Se Afogar e Se Desafogar

Depois que sua mulher o deixou, Dante começou a se sentir solitário. Estava acostumado a chegar do trabalho e comer na companhia da esposa, mas ela não estava mais lá. Teve, então, que se acostumar a comer olhando para a frente. Via uma parede. A parede da cozinha. Tão branca, tão lisa. Podia ter colocado um azulejo com mais vida quando reformou o cômodo. Algo para distrai-lo, só que a realidade não era essa, a realidade era que sua mulher tinha ido embora e a solidão abraçava seus olhos para onde ele olhava. Tentava acalmar seu coração com uma música enquanto lavava a louça, mas isso parecia tão chato, ouvir música era algo monótono perto da emoção de contar seu dia. Como forma de tampar esse vazio, certo dia, começou a falar sozinho. Contou cada detalhe do que lhe aconteceu no dia. Para quem? Para alguém que estava sentado na mesa. Alguém muito parecido com sua ex-mulher. Alguém com até um nome semelhante, invés de Ana, agora era a Jana. A louça parecia melhor assim. Se sentiu menos só com aquela nova presença em sua casa. Quando foi deitar, sentiu a cama gelada e estendeu o braço para o outro lado e tocou nada além de colchão. Em um segundo, Jana apareceu, com seus olhos castanhos quase negros, com seu cabelo escuro e liso esparramado pela cama ao seu redor. Dante não a beijou, nem a abraçou, como costumava fazer com Ana, para ele, nesse momento, não era carinho que faltava, nem amor, nem tesão, o que ele queria, de fato, era a presença de Ana, ele queria a companhia dela, queria sentir que ela estava ali, perto, o olhando, sua respiração, sua ironia, seus comentários, sua presença. Jana lhe fornecia um pouco disso.

No meio da noite ele acorda com tudo. Sua respiração está ofegante e o coração disparado. Ele olha para o lado, Jana está preocupada com seu bem estar.

- Teve um pesadelo, amor?

- Sim. Tive um sonho estranho... Eu estava em uma piscina... eu nadava de um lado para o outro, sem parar. Nadava, nadava e nadava. Eu não ia para lugar algum, estava cansado, ofegante. Mesmo assim, meus pés e braços continuavam a bater na água, como se tivessem vida própria, como se existissem dois eus ali, um eu que queria muito nadar, ir para algum lugar e um outro que queria parar... que não aguentava mais nadar em círculos.... então eu vi Ana, Ana estava se afogando, e eu pensei em salva-la, queria muito, me sentia em agonia para salva-la, mas parece que eu não sabia fazer mais nada além de nadar em círculos, como se eu não soubesse ir até ela e retira-la da água. E então eu vi Ana... eu vi ela.... flutuar na água... seu corpo pálido... sem vida... e eu acordei.

Seus olhos brilhavam, queria muito chorar, mas, por algum motivo, nenhuma lágrima escorreu. Jana colocou a mão no cabelo dele e disse "Calma, já passou. Foi só um sonho. Tá tudo bem. Foi melhor assim. Ela estava sofrendo e você sofrendo junto. Ela vai ficar bem e você também vai. As coisas vão melhorar muito ainda, sei que vão!" Dante dormiu com um cafuné de Jana e acordou no outro dia sem Jana a seu lado. Sem Ana. Sem nada. Levantou, escovou seus dentes sem vontade alguma de ter uma arcada dentária saudável, colocou suas vestes sem ligar se iriam lhe achar bonito ou não, comeu seu café da manhã sem sentir fome, abriu a porta e viu um belo céu azul lhe convidando para mais um dia de trabalho.

Endriu Costa
Enviado por Endriu Costa em 14/09/2023
Reeditado em 14/09/2023
Código do texto: T7885567
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