Viagens da memória

Sou refém destas engrenagens que movimentam a existência cotidiana. Poderosas, elas me levam e trazem, sem consulta. Enredam-me em pensamentos e situações, por vezes, sem controle. Ultimamente, como tenho sido bem-comportado, ganhei o direito de retroceder no tempo.

Posso escolher época e local. Nesta era de pouca criatividade, sugiro Porto Alegre, lá pela metade da década de setenta.

Pronto, estou de volta. A cidade reaparece em seu ritmo monótono, pano de fundo um som marcial. Entendo, estamos atravessando o que alguns chamam de “ditabranda”. Eu prefiro pensar que ela teve outra textura...

O sol brilha forte na tarde defronte ao rio. Domingo. Carrego um radinho de pilhas onde o locutor narra uma partida de futebol. Não contenho uma risada interior, e penso: quanta precariedade.

Venho de um tempo em que conheci computadores, IPODs, MP3, televisão a cabo. Agora, me vejo resumido a um aparelho rudimentar, quem nem pilhas alcalinas aceita...

Volto ao meu radinho. Imagino, pela voz, um senhor sisudo, de bigodes aparados. Ele fala palavras que desconheço como escrete, beque, córner, guarda-valas. Sua impostação carrega algo de formalidade.

Entremeado à narrativa, ele chama os patrocinadores. Desfilam pela memória finadas empresas. O poderoso Magazine Mesbla, J. H. Santos e suas barbadíssimas, a lanchonete Ribs e seus sanduíches e tantas coisas que já havia esquecido.

Desligo o aparelho. Ainda posso ouvir a intervenção da reportagem que fala de um ferido conduzido ao nosocômio da Municipalidade. O locutor emenda com um convite de enterro ressaltando que o féretro sairá da Capela D, do Cemitério situado na Colina Melancólica. É demais!

Subitamente, sou puxado de volta aos tempos de agora. Aterriso meio desequilibrado e quase sou atropelado, ufa!

Não sei se choro ou se sorrio...

Ricardo Mainieri
Enviado por Ricardo Mainieri em 10/09/2010
Reeditado em 10/09/2010
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