- CHÁ DAS CINCO - Iolandinha Pinheiro

 

Passados três meses do casamento com Ernesto, Maria Emília já sabia que aquela fora a pior decisão que havia tomado em sua vida. Rapaz simpático, tocador de violão, o marido havia sido um namorado divertido e um noivo atencioso. Tudo teatro. Mal casaram e a verdade começou a aparecer.


Na volta da lua de mel haviam planejado um chá da tarde para receber os pais dele e os dela. Maria Emília passou o dia inteiro cozinhando e arrumando a casa. Faltando meia hora para as cinco da tarde, ela se lembrou do chantili que o sogro gostava de colocar no capuccino. Então pediu ao Ernesto para que fosse pegar na delicatessen vizinha.
Meia hora depois os convidados chegaram, mas o Ernesto, não. Foi aparecer no dia seguinte, trazido pelos amigos, sem conseguir firmar as pernas para andar até o quarto.


-Tudo bem, pensou a moça, homens fazem essas coisas. Esperou que o marido acordasse, e preparou um banho com um café reforçado para ele. Ernesto pediu muitas desculpas e fez inúmeras promessas. Naquela tarde, juraram novamente amor eterno.


Na sexta-feira encomendou petiscos e comprou um licor de nozes, o seu preferido. Foi ao salão e fez todos os procedimentos para encantar Ernesto. No sábado fizeram uma festinha particular. O sonho do casamento perfeito havia voltado com toda a força para aquela casa. No dia seguinte ela acordou com um bilhetinho do marido avisando ter ido levar o carro para consertar. Maria Emília achava que as oficinas não abriam aos domingos, mas já que agora teria tempo, resolveu aproveitar para ir ao mercado e comprar os ingredientes para fazer uma feijoada, havia aprendido a receita com a mãe naquela mesma semana.


Passou a manhã neste labor, e depois foi tomar um banho caprichado para agradar ao Ernesto. Sentou-se numa poltrona e pegou um livro novo para ler. Já havia chegado à metade e nada do marido aparecer. Fez um prato para si própria e comeu sem entusiasmo. Às sete da noite já estava desesperada. Ligou para os sogros, para os amigos, para a polícia, até havia pedido para o irmão acompanhá-la ao necrotério. Nada.


Ernesto apareceu no fim da tarde da segunda-feira. Estranhamente, estava vestido com uma roupa de trabalho. Então ela perguntou o que havia acontecido, mas ele a ignorou. Quando insistiu, ele a mandou calar a boca.Nesta tarde, Maria Emília pensou em toda a vida confortável e tranquila na casa de seus pais e seu irmão. Nada daquilo era justo, havia tido sonhos e feito planos e agora abria a geladeira e via uma feijoada produzida com todo carinho e esquecida no congelador.


No meio de todos os pretendentes que tivera, havia escolhido exatamente o pior deles. A solidão parecia insuportável naquele dia. Não podia mais aguentar aquele desgosto imenso sozinha, naquele dia tomou coragem para contar tudo aos seus pais. Chegou lá com uma sacola de roupas e artigos de toilette. Depois pegaria o resto de suas coisas. A mãe sorriu enquanto servia o jantar. Deu um abraço na filha e avisou:

- Amanhã mesmo você volta para a sua casa. Não vai voltar para cá como uma esposa largada, sem homem. Na nossa família as mulheres nunca se separam. Não vai ser a minha filha que vai inaugurar este costume.


Resignou-se. Chegou por volta das nove da noite e encontrou o marido dormindo no quarto de hóspedes, aquele quarto que ela havia escolhido para ser o quarto do bebê quando o filho dos dois finalmente viesse. Mais um sonho guardado na gaveta.


A solidão a desesperava. Começou a sair para encontrar as amigas. Numa destas saídas a Adelaide, a chamou num canto da casa de chá e largou a bomba:

- Vi seu marido com uma loira. Sei lá, pode ser alguma parente. Estavam andando de braços dados pela Praça do Ferreira.


Um dia Maria Emília recebeu um aviso de corte da energia que já estava no terceiro mês de atraso. Foi até o quarto que agora o marido usava e o acordou balançando sua perna.


Quando explicou o motivo, Ernesto se levantou falando que ela era mesmo uma inútil. Disse que pagava sozinho todas as contas e que ela mesma pagasse aquelas, porque ele estava cansado de sustentar uma parasita.


Para evitar escândalos, o pai e o sogro dela passaram a pagar as contas do casal. Maria Emília achava tudo aquilo humilhante demais. Era professora formada, podia trabalhar. Pegou o jornal e saiu procurando emprego. Como não tinha experiência alguma, ninguém queria contratá-la.


No meio tempo resolveu aproveitar os dias livres para fazer curso de datilografia e inglês. Acabou mandando uma carta para uma empresa de exportação e esqueceu o assunto.


O marido se incomodava com as saídas da esposa. Não que se importasse minimamente com ela, mas porque desconfiava de que estaria sendo passado para trás. Nunca mais havia comida guardada na geladeira, suas camisas continuavam no cesto esperando para serem lavadas e passadas. Afinal, o que aquela mulher queria? Que ele fosse incomodar Gerusa com estas miudezas?


Ernesto desabafou com a amante. Gerusa viu ali uma oportunidade de tirar vantagem.

- Ela deveria fazer tudo para lhe agradar. Afinal vive na sua casa enquanto você mora aqui comigo tendo que pagando aluguel.

Esse pensamento foi crescendo na cabeça de Ernesto. Maria Emília, por outro lado, ia abrindo os olhos para o mundo em torno dela. Andava mais com as amigas, estudava, até procurou um psiquiatra que receitou um remédio para a ansiedade em gotinhas. A droga dava uma leve sonolência, mas era só ter cuidado com a dosagem e nada aconteceria.


Quando o marido avisou que queria ocupar a casa com a amante, a jovem pediu que ele aparecesse no dia seguinte para que ela pudesse consultar o psiquiatra sobre esta novidade. Na manhã do outro dia, ela própria foi procurá-lo no trabalho.

- Acabei de falar com o meu psiquiatra, e ele me aconselhou a resolver isso através de encontros. Nós três nos reuniremos aos sábados às cinco da tarde para conversar, e tomar chá juntos. Assim qualquer animosidade vai se desfazendo e em um mês você se mudará para cá, que acha?


No primeiro sábado lá estavam os dois à porta da casa. Gerusa havia caprichado no visual, já Maria Emília estava com um vestidinho discreto e os atendeu ainda com um avental na cintura. O chá estava servido num terracinho charmoso entre vasos de flores. Sobre a mesa três garrafas, uma de chá, uma de café e a última de chocolate quente.


Os convidados quiseram provar das três, mas a preferência recaiu sobre a de chocolate. Um creme soberbo com um fundo de amêndoas e baunilha. Diante das bebidas e dos biscoitos amanteigados, nem lembraram de falar da casa. Os sábados passaram a ser dias esperados pelos três. No segundo falaram ligeiramente do imóvel, mas a esposa parecia não se importar muito em deixar a casa para os dois. No terceiro só havia o chocolate. Afinal era o preferido mesmo.


No último sábado Maria Emília recusou o chocolate. Bebeu apenas uma xícara de chá e nem tocou nos biscoitos. Ficou olhando enquanto seus convidados esvaziavam o líquido marrom e saboroso até o fim. No dia seguinte ela leu no jornal sobre o acidente que havia vitimado o casal. Segundo o repórter, Ernesto Miller havia dormido ao volante quando pegava a estrada para a praia.
                                                                                                                       Durante o velório, o sogro confirmou que ela ficaria com todo o patrimônio do filho. Uma forma de se desculpar pelo comportamento terrível que Ernesto tivera. Ao chegar em casa, Maria Emília ligou de imediato para o psiquiatra.

- Você falou que havia usado todas as gotas do sonífero. Quer a receita para mais um vidro?

- Não, doutor. Agora estou muito bem. Acho que podemos encerrar o tratamento.


Uma semana depois foi chamada para o novo emprego. Ao preencher a ficha sorriu quase imperceptivelmente quando escreveu a palavra “viúva” onde se perguntava o estado civil.



Iolanda Maria Pinheiro C. Leitão.