119 - A TURMA DA BOMBA DÁGUA...

Ultimo ano de faculdade, ultimo semestre, cinco anos longe da família, uma vontade danada de voltar pra casa, foi quando um dos nossos professores resolveu transformar em realidade aquele sonho que sempre acalentava e que sempre adiava, ele comprou uma imensa motocicleta e saiu a rodar, na primeira curva a máquina derrapou e no descontrole caiu sobre a sua perna esquerda esmagando-a, e disto resultou um acréscimo ao seu corpo de mais de uma dúzia de parafusos, algumas placas de platina e uns seis meses de repouso, fisioterapia, muletas, etc.

Às presas a universidade contratou um substituto, ou melhor, uma substituta, uma moça alourada, recém formada, ríspida, durona, não era alta, dona de uma beleza contagiante, dona também de uma firmeza monolítica na condução dos seus propósitos.

Naquela época não éramos bem vistos por fazermos parte de um conjunto musical que treinava em um barracão ao lado de uma imensa caixa dágua, e de imensas bombas de recalque, nosso conjunto musical tinha até um pomposo nome em inglês, mas os invejosos nos apelidaram de A Turma da Bomba Dágua, e por mais que tentássemos nos livrar daquele maldito apelido mais aquilo em nós grudava, impregnava, por fim assumimos, éramos a Turma da Bomba Dágua, com todos os seus defeitos e toda a sua má fama, moços da boemia que tocavam em troca de sanduíches, diziam...

A nova professora ao que parece fora alertada da nossa fama, e que apesar de vivermos na noite tirávamos boas notas, na certa éramos craques na arte de colar, pois estrategicamente sentávamos lá no fundo da classe nas últimas carteiras:

- Nas minhas aulas eu quero que a Turma da Bomba Dágua sente aqui nas primeiras carteiras, por favor rapazes! Nós que gostávamos de Fernando Pessoa tínhamos como lema: Contornar é preciso, confrontar não é preciso, obedecemos, para o delírio da turma.

Tem certos momentos em que sentimos que estamos sendo observados, que alguém está olhando pra gente e não sabemos quem, assim eu me sentia naquele momento, levantei olhos e deparei com os belos olhos da professora ternamente em mim fixados, seus olhos levemente sorriram e ela olhou para outros cantos da sala de aula, despistando.

Aquela nova professora queria mostrar serviços:

- Pesquisem no livro tal da página tal a tal e apresentem uma sinopse na próxima aula!

Já estava começando a odiar aquela moça, mas também já estava começando a amá-la, das vezes na biblioteca perdido entre pesquisas e mais pesquisas ela aparecia toda sorridente:

- Estou gostando de ver vocês aqui...

Sentava ao meu lado, dava algumas dicas de como fazer um trabalho apresentável, quando olhava nos seus olhos um calafrio percorria todo o meu ser, seus olhos transmitia mensagens que o meu coração seguramente traduzia que ela de mim estava gostando, por fim arrisquei:

- Será que tenho uma mínima chance de algum dia ser seu namorado?

- Se você abandonar aquele conjunto musical, ser mais responsável, ou melhor, ter um comportamento de bom moço, com certeza existe uma mínima chance de sermos mais que amigos!

Comecei a faltar aos ensaios do conjunto, por fim cansaram e me substituíram por um estudante gaúcho, um rapaz espiritado, dono de uma energia contagiante, na certa a minha ausência não foi sentida na Turma da Bomba Dágua...

Morávamos perto da universidade, à noite gostava de ficar sentado em volta daquelas mesinhas que ficam nas calçadas em frente aos barzinhos, foi quando vi um carro se aproximar e dele desceram três moças, minha professora e duas amigas, me cumprimentaram, sentaram, conversaram, desconversaram, e as duas amigas com as mais esfarrapadas desculpas teriam que visitar uma outra pessoa adoentada, partiram, neste instante um maluco guiando um imenso carro preto, brecou seu veículo com tamanha violência que derrapando chegou a roçar os pneus na calçada, o moço saindo do carro apressadamente entrou no bar deixando o rádio ligado com o som nas alturas, Eric Clapton cantava... “While my guitar gently weeps”... Ao ouvir aquela música meu coração não resistiu:

- Eu não sei o que o amanha reserva pra nós, mas de uma coisa eu tenho absoluta certeza, seja lá onde eu estiver toda vez que ouvir esta música vou me lembrar de você...

Segurando as suas mãos, lentamente nossos lábios foram se aproximando, um beijo de se perder o fôlego foi incendiando a minha alma por inteiro, e descompassando meu coração:

Ela sorrindo:

- Você nem me pediu em namoro, mas agora isto nem é mais preciso, pois já estamos enamorados. Abraçamos e beijamos tantas vezes que...

No outro dia na universidade o assunto do dia era o nosso namoro, os beijos e abraços foram exagerados, mas seguramente eu estava vivendo os mais belos e os mais felizes momentos da minha vida!

A felicidade é uma coisa estranha e esquisita, das vezes nos visita somente para provar que ela existe, e assim foi...

Convidaram-me para ir até determinado barzinho, onde iríamos tratar de assuntos referentes à festa da formatura, mas lá chegando assim que sentei apareceu uma moça que usava trajes curtíssimos, blusa decotadíssima, toda pintada, nunca a tinha visto antes, inesperadamente se sentou no meu colo, a muito custo consegui me desvencilhar daquela doidice...

Agora, eu, um rapaz surpreendentemente comportado, na sala o meu amor adentra para ministrar mais uma aula, foi quando ela ao abrir a gaveta da sua mesa deparou com alguma coisa estranha que a transmudou, transfigurou e entristeceu... Calmamente ela de mim se aproximou:

- Deixaram na minha gaveta, mas isto te pertence... E me entregou uma fotografia, e nela claramente via aquela moça aloucada no meu colo sentada, me abraçando...

- Posso explicar?

- Não há necessidade de explicações, a foto por si explica tudo...

Nunca mais a professora olhou nos meus olhos, se ela tivesse uma mínima oportunidade certamente teria me reprovado na sua matéria, tentei de todas as maneiras lhe explicar o acontecido, mas tudo em vão, seguimos os nossos caminhos, ela com a sua mágoa e eu com a minha dor, foi quando me lembrei do filósofo alemão Nietzsche que dizia... “Na vingança e no amor a mulher é mais cruel que o homem”...

Que paradoxo! Eu que queria tanto voltar pra casa, agora que estou voltando sinto que não mais quero voltar, todavia tenho que voltar, pedaços meus vão ficar aqui... Para sempre...

Ainda hoje ao ouvir aquela música, do fundo da minha alma doces lembranças do tempo da universidade descontroladamente avivam e ganham cores, meus colegas, meus professores, meus amigos da Turma da Bomba Dágua, mas são as lembranças daquela moça as que mais pesam alma minha adentro, as que mais me entristecem, mas também as que mais me alegram...

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 17/02/2012
Reeditado em 15/04/2012
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