tempos eternos

Suas lágrimas serão como adubo nesta terra ressequida, pois todos, bons e maus, vivem sob este mesmo sol, quente, céu, prometido, em busca de uma coisa que não sabem o que é, mas a busca continua, até que a morte os separe, chegue, chega e ela sempre chega, para todos, irremediavelmente.

Seu corpo, jovem ainda, buscava, nos músculos, a resposta para tantas perguntas não respondidas. Sua vida era triste, como a tristeza é. Sua coragem, porém, continuava firme, como seus músculos, garantidos pela idade.

Sua família tinha se dispersado por este mundo de deus pai, e ele pressentia, sem entender, que nunca mais encontraria os seus.

Tinha saudades dos irmãos, há anos não os via, desde que se separaram, nas encruzilhadas do destino.

Cada um para um lado, desde que os pais, velhinhos, morreram no interior do interior.

Primeiro foram morar em uma cidade pequena, perto da terrinha que possuíam, depois foram para outra maior e outra maior, até chegar na capital.

Na capital, arrumar serviço, trabalhar, vida difícil, uns foram para outras cidades, outros simplesmente desapareceram, simplesmente evaporaram no ar, a família dissolvida.

Ar poluído, casebre na periferia, falta de tudo, pouca mobília, pouca comida, pouca esperança, pouca oportunidade, pouca chance de sobreviver neste mundo diferente demais do interior, da vidinha simples da roça.

Com a morte dos pais, os irmãos mais velhos resolveram ir para outro lugar, diziam que na cidade grande tinham mais chances de conseguir uma vida melhor, mais trabalho, mais dinheiro, que era excasso por lá, mas tinha comida, plantação, galinha, tinha caça, tinha peixe, tinha fartura.

Aqui na cidade tudo é comprado, tudo é caro, tudo é distante, tudo é diferente. Agora é tarde para reclamar, já estou aqui, vou conseguir um emprego melhor, vou comprar uma bicicleta, vou arrumar uma namorada, vou isto e aquilo, pelo menos posso sonhar, não custa nada.

Vou procurar meus irmãos.Como foi que desapareceram? Ou foi eu que desapareci? Será que ainda moram nesta cidade, tão grande? É nestes momentos que ainda sonho com alguma coisa boa, uma lembrança alegre da minha infância, menino solto, tomando banho no córrego, pescando, caçando passarinho, a liberdade, agora sei, não está aqui. Mas como voltar?

Tantos anos se passaram, meus irmãos venderam a terrinha por quase nada, agora trabalho duro, ganhando quase nada, mal dá para me sustentar, contruindo prédios, construindo algo que nunca será meu.

Meu trabalho é pesado, carregar peso, cimento, mas tenho força, carrego tudo sem reclamar. Faço do meu corpo o escravo que irá me tirar desta situação. Ainda bem que tenho trabalho. Onde moro tem tanta gente que nem trabalho consegue, vivem prostrados nos butecos.Continuo trabalhando, meu único ofício.

Fico mais é sozinho, ando sozinho pela cidade, indo a lugares onde tem gente simples como eu, e assim vou me entretendo, até quando? Nem posso me casar, não tenho namorada, não tenho dinheiro, só tenho meu trabalho, que mal dá para comer e pagar o aluguel. Se sobrasse algum dinheiro, poderia procurar meus irmãos, mas onde? Será que voltaram para o interior? Fico pensando nisto tudo e o tempo passa, minha cabeça às vezes dói de tanto que eu penso em mudar daqui, mudar de vida, mudar tudo, mas como, se não posso nada. O tempo passou tão rápido, desde que mudamos pra cá.

Distante de mim mesmo, escuto estes programas no rádio que encontram parentes desaparecidos, aí penso, vou ligar pra lá, vou encontrar minha família de novo, vou fazer isto sim.

Distante, o trabalho me chama, vou dormir que de madrugada já estou indo, de novo, pro ponto do ônibus, escuro, eu, meu futuro?

Estou pensando outra vez, o trabalho, que é longe, de mim mesmo. Longe de tudo.

Do barraco onde moro até a construção dá mais de duas horas de coletivo, e ainda vou fazer a marmita para levar.

florencio mendonça
Enviado por florencio mendonça em 16/04/2008
Reeditado em 05/03/2010
Código do texto: T948817
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