O RETRATO DA POBREZA

"Mendubi!"

"Mendubi!"

Gritava Valentina, caminhando descalça e carregando uma bacia cheia do popular amendoim que pesava mais do que ela. Ela percorria quilômetros e quilómetros todos os dias para atingir sua meta de vendas. Com apenas nove anos de idade, Valentina já tinha muitas responsabilidades e trabalhava como vendedora ambulante de mendubi nas ruas. Ela não se importava com o que as pessoas diziam sobre sua condição, pois muitos não sabiam o que ela passava em seu dia-a-dia. Ela simplesmente fazia seu trabalho com esforço e dedicação. Sempre que Valentina saía para as ruas, via outras meninas de sua idade brincando felizes e sem preocupações, o que a deixava ressentida. No entanto, ela não permitia que o desânimo tomasse conta dela.

Desde muito jovem, Valentina viu sua família se desintegrar aos poucos. Seus pais se casaram cedo, enquanto ainda estudavam. Na época, seu pai estava se formando na academia militar e sua mãe frequentava o ensino secundário. Eles eram muito apaixonados e formavam um belo casal. Dessa união nasceu sua irmã mais velha, Aurora.

Aurora era uma garota desleixada, e seus pais a criticavam por isso, mas ela simplesmente ignorava. A mãe de Valentina enfrentou muitas dificuldades durante a gravidez precoce, que resultou no nascimento de Aurora. Ela precisou passar por várias cirurgias antes e depois do parto. Quando Aurora completou nove anos, o pai de Valentina foi convocado para a guerra contra a Renamo em Muchungué, na província de Sofala. Ele ficou desesperado, sem saber o que fazer, mas sentindo o dever de partir, foi para as trincheiras.

A mãe de Valentina não retornou aos estudos, pois sofria de dores no corpo desde o parto de Aurora. Seis anos se passaram, e Aurora já estava acostumada com a ausência do pai e a doença da mãe. Ela aproveitava a situação para sair com amigas que não eram uma boa influência, enquanto sua mãe lamentava por não poder fazer nada. Ela esperava meses para que seu marido voltasse para casa e contasse sobre o comportamento de Aurora. Ele ficava zangado, mas Aurora simplesmente ignorava.

Dois anos depois, a mãe de Valentina ficou grávida novamente e temia pela própria vida no segundo parto. Aurora não reagiu bem ao ver a mãe desesperada. Seu pai apenas rezava para que a guerra terminasse e ele pudesse retornar para casa. Enquanto ainda estava na guerra, recebeu a notícia de que sua segunda filha havia nascido e que sua amada esposa não estava bem de saúde. Ele temia pela vida dela.

Dez anos se passaram e a segunda filha do casal já tinha seus nove anos, e era muito especial para seus pais, com apenas nove anos a Valentina era muito destemida.

Enquanto isso, Aurora não facilitava a vida de Valentina e a culpava por todos os problemas que surgiam. Valentina cresceu sentindo-se oprimida pela irmã. Em uma manhã qualquer, Valentina ouviu sua mãe chorando desesperadamente e correu para ver o que havia acontecido. Infelizmente, Valentina também se pôs a chorar ao descobrir que seu pai havia sido morto na guerra. Naquele dia, Aurora estava longe de casa há três dias, mas quando recebeu a notícia, correu rapidamente para se juntar à família, sem acreditar no que havia acontecido. Elas entraram em desespero, esperando que o corpo do pai chegasse para realizar o enterro. Os parentes do falecido e a família da viúva estavam presentes, lamentando a tragédia. Três dias depois, o enterro foi realizado, e a viúva foi carregada por vizinhos e irmãos, já que ela não conseguia fazer muitos movimentos. Naquele dia, a situação de saúde dela piorou.

Depois do enterro, todos voltaram para suas casas, e Valentina ficou apenas com sua mãe e irmã mais velha, Aurora. Dois anos se passaram, e a viúva começou a se queixar de cegueira, justamente quando enfrentavam problemas financeiros. Aurora entrou em desespero e abandonou os estudos, sentindo-se culpada e injustiçada pela vida. Ela viu seus tios, que costumavam visitá-las, desistirem delas e pararem de atender as ligações. Enquanto alguns desistiam, outros se aproximaram de Aurora para tirar vantagem dela. Ela havia sido encarregada por sua mãe, agora cega, de cuidar de tudo, pois era a mais velha. Seus tios, conhecendo sua inocência e imprudência, a influenciaram com promessas de um futuro melhor, sem o consentimento da mãe. Aurora, juntamente com seus tios, vendeu a casa que seu pai havia deixado para elas. Como órfã e sem escolhas, Aurora se viu envolvida em falsas promessas. Depois desse incidente, seus tios desapareceram e negaram todas as acusações de Aurora, chamando-a de tola, estúpida e preguiçosa.

Aurora ficou deprimida ao ver sua família ser despejada como se fossem lixo, e foram viver em uma obra temporariamente emprestada por um futuro vizinho. Passando dias e noites sem comer, Aurora se culpava pela desgraça em que se encontravam. Sem pensar nas consequências, ela queria tirar sua família daquela situação o mais rápido possível, a qualquer custo. Influenciada por suas amigas, ela começou a se prostituir. Quando Aurora saía de casa e não voltava por muitos dias, Valentina cuidava de sua mãe de manhã e recebia a ajuda dos vizinhos. Depois, ela ia para as ruas vender mendubi. Essa atividade foi iniciada com a orientação dos vizinhos, que a aconselharam a não seguir o mesmo caminho que sua irmã. Com o dinheiro que ganhava com as vendas, ela usava um pouco para as refeições. Quando chegava a hora dela ir para escola a Valentina corria para casa e se preparava para a escola. Enquanto sua família enfrentava uma grande adversidade.

Aurora nunca se acostumou com a vida na prostituição e sempre sentia um vazio e arrependimento por não ter se dedicado quando teve a oportunidade. Um certo dia, Aurora percebeu que a vida que havia escolhido não lhe trazia nada além de um futuro incerto e uma vida sem glória. Por mais que tentasse se distrair, algo a lembrava de que seu destino seria o mesmo de seu pai: uma morte indesejada. No entanto, não uma morte em guerra, mas uma morte causada pelo desespero, uma morte que traria consigo doenças e desgraças, uma morte tão óbvia que, quando ela percebeu que esse seria o resultado de suas escolhas, encontrava-se deitada em seu quarto, sobre um pedaço de lona, ao lado de Valentina, respirando vagarosamente. Valentina ficou muito assustada e informou sua mãe, que pediu para Valentina chamar os vizinhos, pois sabia que sua filha não estava bem. Quando os vizinhos chegaram, Aurora estava muito fraca e envergonhada. Ela foi levada às pressas para o hospital e descobriu que estava com uma doença terminal.

Vendo essa situação, Valentina lamentava profundamente. Mesmo sendo jovem, ela aprendeu da pior forma que a vida pode nos pregar peças sem aviso prévio. Valentina se esforçava ao máximo para ajudar a sustentar sua mãe e irmã doente. Ela se dedicava a vender o máximo possível de mendubi para conseguir dinheiro para refeições e para comprar mais mendubi para revender. O dono da obra onde moravam temporariamente ajudava Valentina para que ela pudesse estudar e melhorar as condições de sua família. Sendo órfã de pai, a segunda filha de uma mãe cega e a irmã mais nova de Aurora, a situação dessa família era devastadora. Quando Aurora adoeceu e voltou para casa em desespero, suas amigas nunca mais a procuraram, e ela vivia sem esperanças, observando o esforço de sua irmãzinha Valentina, sentindo-se uma fracassada. Sem ter mais opções, ela permitiu que o abismo consumisse sua mente e seu coração.

Enquanto isso, Valentina dava o seu melhor para enfrentar as adversidades.

Nélio Da Costa José
Enviado por Nélio Da Costa José em 14/07/2023
Reeditado em 14/07/2023
Código do texto: T7836491
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