ela que vai fazer você sonhar...

Assim, disse a fadinha, assim foi feito...

O homem sentou-se na grama, fechou os olhos e sentiu um calorzinho gostoso que lhe entrava pelo alto da cabeça, onde a fadinha tocara com a varinha. Era um calorzinho engraçado que tinha qualquer coisa parecida com “pó de luz”. Imagine só! Pó de luz!

O tal pozinho luminoso foi enchendo toda a cabeça, desceu pelo pescoço e tomou conta do coração do homem que acabou tirando uma soneca...

Quando abriu os olhos, a fadinha já tinha sumido, deixando, apenas algumas bolhinhas de luz colorida que iam, aos poucos, desaparecendo.

O homem, sentindo uma sensação maravilhosa, de leveza e de paz, recolheu seus petrechos, pegou seu carro e foi embora para casa.

À noite, tomou um belo banho, fez uma breve refeição e, ansioso, ajeitou-se na cama afundando a cabeça no travesseiro de flocos de algodão... Em poucos minutos, adormeceu e, em seguida, mergulhou num sono profundo...

Um perfume suave, de flores tomava conta do ar. O céu azul, repleto de nuvens brancas. Elas pareciam bastante com as pipocas no vidro do carrinho do Seu Bira rodeado pela criançada do bairro.

As garças, em formação, iam à busca das pradarias à cata do alimento abundante e fácil, enquanto a cara do Sol já estava com a metade aparecendo, por trás das montanhas do Leste...

Borboletas coloridas esvoaçavam, em todas as direções, perdidas no meio de tantas flores que acabavam por se confundir não sabendo, ao certo, em que flor pousar.

Nesse lugar tão colorido, havia um lago e uma ponte. Numa de suas extremidades, o homem estava, com sua vara, pescando...

De repente, um zumbido quebrou o silêncio do lugar e a atenção do homem foi desperta. Seus olhos buscavam o ponto de onde vinha. Será a Vidinha, de novo? Que legal!

Não demorou muito, localizou em cima de uma flor dourada, uma delicada e linda abelha que batia as asinhas olhando carinhosamente para ele.

Nunca ninguém disse que as abelhas também podem rir. Mas, aquela abelhinha zumbidora estava lá, sentadinha na pétala dourada piscando os olhinhos brilhantes e rindo baixinho...

O homem pensou com seus botões: Será o Benedito? O que estará acontecendo comigo? Outro dia, uma libélula virou uma fadinha voadora que ria à bandeiras despregadas! Agora, me aparece essa abelhinha engraçada toda sorridente e, sorrindo para mim! Pode?

Estava, assim, dando tratos à bola, quando ouviu uma vozinha fina:

-- Vô! Olha eu aqui!

-- Vô? Eu? Vô de quem, aqui no meio de tantas flores? Por acaso, virei avô delas? Desde quando flores tem avôs? Acho que vou dar o fora daqui!...

Foi quando a abelhinha insistiu batendo as asinhas e piscando os olinhos castanhos.

-- Vô! Sou eu!

-- Eu quem, sua abelhinha falante!

-- Eu! Ora! Quem mais poderia ser?

O homem, um tanto perturbado com aquela situação inusitada responde à abelhinha:

-- Estou achando muito esquisito esse negócio de ser chamado de “avô” por uma abelhinha “abelhuda”!

-- Abelhinha “abelhuda”? Eu? Hahahahahahahahaha! Que coisa mais engraçada! Onde já se viu dizer que uma abelha é “abelhuda”? Acontece cada coisa nesse mundo de Deus?

Você pode me fazer o favor de explicar o que é uma “abelhinha abelhuda”?

-- Hummm! Deixa ver! Lá no dicionário tem um verbete que diz assim: “Abelhudo: adj. Curioso; metediço; indiscreto; astuto; cheio de pressa; ativo”.

-- Nooossssaaaaa! Para explicar uma palavrinha só você vem com um montão de outras palavras, cada qual mais complicada ainda?

O que é “adj.”?

-- “Adj.”, sua abelhinha curiosa, é uma abreviatura!

-- E o que é essa tal de abreviatura?

-- É quando a gente está com preguiça de pronunciar uma palavra, por inteiro, e resolve usar apenas algumas sílabas ou letras dela!

-- Ah! Entendi! E o que é que quer dizer essa abreviatura, “Adj.!

-- É a abreviatura de “adjetivo”!

-- Adjetivo? E o que é adjetivo?

-- Adjetivo é uma palavra variável que acompanha um substantivo, qualificando-o ou modificando-o!

Com esse montão de perguntas você está se mostrando uma abelhuda de verdade!

-- Porquê?

-- Porque abelhuda é um adjetivo qualificativo! Isto é, é uma palavra que significa que “um alguenzinho” que eu conheço é uma abelhinha muito curiosa. É um verdadeiro poço de porquês! E, ainda por cima, um poço voador!!! Puxa!

-- Está bem! Mas, vamos deixar pra lá esse tal de adjetivo que é muito complicado para a minha cabeça. Agora, explique! O que quer dizer “verbete”?

-- Ah! Meu Deus! Onde fui amarrar minhas cabritas?

-- O que? Você também cria cabritas? Que legal! Quero ver uma de perto!

-- Não! Nada disso! É apenas uma forma de falar! Uma expressão! Só isso! Uma expressão!

-- Está bem! Mas, e o tal de “verbete”?

-- É um recurso usado nos dicionários, para assinalar o conjunto de vários significados de uma palavra.

-- Puxa! Você é um sabedor e tanto! Né? Quero ser assim também! Uma sabedora!

-- Não é sabedor, que se diz! É sábio! E eu não sou sábio, coisa nenhuma! Isso é coisa que se estuda na escola. Quando uma pessoa estuda gramática aprende todas as particularidades da língua do país onde ela vive, ou nasceu!

-- E, tem mais! O feminino de sábio não é sabedora e, sim, sábia! Entendeu?

-- Mas, no reino das abelhas, as escolas não ensinam nada disso! A gente aprende a voar, a perceber o perfume das flores, a identificar o melhor pólen, a escapar dos pássaros, aranhas e louva-deuses!... Nas aulas de Educação Física, aprendemos Artes Marciais e lá, eles nos ensinam a aplicar ferroadas nos lugares onde a picada é mais dolorosa...

-- Nos lugares que as abelhas costumam freqüentar, outros insetos que são bem malvados também aparecem. E os “louva-deuses” são dos piores!

-- É, querida, mas a gramática é um conjunto de regras que servem para nos ensinar a falar e a escrever bem a nossa língua. Diga-se de passagem que o Português é uma língua bem difícil e quase todo mundo dá a sua escorregadinha. Assim, vamos errando e aprendendo! Não é correto falarmos “louva-deuses”!

-- Então, como é que se diz, quando falamos numa porção de bichos desse tipo?

-- Ah! O correto seria dizer “os louva-a-deus”. Mas, há pouco tempo atrás, os especialistas na Língua Portuguesa retiraram esse tracinho que separa as palavras compostas, chamado “hífen” e, agora, temos que nos acostumar com a forma “os louva a deus”! Entendeu?

-- Sim, entendi! Mas também entendo que, contra eles, só mesmo a Arte Marcial e a agilidade para usarmos nossos ferrõezinhos doloridos! Hihihihihihihi!

-- Ah! Sei! Mas você não anda procurando exercitar esse negócio de artes marciais de abelhas por aqui! Não é?

-- Não! Eu não quero picar ninguém! Isso é coisa das abelhas adultas e eu ainda sou uma abelha criança! Por isso sou uma abelhinha!

-- Está bem! Mas, agora sou eu quem quer saber de algumas coisas! Como é que você veio parar aqui. Como é que você aprendeu a falar a língua dos homens? Estou curiosíssimo para saber dessas coisas!

-- Então, preste atenção! Vou explicar!

Na verdade, não sou uma abelha qualquer; dessas comuns que andam por voando por aí! Eu sou uma abelha menina, ou melhor, uma menina abelha!

-- Menina abelha? Abelha menina? Fala isso de novo! Por favor, não me confunda!

-- Então, se quiser, não acredite! Agora, fique quieto, se quiser ouvir a minha história.

-- Como ia lhe dizendo, sou uma menina! Acontece que minha casa fica em uma cidade muito longe daqui e, na minha condição de menina, estudo em uma escola onde sempre tem comemorações de datas importantes ou de festas populares.

No carnaval, resolveram fazer um baile para todos os alunos e familiares e, nesse baile, os alunos deveriam ir fantasiados.

Assim como você, que sempre desejou poder ter os seus próprios sonhos, eu sempre tive a vontade de ser abelha, em vez de gente. Achava a vida das pessoas muito chata. Vejo os meus pais e os pais dos meus amigos, sempre cansados, passando quase o dia inteiro fora de casa cuidando de um tal de “trabalho”.

Eu também gostaria de ter um trabalho, mas não assim como o de gente grande! Gostaria de trabalhar como as abelhas, voando de flor em flor, respirando aquele perfume delicioso e passando minha vida inteirinha comendo do mais puro mel! Que maravilha? Não acha?

-- Prossiga! Estou ficando bem interessado nessa história sua!

-- Pois é! Meus pais sempre souberam que meu maior desejo era o de ser uma abelha e, pensando nisso, para a festa do carnaval, da escola, ganhei uma fantasia. Quando abri o embrulho, quase caí para trás! Era a minha fantasia! A fantasia de abelha! Fiquei pulando de alegria!

Lá na festa, foi o maior sucesso! Todo mundo gostou da “abelhinha” e eu, toda prosa, ficava fingindo que nem era comigo!

Depois de tudo acabado, quando já estava quase dormindo e meu olho direito já bem pregado, com o que restava, de aberto, do olho direito, percebi uma luzinha esvoaçante na penumbra do meu quarto!

Aí, não agüentei e acabei arregalando os dois olhos! Até perdi o sono e esqueci o cansaço que ganhei da festa!

Foi o maior barato! Sabe o que era a tal luzinha?

-- Nem desconfio! Conta! Estou curioso!

-- Pois é! Eu também nunca imaginei que me fosse acontecer uma coisa dessas! Foi uma surpresa muito grande! Muito grande, mesmo!

Sentei na cama e fiquei observando a luzinha esvoaçando pra lá e pra cá! Dava uma paradinha de nada e continuava, sem fazer nem um barulhinho!

-- De repente, a luzinha parou bem ao pé da minha cama e foi se modificando até tomar forma! Não demorou nadinha e aquilo foi se transformando em uma linda menininha toda cheia de pontinhos brilhantes, no vestido!

Era uma menina tão pequenininha que até parecia um beija flor! Uma graça! Foi aí que percebi que ela estava com duas asinhas nas costas e lembrei de umas, assim, que já tinha visto nos livros de história.

Quando você era menino, algum dia lhe falaram sobre a história de um garoto que não queria crescer e que morava num lugar chamado “Terra do Nunca”?

-- Lembro sim! No meu tempo de infância, essa história fazia um sucesso danado! O menino era o Peter-Pan e tinha, também, uma menina que se chamava Wendy! Não é isso?

-- É isso mesmo! Então você sabe do que estou falando! Aquela coisinha luminosa que esvoaçava no meu quarto, era uma fadinha! Uma fadinha de verdade! Vidinha é o seu nome!

Ela me disse que era prima da Fada Sininho”, aquela que era amiguinha do Peter-Pan e da Wendy!

-- Puxa! Eu bem que gostaria de estar lá para ver isso! Daria uma bela história para um filme do Walt Disney! Não acha?

-- É mesmo! Acho que muitas crianças iriam gostar!

Depois que se apresentou, falou sobre os motivos pelos quais ela estava àquela hora da noite, esvoaçando pelo meu quarto.

-- E por que foi?

-- Bem ela falou sobre uma festa que acontece numa Lua Cheia do mês de maio, ou junho, um tal de Festival de Wesak. Disse que nesse festival, todas as fadas, duendes, e gnomos precisam fazer o dobro de boas ações.

As fadas passam o tempo todo fazendo isso, mas durante esse festival precisam fazer mais ainda. Aí, então, elas costumam se reunir e ficar observando aqui em baixo, o que é que as pessoas estão desejando.

Se as pessoas tiverem desejos bons, sobre coisas ligadas ao amor, à alegria, a ajuda ao próximo, ao respeito pela natureza, pela paz, pela harmonia e outras coisas assim, elas ficam felizes em transformar tais sonhos em realidade.

Disse que, nessas reuniões, escolhem os desejos mais agradáveis para elas e colocam todos dentro de um saco feito com fios prateados.

Na hora certa, quando ouvem o sino das magias tocando, elas sabem que está no momento de fazerem a escolha dos melhores, para serem transformados em realidade.

No meu caso, é um desejo duplo!

-- Desejo duplo! Quer explicar isso!

-- A fadinha disse que é muito raro e, por ser raro, elas todas querem vir fazer a magia e, por isso, a Fada Madrinha, numa cerimônia com um ritual muito bonito, faz a mágica da sorte para definir qual a fadinha que vem fazer esse bem feito.

-- Assim, elas ficaram observando os homens aqui na Terra e descobriram dois desejos que acharam “sensacionais”!

-- E quais eram eles?

-- Hummmm! Deixe ver!

O primeiro, era o de uma menininha que tinha um grande desejo de virar uma abelhinha, mesmo que fosse só por um dia. Queria viver um pedacinho da vida, voando e pousando sobre as flores. Já tinha até inventado uma brincadeira como a da “amarelinha” em que iria ficar pulando de flor em flor, conforme as cores delas... Ia ser um barato!

-- Está bem! Estou começando a entender! E o outro desejo!

-- Bem! Esse era mais complicado, mas a magia delas poderia, sem muitos problemas, tornar real!

-- Mas em que consistia esse desejo?

-- Era o desejo de um homem que não podia sonhar! Ele tinha uma vontade enorme de experimentar, pelo menos, um sonhozinho de nada, que fosse! Mas, coitado, não sabia como fazer para sonhar!

-- Ué! Mas, então, esse homem sou eu?

-- Em carne e osso, meu velho!

-- E o que tem, então, esse sonho duplo, de tão especial assim?

-- Elas juntaram a fome, com a vontade de comer! Perceberam que o desejo do homem era o de poder sonhar e o da menina era o de virar abelha e sair voando por aí...

Entenderam que ambos os desejos eram dois sonhos e que poderiam ser reunidos, por isso, sonho duplo! Quando aparece um sonho assim, a fadinha que os realiza, parece que ganha uns pontinhos a mais lá no caderninho dela!

-- E onde é que está o amor, a paz, a harmonia, e aqueles outros atributos dos quais ela falou?

Ah! Isso ela deixou para o final! Disse que o tal homem tinha uma queda por uma netinha dele, que há muito tempo não via. Na verdade, a fadinha sabia que o homem era maluco por aquela neta. Maluco, de verdade! E a saudade dela, já estava maior do que o Pão de Açúcar e o Morro da Urca, juntos!

Foi aí, que uma outra fadinha lembrou: Ora! Se o homem quer sonhar e a menina quer virar abelha, podemos fazer isso sem muitas dificuldades! Se ela for transformada em abelha, poderá voar até onde está o avô dela e os dois poderão se encontrar, no mesmo sonho! O que vocês acham!

A pergunta foi respondida com uma salva de palmas que até acordou um mago, bem velhinho, que o pessoal chamava de Merlin.

Esfregando os olhos, com aquele chapéu enorme todo enfeitado de cometas e estrelas coloridas, foi logo perguntando:

-- Meninas! Que zoada toda é essa? Onde vocês pensam que estão? Num estádio de futebol para ver a Copa do Mundo? Foi gol, por acaso?

-- Não, Mago! É que nós descobrimos um jeitinho de fazer duas boas ações de uma vez só! Vamos transformar dois belos desejos em realidade!

-- O Mago Merlin, ao ouvir a resposta das fadinhas, não coube em si de contente e, batendo palmas, voltou para a sua cama, não sem, antes, dar seu assentimento. É que esquecemos de dizer que Merlin era um dos organizadores do Festival de Wezak e isso era ótimo para ele...

-- Bem! Então, pelo que estou entendendo, se eu sou o tal homem e o tal homem é o avô, isso quer dizer que você é a meninha que acabou virando a abelhinha e voou até aqui e eu sou o seu avô?

-- Trocando em miúdos, isso quer dizer que você é o meu vô e eu sou a sua neta Júlia! Viu só o que a Fada Vidinha fez? Transformou os nossos sonhos em um só e o resultado está aqui! Nós dois juntos e conversando sobre toda essa história mágica! Que belezura! Não Acha?

-- Sim! Acho! E estou muito feliz por tudo o que está acontecendo. Desse jeito, até já estou pensando o quanto foi bom não ter podido sonhar nunca!

-- E por que acha isso?

-- Porque esse é o meu primeiro sonho e não poderia ter tido um outro assim, tão importante. Afinal, quem está passeando no meu sonho é você! A minha netinha querida! Poderia haver um outro melhor do que esse?

A abelhinha, toda envergonhada, por instantes, ficou meio cor de rosa e, aos poucos, foi retornando ao amarelo com listinhas pretas, que são as cores com que as abelhas se vestem.

Nessa altura dos acontecimentos, a Abelhinha Júlia estava pousada no joelho do seu avô, quando ele perguntou:

-- E como vai a sua irmã, a Joana? Também queria ser abelha?

-- Minha irmã está ótima! Está espichando bastante e logo, logo vai virar uma adolescente! Ela é dessas meninas todas certinhas! Adora ficar lendo livros e escrever poesias! Eu acho que quando estiver grande, vai acabar virando escritora ou poeta! Tem todo o jeito de quem quer ser sabichona!

-- É muito estudiosa, tira boas notas na escola e está bem enturmada com o grupinho do “volley”. Nós duas, agora, estamos tomando aulas de “jazz”!

-- Quando você voltar para a sua casa, diga que também sinto saudades dela e que fico muito feliz por ela ser dedicada e por ser afeiçoada aos livros e à arte de escrever. Diga que lhe mando um beijão carinhoso!

-- Está bem! Vou dizer, sim!

O avô e a neta abelhinha estavam com a conversa nesse pé, quando, toda sorridente, apareceu diante dos dois, a fadinha.

-- Que beleza esse encontro! Todas nós estamos reunidas assistindo tudo o que está acontecendo com vocês dois!

O Mago Merlin ficou tão satisfeito com isso que nos autorizou a vir completar o serviço!

-- E o que é que está faltando, perguntou o homem?

-- Ficou faltando transformar a abelhinha na netinha de verdade!

Em seguida, agitando a varinha de condão sobre a Abelhinha Júlia, proferiu algumas palavras mágicas...

“Karazim-lundundin-tikitin! Karazão-lundundão-tikitão! Karazaz-lundundaz-tikinaz! Zaz-zaz-zas! Zaz-zaz-zaz! Zaz-zas-traz!!!”

Mal acabou de proferir o formulário mágico, os efeitos começaram a acontecer:

As antenas e as patinhas da abelhinha começaram a espichar, agitando-se como se fosse numa espécie de dança! Aos poucos, já dava para se ouvir uma musiquinha. Era alguma coisa parecida com o “jazz”.

Não demorou muito e a abelhinha dançante foi se transformando e, logo em seguida, pronto! Júlia em pessoa apareceu, toda sorridente e feliz, diante do avô todo feliz e emocionado.

Quando os dois se viram, frente a frente, correram para um abraço do tipo matador de saudade... Estavam tão felizes que nem perceberam que, ao redor deles, sorrindo e batendo palmas, estavam a Fada Madrinha, com todas as fadinhas e, no meio delas, o Mago Merlin, com suas barbas e o aquele bigodão enorme e um unicórnio cor de rosa, todo sorridente, também...

Olhando com ternura para o avô e a neta, abraçados, o Mago falou em tom suave e paternal:

-- Meus filhos! Todos nós estamos felizes por termos tido a oportunidade de realizar esse sonho duplo. Gostaríamos de poder realizar sonhos assim, todos os dias pelo mundo dos homens. Mas, parece que a maioria das pessoas não tem muitos desejos parecidos com o de vocês!

Como o nosso reservatório de magia está quase inteiro, por falta de sonhos bonitos como esse, vamos gastar mais um pouquinho da nossa magia, com vocês dois!

O avô, o homem que não sonhava, de agora em diante, vai poder sonhar todas as noites! A netinha, quando quiser esvoaçar pelas pradarias floridas poderá voltar a ser a mesma abelhinha de hoje. Sempre que quiserem, basta lembrarem da fadinha, da Fada Madrinha ou de mim, Mago Merlin às suas ordens!

Quando quiserem nossa ajuda, imaginem-se envolvidos em uma luminosidade violeta e peçam para lhes darmos um belo sonho com muito amor, harmonia e paz!...

Ah! Ia esquecendo de dizer: Quando quiserem se reencontrar, noutros sonhos, não se esqueçam das palavras mágicas: “Karazim-lundundin-tikitin! Karazão-lundundão-tikitão! Karazaz-lundundaz-tikinaz! Zaz-zaz-zas! Zaz-zaz-zaz! Zaz-zas-traz!!!”

Eu lhes abençôo com o poder da Luz Violeta!...

As fadinhas se despediram e, sorridentes, saíram, rindo e tagarelando...

Desse dia em diante, Júlia e seu avô passaram a se encontrar nos sonhos e assim, conseguiam regular as saudades.

E ficaram felizes por muito tempo, sempre com a ajuda amiga da Fadinha Vidinha, da Fada Madrinha e do Mago Merlin...

F I M

Amelius
Enviado por Amelius em 06/06/2013
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