GIRO NO PARQUE

Cansei. Tenho que parar pelo menos por meia hora.

Esse negócio de fazer Cooper definitivamente não combina comigo.

Anda, corre, anda, corre... coisa mais sem noção. E para quê?

Para nada, meus tênis responderam em coro.

Numa dessas torneiras espalhadas pelo parque, passei água no rosto e procurei um lugar confortável, na sombra, para sentar.

Sem conseguir algo melhor, me arranjei nos degraus da escadinha de pedra por onde se vai para o estacionamento do parque.

Estava observando nas sombras, a dança das folhas da imensa figueira, agitadas pela brisa suave projetadas no chão, quando a carrocinha abarrotada com tudo aquilo condenado pelos aficionados e arautos da vida saudável parou diante de mim.

- Vai o quê hoje, patrão?

Era a personificação do satanás da gula, impossível resistir por ser superior às minhas convicções sobre tais guloseimas e cedi à tentação. Peguei uma garrafa de água e dois pacotes de biscoitos recheados, sabor chocolate.

Muita gente andando, uns com moderação, outros desesperados como se estivessem indo tirar o pai da forca. Fiquei observando esse desfile enquanto era observado pelos passantes com aquela cara de:

– Quem mandou você comer essas porcarias?

De repente, ele estava diante de mim. Pelo barrete e calção vermelhos imaginei ser o saci, mas não podia ser porque ele tinha as duas pernas.

- Você quer um biscoito desses? Ofereci.

Sem cerimônia, o garotinho sentou no mesmo degrau em que eu estava e tomou o pacote de minha mão.

- Você está sozinho? Perguntei.

- Não, meu pai está bem ali.

Com uma rápida olhada ao redor, procurei por alguém da mesma cor do menino, preto quase azul, como se fora desenhado a nanquim, mas não havia ninguém.

- Eu não estou vendo o seu pai. Tem certeza de que ele está logo ali.

- Sim. É aquele homem gordão de camisa amarela.

Tomei um choque. O homem indicado, conversando com um casal, era louro no melhor modelito ariano P.O.

- Há bom. É que não deu para reconhecer. Você não é parecido com ele.

- É, todo mundo diz isso, mas eu não ligo. Falou o menino colocando na boca mais um biscoito inteiro.

- E você mora longe daqui?

- Moro sim. Muito longe.

- E você vem sempre neste parque?

- Não. Eu acho que é a primeira vez e não gostei muito dele. Não tem brinquedo.

- É porque você não foi no parque das crianças que fica do outro lado do estacionamento. Peça a seu pai para lhe levar até lá.

- Eu já vi aquele parque. Ele não presta. Não tem balanço nem escorrego grandão.

- Mas tem gangorra, tem carrossel...

- Eu não gosto desses brinquedos bobos.

- Ah! Sei como é. Você prefere brinquedo com emoção.

- O que é brinquedo com emoção?

- É quando faz medo na gente.

- Ah! Sim, é desses que eu gosto.

- Você quer beber um pouco d’água, porque eu vou beber na boca da garrafa.

-Não quero. Pode beber tudo. Não gosto de água. Gosto de limonada cor de rosa.

- E onde você encontra isso para beber?

- Na minha casa tem todo dia.

- É a sua mãe quem prepara?

- Acho que é.

- Qual é a sua idade?

- Seis anos. Completei ontem. Por isso que a gente veio para a casa da minha avó.

- Ah! Meus parabéns. E você ganhou muitos presentes?

- Não. Só uma bola, mas quando eu voltar para casa, vou ganhar um par de esqui.

- Esqui? Aonde você vai usar os esquis?

- Na montanha, lá atrás da minha casa tem a pista. Eu aprendi a descer na pista menor, mas vou descer a rampa maior quando tiver meus esquis novos.

- Mas, aonde é que você mora?

- Udo! Udo! Lass uns nach hause gehen, mein sohn...

Como que catapultado pelo degrau, Udo, de mão dada com o pai desapareceu na multidão...

GLOSSÁRIO

P.O. = em veterinária, puro de origem.

Lass uns nach hause gehen, mein sohn = vamos para casa, meu filho (em tradução livre)