Os Sete

Primeiro dia

Enquanto você vive sua vida, tentando ser bom e normal, eles alimentam seus desejos com o fogo que te consome por dentro. Pois, por tudo que é gostoso, paga-se um preço. Mas quando eles dormem... Você não deseja nada.

***

Era uma manhã calma e pálida na morada da perdição onde habitavam os sete Masters, eles eram os desejos considerados os mais corruptos do Homem, conhecidos como os Sete pecados capitais.

Todos eles estavam sentados à mesa comendo calmamente, exceto a luxúria que se encontrava ausente, sua ausência era quase palpável, já que ela não costumava atrasar-se, era sempre a primeira a chegar e a última a sair, alias, nenhum deles costumava atrasar-se.

Foi nesse exato momento que um grito tão estridente e profundo que quebrou os cristais da mesa, reverberou pelo ar quase parado da manhã, acordando até mesmo a morte, vizinha dos sete.

Mais do que depressa os Seis dirigiram-se para o quarto da Luxúria, que estava com a porta semiaberta, o que indicava que seu amante mortal da noite, já havia se retirado.

Ela se encontrava de costas para a porta, por isso não pode ver e nem notar a presença de seus companheiros. Lux soluçava baixinho e chorava copiosamente enquanto mirava-se em seu espelho de ouro incrustado com rubis, vermelhos e intensos como sua mestra.

A inveja foi a primeira a notar o motivo de tanta agitação.

- Cruzes! Que diabos aconteceu com seu rosto? – perguntou ela com um grito estridente.

A face de Luxúria, antes lisa como um pêssego, agora estava enrugada como uma uva passa, seus olhos, antes vivos e brilhantes, agora eram opacos como os de um peixe morto, e seus cabelos, outrora sedosos como a mais rara seda, estavam quebradiços e cheios de pontas duplas. Mas a pior mudança acontecera em seu corpo, que se transformara das mais belas curvas do mundo, para uma coisinha pequena e retorcida.

Não havia nada que eles pudessem dizer que a acalmasse, já que também não faziam ideia do que poderiam fazer, isso era, de fato, algo sem precedentes, pois nunca antes um dos Sete havia adoecido e o estado visivelmente frágil dela criou um desconforto maior do que eles se permitiam demonstrar.

Na Terra, o dia transcorria um tanto incomum, pois as lojas “sex-shop” assim como as de lingerie e qualquer outro tipo de produtos eróticos, estavam vazias. Os canais pornôs registravam zero de audiência e as revistas sensuais como Playboy e Sexy não eram adquiridas, ninguém entendia, as pessoas simplesmente não tinham vontade e nem desejo de possuir essas coisas.

Alias, ninguém tinha interesse algum por coisas que estivessem relacionadas ao sexo como manifestação da Luxúria.

E naquela noite, não houve sexo na Terra.

Segundo dia

Enquanto você pensa que entende algo na eterna busca de si mesmo. Eles te confundem ou te guiam por caminhos não tão seguros e lhe concedendo sonhos doces. Mas quando eles já não existem para serem culpados por suas falhas, a quem você culpa?

***

Na mansão dos Sete o clima era tenso, todos estavam apreensivos, a Gula sentara-se em uma mesa e cercara-se de suas guloseimas devorando o máximo delas que conseguia por minuto. A Avareza estava trancada em seu quarto, sentada sobre seu cofre de diamantes, de olhos fixos na porta e murmurando incoerente e periodicamente que: “ninguém levará meus preciosos”.

A Ira, que na verdade era ele, quebrava tudo aquilo em que colocasse as mãos, gritando que “a Luxúria é uma odiosa que fez por merecer e nele, ninguém encostava”. Já o Orgulho sentava-se calmamente em seu divã preto, enquanto observava com desdém o desespero de seus companheiros, afinal, em seu orgulho, ele não admitia que algo, ou alguém, pudesse algum dia vir a molestá-lo, “seria muita ousadia, claro”.

A Luxúria deitara-se em seu leito e adormecera após tomar várias doses de calmante tarja preta, já que ela estava inconsolável. E a preguiça, bem, ela previsivelmente, dormia tranquila sobre seu travesseiro de penas de ganso, murmurando que “já não se pode dormir em paz nem mesmo em um universo paralelo, onde esse mundo vai parar...”.

E a Inveja, bem, a Inveja que havia passado a noite jogando cartas com o mais próximo de uma amiga que um dia teria - a Morte - agora se dirigia para seu delicioso dossel, onde um sono e confortos merecidos a aguardavam.

Mas, ao passar por um espelho no corredor dourado da mansão ela se deparou com uma visão traumática e perturbadora, sua linda pele de anjo estava cheia de furúnculos, seus olhos estavam brancos e vítreos, seus cabelos eram um chumaço no topo da cabeça, onde antes encontrava-se um coque exuberante, e seu corpo tinha o aspecto de uma caveira de tão magra.

Ela gritou e correu pela mansão brilhante com os braços para o alto agitando-se freneticamente, enquanto fugia das longas paredes de espelho que ela tanto amava, mas que agora a torturavam, até a casa da morte para pedir-lhe satisfações do que “diabos acontecera com seu lindo e perfeito corpo”.

- Mas sobre que diabos é todo esse escândalo – perguntou a Morte por trás da porta fechada de sua mansão – clichê – gótica.

A Inveja quase riu, quase, quando viu o estado da Ardilosa, afinal não é todo dia que se tem o privilégio de ver a morte em sua roupa de dormir calçando nada mais, nada menos do que pantufas de porquinhos adoravelmente cor-de-rosa.

- E então? – perguntou a Morte calmamente.

- Você não vê? – perguntou a Inveja aos soluços.

- O que deveria estar, supostamente, vendo? – prosseguiu a Infalível em sua típica voz fria e baixa, de braços cruzados e sobrancelhas arqueadas.

- Meu corpo! Meu rosto! Deformados! Destruídos! – gritou a Invejosa gesticulando freneticamente.

- Mas não há nada de errado com eles, parecem exatamente os mesmos para mim – retorquiu a outra dando de ombros.

- Como é que é? – perguntou a Inveja histérica.

- Você parece a mesma de sempre para mim.

- Não é possível... Só um minuto.

A Maldosa então sacou de seu bolso um celular roxo cromado de ultima geração e discou.

- Orgulho querido, você pode vir aqui na Morte por um instante? – começou ela controlando-se para não começar a gritar feito uma chita maluca

- Sim – respondeu o orgulho desligando em seguida.

Em poucos minutos – que foram preenchidos por muito silêncio por parte da Venenosa e da Sempre-temida – o Orgulho encaminhava-se para a “Obscura e apavorante assassina da arquitetura que faria os designers do mundo todo remexer-se em suas covas” que era como ele sempre se referia à casa da Morte. Ele bateu na porta e iniciou sua batucada impaciente com o pé direito.

Não demorou muito para que a morte aparecesse em seu vestido preto espartilhado - estilo Mortícia Adams – típico, e sua cara de tédio e malicia costumeira.

- Entre. – disse ela fazendo um amplo gesto, indicando o quanto achava aquilo ridículo.

Ele passou pela Morte dirigindo-se ao sofá onde se encontrava a Inveja.

- Jesus Cristo, Maria e José! Você consegue estar pior que a Lux! Vou é manter distância, não quero nem saber dessa macumba! – dizendo isso ele se encaminhou a passos largos e rápidos em direção a mansão.

- Vê? – indagou a Venenosa através do choro.

- Sim. Acho que não vi a mudança porque sempre a vi como você realmente era, essencialmente falando, é claro – respondeu a Terrível sorrindo em sua maior demonstração de humor afrodescendente.

- EU NÃO SOU FEIA! Sua...Sua...Sua invejosa! – gritou a inveja indignada.

A Morte simplesmente levantou a sobrancelha esquerda, cruzou os braços e ficou com cara de quem diz “mas esse não era o seu trabalho?”.

Mas a Inveja não quis saber da opinião da ex-amiga, por isso ela partiu correndo o mais rápido que podia para seu próprio quarto onde se trancou o resto do dia por vergonha, e adormeceu após horas derramando lágrimas que poderiam ser o suficiente para irrigar o Nordeste. Pois para ela, ficar feia era inconcebível e atualmente nem Botox resolveria seu problema.

Naquele dia, na Terra não houve cobiça, as pessoas viviam normalmente, mas já não havia o brilho venenoso da inveja em seus olhos e elas já não desejavam subir no emprego só para serem melhores que seus vizinhos. Mas a mudança mais notável era, naturalmente, nas mulheres, pois elas não assistiam mais novelas invejando o corpo das atrizes e coisas do tipo.

E naquela noite, ninguém fez fofoca na Terra.

Terceiro dia

Enquanto você tenta encontrar as soluções, eles te apresentam maravilhosas distrações, mas como tudo elas possuem um preço. Você está disposto a pagar pelo entretenimento “proibido”?

***

A madrugada transcorreu como a anterior, cheia de tensão e medo por parte dos Masters restantes, já que agora a coisa toda provara-se uma epidemia e não um caso isolado.

O medo era quase palpável na mansão dos prazeres, todos os Sete estavam trancados em seus quartos divinos, pois, acreditavam que a tal doença misteriosa só podia ser contagiosa, já que eles não faziam a mínima ideia do que se tratava, ou de como acontecera, e muito menos o por que. Tudo o que eles sabiam é que era nojento, muito nojento.

A Avareza adormecera de cansaço sobre seu lindo relicário de ouro maciço e ao acordar percebeu que suas lindas sandálias Prada adquiridas em uma liquidação super exclusiva, eram agora horríveis e seu digníssimo relicário estava vazio. Além disso, o dinheiro sob o colchão sumira, assim como do cofre e, como com os outros Absolutos, sua aparência também sofrera reveses, e se possível ela estava ainda pior que a Luxúria e a Inveja, pois agora era como uma caveira descarnada. Sua pele parecia ter sido sugada para o seu interior, como uma viciada em crack em estado terminal. Sentia-se horrível e perigosamente parecida como uma talentosíssima cantora que morrera por seu vício, Amy-sei-lá-o-que.

Ela se sentia a mais infeliz das criaturas após a descoberta de toda essa tragédia digna da tragédia grega antiga, mas o que a deixava ainda pior, era a lembrança alucinante de seus pesadelos noturnos, nos quais gastava todas as suas economias em compras num shopping qualquer, tornando-se assim uma pobre miserável.

A toda Mão-de-vaca decidiu que sua miséria e estado deploráveis eram vergonhosos e humilhantes, por isso optou por ficar por ali mesmo, trancafiada em sua linda suíte afogando as mágoas em um par de brincos de diamantes que ali apareceram enquanto ela dormia, como um lembrete doloroso – e lindo – de toda sua fortuna perdida.

A Super-mão-fechada não sabia quem, ou o que, os estava maltratando desse jeito, mas quando ela pusesse suas mãos nele, ou nela, nunca mais essa criatura teria o prazer das compras!

Na Terra, as lojas de todos os tipos e gêneros se encontravam lotadas, assim como sites como e-bay, mercadolivre, submarino dentre outros de compra instantânea. Os vendedores estavam exultantes, pois não paravam de vender, chegando ao ponto dos estoques de produtos se esgotarem. Pessoas que nunca gastavam, hoje torravam todo seu dinheiro com trivialidades.

E naquela noite, ninguém escondeu dinheiro sob o colchão na Terra.

Quarto dia

Enquanto você xinga, se descabela e grita coisas sem sentido. Eles te untam com toda a raiva do mundo por coisas banais. Mas se isso já não acontece, você está sozinho com sua raiva bestial e ninguém para culpar.

***

O dia amanheceu silencioso e agourento na mansão dos prazeres. Os empregados dos sete – que eram fadas e demônios de hierarquia inferiores – estavam confusos e preocupados, afinal, se os Masters que eram os supostos fodões adoeceram, o que não aconteceria a eles, que eram chamados de seres inferiores e por alguns considerados até mesmo desprezíveis...

Mas eles sabiam o que aconteceria com eles se tentassem fugir e sair de fininho correndo para a colina mais próxima gritando “Salve-se quem puder”. Tão logo ficassem saudáveis novamente, SE ficassem, os Sete partiriam em busca de cada um deles e não parariam até localizar e exterminar a todos.

Por isso, tudo o que os serviçais podiam fazer era esperar por uma conclusão de tudo aquilo, de preferência o fim de seus chefes odiosos, apesar de saberem que as chances disso realmente acontecer eram mínimas, já que isso afetaria diretamente o equilíbrio cósmico.

E naquela manhã a mansão dos Sete tremeu como nunca antes desde o início dos tempos, pois, a Ira estava simplesmente furiosa, endemoniada, louca da vida e doidinha pra passar dessa para melhor – ou pior, no caso – aquele ou aquela que havia pichado seu lindo quarto com tintas coloridas e fluorescentes. A bela parede que antes era pintada de dourado e bege de forma bela e harmoniosa, agora estava toda corrompida e feia, com frases e cores esdrúxulas. Além disso, ainda tinha o fato de terem cortado seu lindo cabelo loiro platinado. Ela estava simplesmente “de matar”, literalmente, afinal, qualquer um que ousasse atravessar seu caminho, estaria fadado a aniquilação imediata.

Ela não conseguia pensar em ninguém que seria louco – ou burro – o suficiente para provocá-la, afinal, com a Ira não se brinca, a menos é claro, que se deseje morrer.

Agora já eram quatro os Masters incapacitados, o que fazia com que os restantes ficassem apavorados, o que causou a frustração de Dona Morte, já que a bela e perfeita loira era quem recebia as visitas dos desesperados pecados, que em sua direção corriam em seu medo buscando alguma explicação que a mesma não tinha, e se tivesse, talvez não a dissesse por mero deleite.

Na Terra, não haviam brigas, somente discussões leves e moderadas, pois a Ira, apesar de não estar incapacitada como seus companheiros, estava ocupada demais em sua busca e frustração próprias, para dar a devida atenção ao seu trabalho, logo, havia mais tranquilidade do que nunca pelas bandas do reino terrestre.

E naquela noite, ninguém xingou no trânsito e nem ofendeu a mãe do outro com nomes feios na Terra.

Quinto dia

Quando você deseja algo que não possui força de vontade suficiente para buscar, você os culpa, lançando lhes seus fracassos. Mas quando eles já não podem ser acusados, a quem você culpa por suas desditas?

***

Uma chuva torrencial e inatural castigava a chibatas a mansão dos Sete, como se fosse um reflexo do humor dos próprios Masters, que se pudessem, destruiriam tudo.

- Equilíbrio! Quem é que precisa de equilíbrio? – afirmava o Orgulho de dentro de seu impecável Armani Negro – Quem foi que disse que precisávamos respeitá-lo? – refletia ele nervoso.

Trovões ressoavam retumbantes. Por toda a parte o clarão dos raios iluminava cada canto obscuro da mansão, que, além de tudo, encontrava-se sem energia elétrica devido ao mal tempo.

Aliás, até mesmo a reclusa e não muito social Ceifadora divina se encontrava banida a escuridão e a luz fraca das velas e lanternas.

- Humpf! Tanta evolução por parte desses macacos e ainda ficamos sem luz à menor menção de tempestade... – disse a mais temida visitante ao entrar na casa Sétima.

No mesmo instante em que essas palavras deixaram seus rubros lábios, um raio atingiu o grande carvalho que ficava ao lado da calçada que ligava ambas as casas, cortando-o ao meio.

- Bem vejo pequena tempestade – disse o Orgulho revirando os olhos.

- Como se encontra o clima psicológico aqui hoje? Queria tanto uma – ou mais – taças de vinho... – disse ela batendo as pestanas de forma sensual.

- Você sabe que feriria meu ego cair num truque tão primário quanto este, não? – respondeu ele cruzando os braços.

- Foi o que pensei...Então...Esse vinho sai ou não? – pergunta ela bufando.

- Sirva-se você mesma. Quanto ao clima, que eu saiba, nada de estranho aconteceu hoje. Mas é difícil saber, já que todos estão reclusos em seus quartos.

Dizendo isso ele serviu-se de um copo de Uísque 12 anos e saiu deixando a Obscura sozinha com seu vinho e pensamentos, além de um pequeno rasgo no ego causado por sua desfeita.

No mesmo instante, em um dos quartos da casa, a preguiça abriu de chofre as pestanas, levantou-se de um pulo e começou a organizar tudo em seu quarto, que aparentava ter sido explodido por uma bomba.

Sob a cama estavam perdidas e cheias de germes, caixas e mais caixas de alimento pronta-entrega, advindas sabe-se lá de que fluxo temporal. E ela livrou-se de tudo, deixando tudo brilhando de tão limpo.

Mas não era o suficiente, a geralmente Songa-Monga ainda tinha ganas de limpar, cantar e dançar pela mansão toda, por isso colocou seu radinho de pilhas no último e saiu fazendo os três ao mesmo tempo enquanto limpava todo e qualquer canto da Sétima.

A atualmente Incansável incomodou a todos, exceto a Ardilosa que, com muita generosidade, permitiu que a não-mais-preguiçosa lhe fizesse as compridas unhas e o cabelo, mesmo que a luz de velas.

E naquela noite, não houve nenhum tipo de preguiça na terra e as audiências televisivas despencaram a Zero.

Sexto dia

Enquanto você procura de todas as formas imagináveis um corpo perfeito, ele te tenta no ócio a buscar aquele delicioso e irresistível prazer de fácil alcance que explode na boca em sabores irresistíveis. Mas se ele já não te inspira esse anseio, a quem você culpa por seus deslizes gastronômicos?

***

Pela manhã do sexto dia a Gula adoeceu, ou melhor, o Gula, já que apesar do nome feminino o glutão era um homem, baixinho e obeso, de olhos roliços e uma monocelha pra lá de macabra.

Naquele fatídico dia, Gula apesar de lhe levarem os mais diversos e deliciosos pratos não possuía apetite algum e quando, por protesto a sua infeliz condição, cometeu o erro de obrigar-se a ingerir algo, botou até os bofes pra fora, junto de lágrimas salgadas e infindáveis que comoveram a casa toda.

Todos da casa foram amontoar-se no quarto do pobre, que era muito querido por todos eles, já que, contando que sempre tivesse comida ao alcance de seus dedos roliços, era portador de uma personalidade de veras amável e encantadora.

Os Sete, excetuando o belo Orgulho, choravam copiosa e infelizmente suas pitangas, cada um e todos por suas próprias e compartilhadas dores.

Parecia um circo de horror, a histeria era tanta que Orgulho, com modos de quem não quer nada, partiu em direção a casa da Ardilosa “para tomar uma bebida” e “fazer-lhe companhia”.

A Morte, compreendendo o que ele desejava em silêncio, sem se atrever a verbalizar seu pedido, disse-lhe que “não podia ajudá-los” e recomendou-lhe que fizesse um 0800 para o escritório celestial e agenda-se uma entrevista domiciliar com algum dos anjos de plantão.

Cabisbaixo e solitário o Orgulho saiu da casa da bela temida por todos e dirigiu-se ao carvalho partido pela tempestade. De lá fez a ligação para um anjo, colega de bar deu, que trabalhava, por acaso, no escritório celeste.

A conversa foi rápida, pois a situação era gravíssima, mas o escritório só poderia enviar alguém para averiguar a coisa toda, no dia seguinte.

A essa altura a noite já descia pesarosa, seus negros e densos panos sobre a casa sétima. Abalado, o anteriormente inabalável Altivo, dirigiu-se ao seu quarto para “encher a cara”.

-Equilíbrio! Ao inferno com essa merda hic. Malditos anjos...

Do outro lado da casa, em um quarto soberbamente recheado de mini geladeiras que as pessoas de “catiguria” chamam de frigobar, os Seis exuberantes paspalhos amontoavam-se aos choros, ainda chorando suas pitangas, que pareciam não ter fim.

E naquela noite na Terra, ninguém repetiu a janta ou atacou a geladeira durante a noite por mera vontade.

Sétimo dia

Sonhando você delira, enquanto suas vaidades te levam ao limbo inexorável de seus desejos. Preso por sua própria vontade, suas palavras são sua verdadeira prisão e carregam nos braços a vergonha de ser e seu único obstáculo.

***

O dia caiu como um bloco de pedra sobre o Orgulhoso corpo que, de ressaca, chorava como “um bezerro desmamado”.

Era “o fim” pensava ele entre soluços desvairados, afinal todos os poderosos másters haviam sido atingidos por “sabe-se-lá-o-que”, suas reputações impecáveis estariam agora manchadas por toda a eternidade, e suas soberanas existências de trabalho e dedicação, contaminadas.

Infeliz, o Orgulho retirou-se de sua suíte, de roupa, cara e orgulho amassados, e foi encontrar-se com seus companheiros que ainda se encontravam dormindo, as caras vermelhas e inchadas de choro, no quarto de Gula.

Era uma cena tão bonita e carismática que o belo Ostentoso não pode resistir e chorou como um crente fervoroso ao ver o que considera o milagre supremo, ele estava comovido até a raiz dos cabelos.

Lá para o meio-dia o anjo enviado pelo escritório celeste chegou para verificar a situação dos Sete infelizes, já que a coisa começava a ficar realmente feia na terra, e um caos estranho e politicamente – ou melhor, moralmente – correto se estabelecera por toda parte.

Mal deitou seus olhos sob a celestial criatura, o Orgulho lançou-se em seus braços, chorando desesperadamente emocionado por terem se lembrado dele “nesse dia tão lindo em que o sol ilumina as gotas de orvalho de forma magnifica”.

Desvencilhando-se de tal criatura, o anjo, que percebera quão grave era a situação, pôs-se a estudar com o maior afinco possível a coisa toda, mas não haviam pontos de referência em lugar algum, nunca antes acontecera algo desse porte.

Portanto, apesar de passar o dia procurando em seus grimorios e o “diabo a quatro” o encantador anjo não conseguiu encontrar nem a causa, nem a solução. Tendo por fim, que se dar por vencido e dirigir-se ao escritório para comunicar o fracasso e buscar alternativas, antes que “a vaca fosse pro brejo” de vez.

E naquela noite, ninguém segurou o choro na Terra e muito menos escondeu seus sentimentos.

Epílogo

Alguém poderia dizer que aquele era o sonho de qualquer pessoa, moralmente correta, uma paz e uma segurança que raramente eram enfrentadas, só poderia ser mais perfeito se não existissem pessoas que não tivessem a mínima necessidade daquele sopro agridoce e pecaminoso, que os inspirava a cometer os mais bizarros atos, aos quais os fiéis denominavam pecados, pois iam contra os mandamentos Divinos.

Para os anjos, que entraram em parafuso, pois pensaram, quando a crise na dimensão em que viviam os pecados começou, que esse provavelmente seria o fim dos tempos, já que desde que o mundo foi criado, em seus sete etéreos dias – que são bem diferentes dos dias da Terra, por isso, pense bem antes de dizer que foi rápido demais pra tal perfeição... Além disso, bom, quem criou foi Deus então... – de qualquer forma, como ia dizendo, desde que o mundo foi criado, existe o equilíbrio. Luz e sombras, amor e ódio, paz e guerra, alegria e tristeza, doce e azedo... Vida e... Bem, morte. Parece de certa forma, meio clichê falar em equilíbrio e tudo mais que isso abarca, mas eu não me importo, é a verdade tal como conheço e ponto – e eu sei muita coisa.

Pouca gente sabe que sete anos atrás uma doença assolou a dimensão em que viviam os sete pecados e os deixou completamente debilitados, foram meses e meses até que eles pudessem voltar ao normal. Nesse tempo, as coisas na Terra estavam um pouco estranhas e as primeiras duas semanas foram completamente tensas para os anjos – que no alto de suas inocências celestiais realmente acreditavam que o mundo acabaria – mas para mim parecia ser o mesmo de sempre, eles só não sabiam observar com a devida atenção.

Infelizmente para mim, os Sete voltaram a sua plena em uns Sete meses, porém, ficou cada vez mais perceptível o fato de que eles já não eram mais necessários, os seres humanos pareciam não mais necessitar da influência deles soprando coisas más ao pé de seus ouvidos.

Talvez nunca tivessem precisado. Talvez os Sete fossem uma mera formalidade para dar a nós, que “administramos” a coisa toda, a impressão de que estamos no comando, e para os humanos uma mera desculpa para suas falhas, algo para culpar quando eles fazem algo que julgam errado, como “pegar a mulher do melhor amigo” e coisas do gênero.

Para eles, a ideia de pecado ainda está completamente gravada em suas mentes como algo exterior a ser temido, algo que não os pertence, mas que os influência, porém, o que eles não sabem, é que os pecados não estão fora deles, como um diabinho sentado no ombro esquerdo, mas sim estão dentro de suas almas, entranhados em suas essências da mesma forma que aquilo que consideram “o bem”, o “correto”, que nada mais são do que conceitos inventados pela humanidade para denominar coisas que não entendem ou não podem aceitar.

Eu disse que infelizmente eles haviam se recuperado, mas quiçá isso tenha sido um pouco precipitado de minha parte, já que eu realmente fiquei satisfeita quando encontraram a cura pra suposta doença daqueles sete irritantes. Agora eu sei como a Branca de neve se sentiu na casa dos sete anões e, sinceramente, morro de dó dela – exceto pelo fato de que não morro, nunca. Mas enfim, aquelas criaturas malditas não saiam de minha mansão, atrapalhando meu sono e meu serviço todos os dias. Era de matar, tanto que se fosse possível eles já estariam em sua melhor forma: em pó.

De qualquer forma, não importando o que aconteça no universo, em seus últimos suspiros, o Homem sempre verá surgir diante de seus olhos, uma estonteante dama de longos cabelos loiros, vestida com seu lindo vestido negro de ultima moda. Mas como é feio exaltar sua própria beleza dessa forma, vamos somente dizer que: nos veremos mais em breve do que você imagina.

Com ansiedade sincera;

Morte