Cadê a meleca

Eram 7:30h da manhã e Duda morria de sono naquela prova de física em plena segunda-feira. A professora Maria do Carmo era a mais temida da escola. Ela costumava espremer seus alunos até vê-los implorar por meio ponto pra passar de ano. E no final ela nunca dava.

Duda havia começado há três meses na Escola Almirante Teodoro, e o segundo ano do ensino médio era um sonho pra ela. Ela estava começando a se enturmar com os colegas da escola nova e queria passar uma boa impressão, pois, sabe como é, aos 16 anos tudo que você faz ou fala ecoa para o resto de sua vida.

─ Essa prova está muito difícil! ─ Pensou, enquanto passava o dedo indicador na narina direita, distraidamente.

Foi então que percebeu que seu dedo não estava sozinho. Uma bolota gigantesca de ranho meio úmido meio seco havia grudado nele. Mais que depressa ela escondeu a mão por baixo da carteira, torcendo para que ninguém tivesse visto. Ficaria marcada para sempre.

─ Que droga! ─ Exclamou alto.

Todos a olharam. Duda abaixou a cabeça fingindo não ter nada a ver com isso.

─ Que ótimo! ─ Pensou com ironia. Agora seria o centro das atenções por alguns minutos. Como se livraria daquele melecão sem que ninguém percebesse? Ela então pensou:

─ Posso deslizar o dedo e grudar na lateral da carteira. Mas e se a Marcinha visse? Seria o meu fim. Ela não vai hesitar em contar pra turma, aquela fofoqueira. Esquece!

─ Posso grudar na outra lateral. Mas e se o Beto percebesse? Não! Não! Não! ─ Pensou decidida. Ele era um gato. Arruinaria qualquer chance de conquistá-lo.

─ Já sei! Vou dar um peteleco e arremessar essa bola de canhão na atmosfera. E tomara que grude no cabelo da Isabela, aquela insuportável.

─ Mas e se cair na cabeça da Renata? Ela foi a primeira pessoa com quem fiz amizade na escola e nunca iria me perdoar. Também esquece.

Tentou grudar no fundo da carteira uma... duas... três vezes e a famigerada insistia em permanecer mudando de um dedo para o outro. Ela então pensou com sarcasmo:

─ Vou levar o ranho pra casa e patentear essa bola de bactéria como supercola. ─ Que saco! ─ Disse baixinho.

Duda então ficou enrolando a meleca nos dedos, esperando uma boa oportunidade pra se desfazer dela, afinal, quem nunca fez isso? Passaram-se alguns minutos, ela se concentrou na prova e perdeu a noção do tempo. De repente o sinal tocou e a professora falou:

─ Entreguem a prova, galera. Se eu passar pela porta não vou recebê-la mais.

Todos se aglomeraram para entregar a prova e descer para o intervalo. Foi um empurra-empurra. Quando Duda foi ao banheiro tinha a impressão de que havia esquecido algo.

─ CARACA!!! Cadê a meleca? Será que caiu e eu não percebi?

Olhou por toda a sua roupa, seus sapatos, seu cabelo e não encontrou nada. Deu uma rápida olhada nos cabelos das colegas e nada. Deu-se por satisfeita e esqueceu o assunto. Ao voltar para a sala percebeu alguns olhares curiosos, risinhos estranhos, certa ansiedade de alguns colegas. Pareciam estar esperando alguma atitude dela.

─ Ai meu Deus! Eles descobriram. Minha vida acabou! Com certeza a meleca deve estar grudada em algum lugar visível. Nunca mais voltarei à escola. Serei lembrada para sempre como “A ranhosa”. Será a minha sina. Morri!

Fez-se o drama: estava conformada, não seria convidada para as festas. Teriam nojo de beijá-la. Pensou em morar na Sibéria, onde ninguém a conhecesse. Levaria esse dia para a posteridade. Até seus netos saberiam dessa história. Seu túmulo teria uma lápide dizendo: “Aqui jaz a melequenta”. Sentou-se na cadeira, cruzou os braços e abaixou a cabeça. Os colegas que passavam por ela, batiam palma e diziam:

─ Aeee, Duda!

─ Que coragem! Toca aqui!

Nesse instante Duda se deu conta de que no meio da bagunça, na saída da sala depois da prova, acabou sendo empurrada e esbarrou levemente no ombro da professora.

Daquele dia em diante Duda mudou de status na escola. Ela era citada entre os alunos como uma heroína. Virou referência. Um verdadeiro mito.

Ângela E
Enviado por Ângela E em 22/03/2024
Código do texto: T8025709
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