Baile dos perdidos

Eu sou a poeira escondida em algum canto. A chegada do inverno. A minha poesia. Tenho guardado na gaveta algum romantismo escandaloso. Estando a observar o meu rosto, quase me afoguei num copo de conhaque. E descobri que precioso mesmo é o amor-próprio. Sou pulsações contrárias.

Fria a aurora que me dá lume aos dias. Algo mirabolante me encontra e se assusta. Terei eu inventado algum tipo de personalidade absurda? Acaso terei conseguido encontrar alguma maneira de não viver a realidade? No máximo, vejo-me numa índole caleidoscópica. O meu passo vai lento, lendo com cuidado as estradas. Muito bem resolvida, já servida e obrigada.

Às vezes, sinto uma pressa enorme de chegar, não necessariamente por estar atrasada, ou mesmo por um objetivo que busco, nem compromissos, nem por reuniões, nem encontros, nem algo a dizer – sequer tenho um lugar a ir. É uma pressa de primeiro mundo, quinto milênio, selvageria do século xxx. Tudo pedindo velocidade. A lei é não parar. Correr à la China. Suportar os escombros. Consumir até reduzir tudo a pó. Porque lá vem ela, a civilização, correndo como um quadrúpede: oh nunca fomos tão modernos! Uma parte da humanidade morrendo obesa. A outra raquítica. Tudo tão equilibrado quanto o efeito estufa. A escancarada globalização de vidas. Eu vivendo o brasileirismo nato. Antes era um tal presidente do discurso prolixo, Jânio Quadros, que renunciou. Já vivemos o “50 anos em 5” do JK. Getúlio Vargas se suicidou?! Veio o golpe de 64. Nunca tivemos um muro tão famoso como o de Berlin. Mas temos muros eletrificados que separam mundos, tribos, religiões, classes. Agora é a vez da “revolta dos desarmados”, a arte da rua, com pichações, deixa um plebiscito a voga: “você viu a força do povo de Lula passar?” Uma vez que sempre faço questão de está politicamente incorreta, prefiro deixar a “politicagem” de lado. Não tenho conseguido compreender a minha própria história, o que dirá a história do Brasil? Tudo se transforma, e nada parece mudar.

Sonho com cheiros que nunca senti. Toco os pêlos das almas. Acaricio corpos transparentes. Apaixono-me pelos intocáveis, pelas ilusões. Levanto os bêbados das esquinas, escuto com paciência suas lamentações. Choro pela pobreza nas ruas. Sofro pelos infortúnios humanos, que certamente existem. Eu sei o que é estar à espera de algo que não virá. A água tocando o meu corpo despido, afundando o meu rosto pálido... E nada. Na-da. Nada de novo. Então, quando a sua consagrada pergunta se fazer presente: “O que mais? E o que mais...?” Na-da de novo! Relatar novidades. Tecer comentários... N-a-d-a..., absolutamente, não há nada novo, por aqui.

Dia desses a carência humana me pegou. A crise do sexo vinte me afetou os hormônios. O nosso acordo era ficarmos no coleguismo, jamais voltar a qualquer contato luxurioso, muito menos sentimental. Foi exatamente disso que lembrei, logo que ouvi o “alô... alô... alô...” Desliguei o fone. Finalizei a ligação entre duas vidas. Cessei possíveis sensações. Já que ainda não estou preparada para a grande pergunta: “O que mais? O que mais você quer de mim?”

Depois, um falso espírito poliglota psicografa mensagens subliminares:

“Mi baci i belli labbra”… “küssen Sie mich schöne Lippen” … “Embrassez-moi belles lèvres” …“kiss me beautiful lips”. Um carcamano, um alemão, um francês e um britânico: todos num mesmo delírio de lhe querer.

Da janela do meu quarto, admiro calada o céu, ele é uma pintura que destaca um amarelo queimado e riscos alaranjados, as cores de um pôr-do-sol, o qual anuncia que em breve chegará à noite. O silêncio noturno tomará conta das casas. Apenas se ouvirão sons imperceptíveis: de grilos, de sapos e de cigarras. De um lado, as grandes edificações, condomínios horizontais fechados, indústrias, arranha-céus, transações, tráfego, tráfico: a manifestação do homem sobre João Pessoa. Do outro, se verá o azul do litoral e um verde absoluto – exibindo sua luz própria – uma cidade ainda provinciana! Quem dera pudesse acreditar que as próximas gerações também poderão vislumbrá-la assim. A cidade baixa já há muito marginalizada. Nada de inovador. E o que mais, nesta hora?

Livrarias repletas de autores de auto-ajuda. Chegou à época de sentir pena de si mesmo. O malogro humano. A banalização do raciocínio. O menosprezo aos sentimentos. O amor sacrificado num despacho, os românticos ganham os pêsames. Perdida a humanidade, completamente perdida?! É como se viver fosse o mesmo que torcer pra um time dentro dum estádio: vai, vai, vai, vai vida, vai...! Desse jeito a vida não vai. A confiança em si mesmo apenas é posta na mesa quando se ler pelo menos uma linha do escritor P. que mostrou como liderar a própria vida?

“O que mais você espera de mim?” Eu queria o sol. Eu queria o mar. Eu queria a personificação da força. Eu queria todas as aberrações. Eu queria um coral punk, desafinado, cantando Frank Sinatra, no Teatro Municipal. Eu queria que a sorte acompanhasse meus passos. Eu queria as virtudes dos deuses. E trocaria tudo pela metade da felicidade que só você pode me dar. Suas perguntas me fazem consultar o analista. Procurar uma irmandade. Um grupo de ajuda. Ficar perdida junto à humanidade.

Sou assim mesmo, confusa, e daí? Não gosto do descomplicado. Tudo se transforma dentro de mim, enquanto as inovações: na-da. Eu sou o que ninguém ver. Eu tento imitar o que me agrada, mas tudo que faço, sai ao meu jeito. Me aproprio de um exemplo e o lapido na tentativa de me ver nele, e me vejo, porém ele torna-se diferente do que vi. E é daí que nasce a originalidade. Eu gosto de fazer com meu estilo, desajeitado, de-ser. Neste tempo, como há muito, fatos novos não me vêm. Eu queria muito mais de você. E cansei de pedir por uma só razão: exorcizei piedades! Ouço Queem, Chopin, The Cult, Tom Jobim, Beatles... Leio poesias do Morrison, do Manuel Bandeira. Quando a dor de tanto machucar já não dói, eu sei gritar bem alto o que não quero.

Fico longe de best-sellers. Confesso que li o “Código da Venda”. Eu renunciei ser todas as pessoas. E desisti de apreciar o meu umbigo. Não escuto mais o clamor de vozes infernais que me seduzia. O deserto em que estive de alguma forma me iluminou. Eu decidi ser todas as minhas mil faces, desmascaradas. Se você e o mundo me empurrar contra parede, eu direi: ”sou assim mesmo... confusa, sossegada, distraída, e daí?”

Gosto de beijar o seu sorriso. Acredito que quem se atrai de verdade são aqueles dispostos a tudo. O meu corpo e minha alma estão sempre nus a lhe aguardar. Prefiro sempre a loucura. Eu gosto da minha bagunça. Eu não vivo sem a minha confusão. Quando eu toco a quinta dimensão da sua pele, o que eu sou?

Luana Zenaide
Enviado por Luana Zenaide em 01/02/2024
Código do texto: T7989767
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