SERRA NEGRA VII

CAPÍTULO VII

O BOM RAPAZ

Crepúsculo, uma bela palavra utilizada para quando o sol descamba no poente numa época sombria e incerta em que o tempo alinhava um novo futuro. O último dia do ano estava corrido, era necessário apressar a faina diária, por em ordem os objetos de uso, alimentar os animais e outros detalhes que não escapam aos olhos atentos de Francisco. Enquanto ele ultimava as obrigações daquele dia, o seu pensamento vagava pelo tempo afora, indo parar nos anos em que teve o aconchego da avó Joaquina, mãe de dona Santinha. A avó Maria, a mãe do seu pai, falecera quando ele e a irmã eram ainda crianças e guardava dela poucas recordações. O pai, seu Aprígio, desaparecera pelo mundo afora sem deixar o menor rastro. Dizem que ele faleceu em São Caetano de impaludismo. São notícias vagas, carecem de confirmação. A avó Joaquina foi a mais presente, a mais querida e a mais inesquecível dos seus entes queridos falecidos. Nominalmente a casa ficava por conta da avó Joaquina que cuidava dos pequenos netos: Francisco e Rosinha, enquanto Santinha trabalhava fora nos dias de feira, a fim de conseguir dinheiro para o sustento da casa. À medida que o tempo passava, as crianças desarnaram na leitura e nas contas, aprenderam a ler e cresceram em idade. Dona Joaquina também passou com o tempo, tornou-se uma velha remelenta e muito enrugada com o rosto pequeno de uma melancólica castanha de caju e pés cansados que se arrastavam pela casa de piso entijolado. Usava um vestido de bata, marrom ou preto, ela cheirava a café e decadência. A idade desenvolvera nela uma avareza patológica, especialmente em relação a açúcar e café, guardava algum dinheiro amarrado num lenço e desenvolvera feridas fétidas no nariz que, com o tempo, deformavam-no. Francisco, pacientemente a tratava com muito amor e carinho sentindo que a morte da pobre velhinha se avizinhava. A esta altura Francisco e Rosinha já crescidos tomaram rumos diferentes: Rosinha casou-se e foi morar em Bezerros enquanto Francisco assumiu a direção da casa. Nesse ínterim dona Joaquina veio a falecer lúcida e dirigindo palavras reconfortantes à filha e aos netos que estavam à cabeceira da avó agonizante. Dona Joaquina fora uma senhora única de um mundo mofado e remoto, que julgava ser real até aquele momento final. Ao fechar os olhos uma pesada cortina separava a vida daquela velha senhora com a realidade dos seus entes queridos. Francisco acordou-se desta saudosa divagação e sobressaltado fez uma pequena oração em memória daquela avó amada. O dia está morrendo e tudo o que se encontra em torno do jovem rapaz – céu, flores, árvores e água parada do açude – seria mantido num estado vesperal de uma infinda espera, só quebrado aquele silêncio pelo mugido do gado espalhado no pasto, ou por alguma ave agourenta num grito comovente ao longo do caminho, onde uma vasta extensão de terra vai dar num riacho repleto de musgos misturados ao lodo, tendo toda aquela paisagem sendo envolvida na lenta obscuridade que se formava naquela misteriosa região por ocasião daquele campestre entardecer. Francisco, um jovem trabalhador, que na Serra Negra é conhecido por fiel madrugador mal o galo cantava, já o bom rapaz estava, em sua luta diária. Amigo de todos e filho amado, da mãe viúva cuidava, Dona Santinha a mãe, em tudo o ajudava. Jovem rapaz era ele, responsável de bom coração, atencioso e capaz, o bom rapaz era amável, jamais dizia não a quem lhe pedia adoção, capaz e amável, saudava a todos sem nenhuma contradição. Naquele dia ele ultimou o trabalho apressadamente porque precisava descer a Serra para o ano novo festejar com os amigos, deixar a mãe em casa de Rosinha e depois namorar. Terminada a obrigação do dia, lá vai ele todo ancho, em veloz alazão montado, tendo a mãe na garupa, a Serra Negra descia, como um cavaleiro alado, ia direto ao condado. Por onde ele passava, aos conhecidos saudava, enquanto seu cavalo trotava. Pelo desejo tomado, ia o jovem todo animado, ao encontro do ser amado! O nome daquela menina, muito linda e feminina, por Priscila batizada, aquele anjo do céu. Por deus abençoada, é dona de sua estrada, rainha do seu viver. Todo feliz e fogoso, pelo caminho arenoso, seguia Francisco ansioso, por ver a mulher amada. Fora desta jornada, nem pensava em mais nada.

clira
Enviado por clira em 09/05/2012
Reeditado em 22/08/2017
Código do texto: T3658312
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