A PROSTITUTA E A MENINA *

Recebera tantas considerações, enaltecida como uma preciosidade, parecendo parte do patrimônio da cidadela, talvez para desculparem os poucas distrações que ofereciam aos visitantes, avultava a figura na conta de um atrativo excepcional. Desde que chegara a trabalho naquele vilarejo, bastou tornar-se mais íntimo de alguém para que lhe descrevessem aquela mulher como uma deusa, instigando-o para conhecê-la, ao vivo e em cores.

Aquele era o dia. Encontrava-se naquele local bizarro, com decoração berrante e de mau gosto, em tonalidades fortes, parecendo realmente o palco de um prostíbulo, como era. Cortinas vermelhas, papéis de parede em detalhes chamativos, impróprios, diria para si mesmo, algo desdenhando daquele local, onde as mulheres, exageradamente maquiadas, o olhavam curiosas e convidativas. A música também combinava com o cenário chinfrim, burlesco.

Enfim, a avistava, destacava-se das demais, sim, era a mais atraente e bela, pensou em levantar-se e aproximar, mas se deteve, ao vê-la ladeada por um homem a acompanhá-la a uma mesa privativa. Pelo jeito, naquela noite, estaria ocupada.

As noites sucessivas sempre chegando atrasado, não conseguindo estabelecer um contato com aquela cobiçada dama. Informou-se no balcão do bar e teve conhecimento de que ela só atendia com prévio agendamento, e parecia que a espera seria longa, ainda assim levou um cartão de visitas. Quanto mais difícil era, mas crescia seu interesse por ela, não dando chances para as demais.

A rotina de seu trabalho, com tempo certo para o término, quando então deveria retornar à matriz, na capital onde trabalhava e residia, o absorvia. Esquecera-se de ligar, o faria por curiosidade, não era dado a aventuras tais, apenas, motivado pela popularidade da prostituta, queria conhecê-la pessoalmente.

Revirando os bolsos das roupas para mandá-las à lavanderia, encontrou o cartão, sorriu com quem não pretendia levar a sério aquela estória, mas, ainda assim, não o descartou, guardando na gaveta do criado mudo do hotel.

Foi durante o expediente, num rápido intervalo para o café, que ouviu a conversa que o intrigou. Um dos homens, envaidecido, afirmava a outro que passara uma noite inesquecível com aquela dama, que fora difícil conseguir um espaço na agenda dela, mas valera a pena. Como um garoto curioso, cresceu novamente a sanha de conseguir vê-la, antes que terminasse o prazo dos trabalhos que o prendiam na filial, naquele lugarejo parado no tempo.

No quarto, buscou pelo cartão e tentou ligar, sendo que entrava em uma caixa postal, onde uma voz feminina avisava que retornaria a ligação, não sendo possível atender naquele momento, caso quisesse, deixar o nome e o número de telefone.. Desligou sem deixar recado.

Os dias corriam, o trabalho estava próximo do fim, parecia ter desistido daquela aventura maluca. Era apenas mais uma mulher, bela, sem dúvida, mas não única, a capital estava cheio de beldades desfilando, por que tanto esforço para conhecê-la ?.

Contudo, havia o desafio da conquista, vencer as resistências, um certo fetiche, um prêmio que se tornava mais interessante quanto mais difícil se apresentava. Eram enfadonhas as noites na cidade desprovida de atrativos para turistas, ficando praticamente deserta antes das vinte e três horas. Restava a televisão, a internet, ou o sono que demorava a chegar, acostumado com a rotina de grande centro e a dormir tarde.

Incomodava a idéia de desistir de estar com ela, poderia ser uma lembrança diferente, um souvenir de viagem, um troféu, já que era disputada por todos os homens que chegavam naquele local.Não deixara o telefone para retorno, não se sentira seguro de dar seu número a estranhos, principalmente naquelas situações. Perdera a oportunidade de tentar estabelecer o contato.

No último dia de estada na cidade, terminou o serviço mais cedo, preparou a mala de viagem, tentou uma nova ligação para aquele número do cartão e ouviu a mesma gravação... Mesmo que quisesse deixar recado, não daria mais tempo, estaria pegando a estrada logo mais.

Ainda era cedo, por certo a “casa” não tinha sido aberta ao público, por que não tentar vê-la, mesmo que fosse para uma conversa rápida, não um programa, caso ela não quisesse, mas vê-la e quebrar com aquela curiosidade que o consumia desde que chegou ali ?

Chegou ao local meio sem jeito, não sabia como se dirigir a quem quer que fosse, afinal a função só começaria a partir das vinte e uma horas e eram apenas dezessete da tarde, seria a última tentativa. Acabou vendo o rapaz que atendia no bar, confidenciou-lhe sua intenção e pressa.

Orientado pelo informante, entrou na casa e caminhou pelo extenso corredor, onde ficavam os quartos pessoais das mulheres ,não os de atendimento de clientes, separados em outro hall. Passando-se por entregador de mercadorias para abastecer a cozinha. Soube o número do quarto da enigmática dona, chegou perto, viu que a porta estava entreaberta, uma música suave, de cantigas de rodas, ouvia-se, empurrou discretamente a porta sem fazer barulho... ela ressonava sobre leve lençol, abraçada a um boneco de pelúcia , inacreditável aquele quarto infantil, decorado com personagens de contos de fadas e gnomos, numa alegoria destoante do ambiente esperado de um prostíbulo.

Sem saber como agir, desprevenido diante o que presenciava, recuou, passo a passo, sem fazer barulho...

Aquela cobiçada mulher parecia uma princesa em um reino de fantasias, uma cinderela no bosque dormindo tranqüila, uma criança feito uma flor em um jardim...

Distante daquele objeto de prazer, fetiche sexual, fêmea em sedução e lascívias, desejada prenda de ávidos machos, naquele palco de ilusão e solidão de tantos boêmios, nos alvos seios em farto corpo, estrela absoluta na constelação de neons do meretrício, disputada, cobiçada, de todas a mais cara, devassa, naquele íntimo universo parecia uma inocente menina de ninguém...

* publicado em livro na antologia de contos Nó em Pingo D' àgua, editora CBJE, Rio de Janeiro - RJ, janeiro de 2015