ESTAÇÕES
Numa era distante, onde as águas não haviam sido maculadas pelo toque maligno dos resíduos tóxicos, onde as terras guardavam segredos invioláveis, pois não existiam brocas afiadas a perfurar-lhes, tempos em que os céus estavam seguros contra a presença dos pássaros de metal.
Nessa época longínqua, separada por incontáveis milênios, havia um soberano que reinava absoluto sobre as projeções de terra que se estendiam verticalmente quase tocando as nuvens, as quais eram tudo que revestia a nudez de uma abóbada celeste vazia.
O Deus dominava a vontade e o destino de todos que sentiam o toque árido de seu reino sob os pés. Ele era admirado e considerado justo, pois com sua determinação e equilíbrio zelava pela segurança e bem-estar de todos que dele dependiam.
No entanto, mesmo com toda a eternidade e poder em suas mãos, o senhor das montanhas não se achava completo, e um imenso vazio tomava conta de seu coração. Seus inúmeros filhos espalhados pelo chão não vingavam, todos tinham a pele formada pelo mesmo pó que constituía a imensidão de suas posses, e todos eles desmanchavam perante a vontade da mais singela brisa.
Já não tinha mais ânimo e perspectivas, mas, durante um raro sono, fora acometido por algo ainda mais extraordinário; um sonho. E neste delírio inconsciente uma figura sem rosto surgia diante dele com um conselho, o ser sugeria que ele abrisse mão da eternidade, pois só assim um pouco de sua essência vital poderia ser transmitida para o herdeiro que estaria apto a seguir e trilhar seu próprio caminho.
Nas terras baixas existia um outro reino, governado com o mesma dedicação por uma Deusa suprema de vontade e ações indiscutíveis.
Sua obra mais significativa fora a construção de sete estátuas, as quais foram esculpidas através de pedras mágicas. Elas ladeavam e protegiam os domínios do império contra as forças inomináveis. A soberana tinha plena consciência de que a vida era constituída de energia. Pura, simples e única. E essa natureza íntima e poderosa preenchia toda a sua existência, de uma forma tão absurda que o seu corpo não poderia ser um recipiente eficiente para contê-la.
A energia que circulava nela tomara proporções inimagináveis, e como em um estado febril extremo, visões desconexas começaram a se desenrolar em sua mente, e nesse momento uma coisa ficara nítida, e ela precisaria agir.
A rainha descarregou parte de sua essência em uma das estátuas, e esta se tornara em vida. A moça que surgira apresentava uma beleza incomparável que se completava com uma voz única e encantadora. Ela dominaria as águas que corriam livres pelas dimensões do reino e estaria destinada àquele que desceria das terras altas, pois assim lhe ordenara sua mãe.
O tempo passou, o herdeiro da montanha se encantou com a visão das terras planas e desceu até elas buscando emoções que não encontrava em sua moradia de teto alvo.
Caminhando pela chão verdejante o filho do soberano deparou-se com a imensidão cristalina de uma superfície estranha. Ele não entendia como o chão poderia ser composto por uma quantidade imensa de lágrimas do céu.
Seu espanto logo converteu-se em encantamento, e este em paixão, quando avistou a mãe dos peixes que enfeitava como uma jóia uma rocha no espelho d’água.
A previsão da soberana das terras planas se confirmava, e da união do casal foram gerados quatro filhos.
A felicidade inicial logo fora substituída por um sentimento peculiar e que é comum tanto aos mortais, quanto àqueles que dominam o tempo: a cobiça.
Uma guerra pelo domínio e poder universal eclodiu entre o casal, ambos queriam ditar as regras sobre o destino tanto das terras altas quanto das planas, pois os soberanos não mais possuíam a imortalidade a seu lado.
Em um ato final de desespero e revolta, a Deusa feita de energia pura lançou sua ira sobre os amantes, fazendo com que subissem aos céus e passassem a enfeitar o azul infinito, no entanto, eles jamais poderiam novamente se envolver, a deusa das águas seria conhecida como Jaci, e o herdeiro da montanha Guaracy.
A soberana desintegrou-se no processo, assim como o rei, mas o fruto de sua ação resultou em algo que rege a vida de todos até os dias atuais.
Os quatro filhos do casal banido passaram a governar a Terra; um repleto de energia, calor, luz e vitalidade, outro com fartura, abundância, renovação e crescimento, o seguinte com exuberância fria e bela, e o último repleto de nuances, cores, tons e beleza em flores. Cada qual reinaria por um período. Desta forma surgiram as estações do ano para enfeitar o paraíso.
“Enfeitar o paraíso?” Com esse pensamento deixei escapar um riso debochado. Bem que o paraíso poderia ser um pouquinho menos sofrido. Fechei o livro de lendas no exato momento em que uma voz feminina e metalizada anunciava no interior do vagão lotado do metrô:
- Estação Cardeal Arco Verde, Copacabana, desembarque pelo lado direito...
Coloquei o fone do iPode nos ouvidos e comecei a movimentar as teclas emborrachadas, parei e ouvi uma voz aveludada que dizia:
- ZY4-798, rádio Capital, não mexa mais...você já achou a sua estação...
Réplica dos amigos:
Helena Frenzel
http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/1597022
Fábio Codonho
Suzana Barbi
Josadarck
Michele CM
Maith
http://www.recantodasletras.com.br/contoscotidianos/1594236
Victor Meloni
http://www.recantodasletras.com.br/contosdeterror/1601072
Ian Morais
Isak Damasio
Alex Ribeiro