CÓRREGO DE VIDA

Certa vez subiu a um monte uma mulher e se pôs a chorar. Chorava um amor que havia guardado a sete chaves em seu coração e nunca havia revelado. Já havia chegado sua maturidade sem sentir nem sombra do que experimentará.

Casou-se como convinham às mulheres de sua época. Teve filhos, e ao enviuvar, procurou saber de seu primeiro e único amor. Descobriu que este viveu sua vida inteira recluso e triste, desde o dia em que descobrira que ela iria se casar, embriagou-se até a chegada de sua prematura morte.

Ela ficou lá dias e dias chorando silenciosamente a dor de cada momento que perdeu com seu amor, por ter guardado para si seus sentimentos.

Suas lágrimas formaram um pequeno córrego que encontrava as águas de um rio, que abastecia seu vilarejo.

Algo passou acontecer repentinamente na sua pequena cidade. Ao beber da água que vinha do rio, as mulheres saiam a confessar seus sentimentos e amores. Tudo mudou desde então na aldeota, houve desordem e muitos conflitos, como se é de esperar. Era difícil entender aguda sinceridade, vinda de mulheres recatadas, resignadas, profanas e até religiosas.

Após dias e dias de choro, a mulher parou, desceu quase desfalecida do monte. Porém, viu no seu retorno alguma coisa diferente no ar. Muitos homens tentavam falar de seus sentimentos. As mulheres não haviam mudado totalmente suas vidas, mas pareciam aliviadas. Elas deixaram os sentimentos mais profundos de seus corações saírem, e a dor de guardarem só para si o mais sagrado, o mais belo de suas vidas.

A mulher então se deitou para partir, já sem forças e vontade de viver. E na sua mão foi encontrado um bilhete com seu último desejo; “Desejo ser enterrada ao lado de meu marido com quem vivi minha vida inteira, pois já encontrei de volta meu amor...”.