Um Erro

O lugar era aprazível. Cadeiras e mesas bem protegidas por barracas de praia, mulheres em biquínis sumários e crianças fazendo algazarra.

- Encontrou o homem?

- Já. Não vai ser difícil.

- Está muito confiante. Sempre é difícil.

- No caso dele, não. Anda sempre desacompanhado.

- Acha que é excesso de confiança?

- Talvez seja. Mas pode ser que não, ele não percebe nada mesmo.

- Eu não teria tanta certeza.

- Por quê?

- O cara sabe que tem dinheiro e mulher bonita.

- Acha que vale mesmo a pena? Ela não é tão nova assim.

- Não pedi sua opinião, pedi?

- Não, estou falando por falar. Talvez não valha a pena.

- Quem sabe se vale ou não a pena sou eu. Você não é o interessado.

- Sei disto. Mas com a grana que e a pinta que tem, acho besteira.

- Não vou levar em consideração o que ouvi.

- Mas é verdade, homem! Pode ter coisa muito melhor...

- Na sua idéia. Para mim, ela é um deslumbramento.

- Não vou negar que é bonita. Mas eu não correria o risco.

- Risco de quê?

- Quem manda deve saber o que faz, as conseqüências.

- Não tem conseqüência nenhuma. Ela é muito independente.

- Tavinho falou comigo que ela já foi apaixonada por um idiota.

- Otávio é mais idiota ainda. Comprou aquele bilhete premiado. Otário.

- Como ele ia saber que o cara era boca de sabão?

- Conhece o cara?

- Eu não.

- Mas eu conheço. Ele também comprou o bilhete. Pagou bem.

- Quanto?

- Não sei ao certo. Dizem que duzentos mil a mais.

- E limpou uma grana! Sai dessa, o cara é malandro.

- Malandro e com mulher bonita. Vai ser minha.

- Ela já sugeriu que topa isto?

- Não precisa sugerir nada. Está na cara!

- Só se for na sua. Eu nunca vi nada que mostrasse isso.

- Rapaz, meus problemas resolvo eu.

- Eu sei, mas devo alertar você. Aquilo é chave de cadeia.

- Para quem não sabe trabalhar. Um serviço bem feito resolve.

- Até pode resolver, mas eu não confiaria nisso.

- Você sempre foi prudente demais. Isto atrapalha.

- Atrapalha? Estou vivo e inteiro até hoje!

- Você sempre teve sorte. Só pegou molezas.

- É, molezas que você ia tremer na hora de mandar para o diabo!

- Continua treinando todos os dias?

- Claro! Pretendo continuar vivo bem mais tempo.

- E já conseguiu ser tão bom com a esquerda, como queria?

- Acho que com arma de mão é difícil. A direita vai muito melhor.

- Corre o risco de precisar das duas. Como é que fica?

- A canhota está bem razoável.

- Razoável como? Acerta uma latinha de cerveja a dez metros?

- Ei, cara! Isto é para a direita!

- Eu sei, estou cansado de saber. Mas quem tem as duas certeiras...

- Nunca vi quem fosse capaz de ter as mãos idênticas, no tiro.

- Estamos desconversando. Fuzila o cara?

- Com a maior facilidade. Mas nunca por menos de quinhentos mil.

- Eu pago!

- Quinhentos mil dólares, chefe!

- Entrou para a máfia, é?

- Não, mas sei o risco que vou correr depois do serviço feito.

- Rapaz, depois de morto ninguém é importante...

- Pode ser. Mas este cara é um chefão. Tem dinheiro demais.

- Vão querer é botar a mão no dinheiro dele, não em você.

- E quem disse que eu ia deixar marca do trabalho?

- Bom, é verdade. Ele está devendo muito!

- Aquela última com os chineses foi feia!

- Você sabe disso?

- Se não soubesse não ia me meter num caso destes.

- Trato feito! Quinhentas mil verdinhas e eu fico com o caminho aberto.

- Se você vai ficar com o caminho aberto ou não, é problema seu.

- Rapaz, eu não nasci ontem. Da minha parte faço eu!

- E eu dou conta da minha. É fácil.

- Eliane é rica. Tem uma conta nas Bahamas de fazer inveja!

- Problema dela, rapaz. Eu só quero o meu. Mais uma dose, por favor.

- Não vai tomar “coragem” de garrafa para executar o serviço!

- Eu? Nada disto, amigo. Realmente este uísque está bom.

- A nossa!

- E que Deus nos livre de uma boa coça.

Despediram-se. Na semana seguinte, um dono de uma loja de vinhos e comestíveis importados apareceu morto, com um só tiro de nove milímetros, dentro do seu carro, quando voltava para casa. Há muito a polícia suspeitava que ele estivesse envolvido em diversas operações criminosas, inclusive traficando drogas sintéticas.

Nunca descobriram nada a respeito. O que o homem tinha de amigos, tinha de inimigos. Quando morre um homem destes, a polícia fica aliviada. “Menos um”, pensam.

Quem sabe da história é um velho e aposentado detetive. Segundo contou, a “viúva” e um homem de meia-idade, estão vivendo no Taiti, no mais completo amor e romance.

O idiota que contratou os serviços dele, num ensolarado clube, não sabia que eram velhos amantes.