O Futuro Rei

O Futuro Rei - Parte I

- Feiticeiro, descobri qual será meu destino!

O mago olha para mim, sem demonstrar surpresa. Sua mão direita percorre a longa barba branca. Seus olhos são penetrantes e misteriosos. Ele sorri, mas só um tolo veria alegria em seu rosto.

- É mesmo, jovem aprendiz de cavaleiro? Deixe-me adivinhar – ele finge estar pensando – Descobriu que seu destino é ser um cavaleiro?

- Meu destino é ser o Rei de toda a Inglaterra. – Minha tentativa de impressionar, imitando seu jeito tranqüilo de falar, cai no vazio. Novamente, sua única reação é mover calmamente a mão pela sua barba.

- Um destino interessante, sem dúvida. E como foi esta descoberta? Sonhou com um palácio ou um trono, e acordou achando que se tornaria Rei?

- Não, eu apenas descobri o que fazer com os poderes que me ensinou a usar.

- Ah, sim, o poder que despertamos em você na nossa última aula. De fato é raro seu poder de falar com objetos inanimados. – Senti um calafrio percorrer meu corpo ao me lembrar da faca que falou comigo, como uma voz em minha mente – E pretende se tornar Rei com este poder? Se contar a alguém, é mais provável que acabe em uma fogueira que em um trono.

- Não, feiticeiro, não pretendo contar a ninguém. Pretendo usar meu poder para falar com Caledfwlch e descobrir como cumprir a profecia e me tornar Rei. Foi para isto que você veio me ensinar, não? Você disse que eu teria um grande destino, e que você me ajudaria a alcançá-lo.

- Eu disse que alguém nesta casa teria um grande destino, não que seria você. E disse que vim para ensinar alguém. E certamente não disse que vim aqui para ajudá-lo a puxar uma espada cravada no chão.

- Caledfwlch é mais do que isto, feiticeiro. Ela é a espada da profecia. Com ela nas mãos, e você ao meu lado, eu posso sim ser o Rei da Inglaterra.

- Sim – o feiticeiro concorda, balançando a cabeça, pensativo – sim, creio que você pode se tornar o Rei. É até possível que tirar Excalibur da bigorna e da pedra seja de fato seu destino. Mas não espere minha ajuda para isto. Eu vi o futuro, e estar ao seu lado não é o destino de Merlin.

O Futuro Rei - Parte II

- Falta muito para chegarmos em Kelliwic? - durante dois dias, o que meu irmão adotivo mais fez foi se queixar e reclamar. Eu lembro-o uma vez mais que ele só veio comigo porque insistiu, e porque me pegou escapando em silêncio, a noite, de nossa casa. Mesmo assim, ele não se cala.

- Porquê Merlin não veio conosco?

- Acho que Merlin não acredita que vou tirar a espada da pedra. Ele vai aparecer quando eu tiver a espada, você vai ver.

Nós seguimos pelo caminho, meu irmão ora a se queixar, ora a fazer perguntas que eu não saberia responder. O primeiro dia de jornada foi tranquilo, mas depois que pegamos a estrada de Kelliwic as árvores foram ficando mais cerradas, e a estrada mais deserta, e meu irmão mais e mais nervoso.

- Veja - ao chegarmos a uma curva na estrada eu aponto para o alto de uma colina, para o castelo agora visível - Ali está o castelo de Kelliwic, ou melhor, as ruínas dele.

- Uau - meu irmão nunca havia visto um castelo, e eu tinha que admitir que, mesmo em ruínas, era uma edificação impressionante. - Quem que construiu?

- Ninguém mais sabe. Alguns dizem que foram os romanos, alguns dizem que o castelo já estava aqui antes mesmo deles. Mas ninguém mais vem aqui desde que o Rei Uther morreu. Ninguém exceto quem, como nós, vem tentar retirar Caledfwlch da bigorna e da pedra.

Mais algumas milhas e chegamos as ruínas do castelo. Em seu pátio central estava Caledfwlch, a espada que Merlin chamou de Excalibur, a lendária arma do grande Rei Uther. Com um gesto, eu indico para meu irmão aguardar, e caminho até a espada.

Respiro fundo uma, duas, três vezes, e então seguro a espada com minha mão direita, e neste instante, como se levado pela mais pura magia, me vejo em outro lugar, em outro castelo.

- Onde estou - eu apenas penso, e ouço uma voz em minha mente, a voz de Caledfwlch. E a voz diz apenas uma palavra: "Camelot".

Imagens passam por mim, como se eu estivesse sonhando. Não, como se estivesse lembrando um sonho há muito esquecido. Eu me vejo como Rei, e abro um sorriso ao pensar que meu desejo era agora realidade. Mas meu sorriso se fecha no instante seguinte.

Eu vejo a mulher mais linda de todas. "Gwenhwyfar", a voz da espada ecoa novamente em minha mente. E vejo ela fingir me amar, apenas para me trair com meu mais valoroso cavaleiro.

E vejo um filho nascer, se tornar homem, e então se voltar contra mim e me enfrentar em batalha mortal. Eu o vejo morrer.

Eu vejo camelot cair, vítima de traições, e vejo meus cavaleiros se perderem na busca de uma relíquia sagrada. Mais e mais imagens eu vejo, imagens de tragédias e morte.

Eu fecho os olhos, abro-os novamente, e me vejo novamente nas ruínas de Kelliwic, com a espada ainda em minha mão, ainda cravada na pedra. Eu penso nas tragédias que me aguardam, e então me lembro das palavras de Merlin, e de porquê ele não me acompanhou.

- Espada - eu falo apenas em minha mente, sabendo que Caledfwlch pode me ouvir - Diga-me como você pode ser tirada da bigorna e da pedra.

- Nomeie meu mestre, e ele - somente ele - poderá me empunhar.

- Eu nomeio seu mestre - no momento que digo isto, em pensamento, um vento forte começa a soprar, vindo de lugar algum - e seu mestre é e sempre será Arthur, que se tornará Arthur Pendragon, descendente por direito do Rei Uther.

- Esta feito - a voz da espada ecoa uma última vez em minha mente, e então se silencia. O vento cessa. Nada se move.

Eu respiro fundo, só então percebendo que havia trancado minha respiração, e então, com toda a força, puxo a espada da pedra. E puxo uma vez mais, agora com as duas mãos. E a espada permanece imóvel.

- Esta espada não é para mim - eu falo em voz alta, me virando para meu irmão - agora é a sua vez de tentar, Arthur.

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Ashur
Enviado por Ashur em 18/07/2011
Reeditado em 18/07/2011
Código do texto: T3101727
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