A noviça

A NOVIÇA

Miguel Carqueija

 

A Irmã Brenda, com seu hábito azul-turquesa de esvoaçante escapulário, aproximou-se do repuxo situado no meio dos jardins do claustro. Os passarinhos — sabiás, andorinhas, bem-te-vis, azulões — viviam bebendo e se banhando naquela água refrescante. A jovem noviça, morena de cabelos muito pretos e pequena estatura, segurava o avental dobrado para dentro e, chegando junto ao repuxo, desdobrou o pano e foi colocando migalhas de pão na borda lisa de cimento. De tão acostumadas com a sua presença as avezinhas já nem se assustavam e até vinham comer na sua mão.

— Então — disse ela sorrindo — vocês estão contentes com a chegada da primavera?

Os trinados se multiplicaram e Brenda espiou um pouco aqueles vôos que ela não podia imitar. Afinal ela não era aquela “noviça voadora” da televisão.

Ao se afastar deparou com a Madre Magda, Mestra das Noviças, que a aguardava num dos corredores perimetrais do claustro. Uma mulher alta e magra, com o dobro da idade da noviça, cabelos escassos.

— Você sempre cuidando do seu aviário, não é?

— Sim, Madre, é tão bom viver em meio aos pássaros...

— Mas eu fico pensando porque você se importa tanto com esses passarinhos. Eles não precisam de você. Eles se alimentam com o que a natureza oferece. Tudo o que eles precisam está nas árvores, nas plantas e na terra.

— Ora, Madre. Eles têm direito de variar um pouco a dieta.

— Pois é, só que você com isso sacrifica a sua refeição. Você guarda pão do lanche, da ceia e do café para distribuir de manhã a essa passarada. Você sabe que nós aqui comemos apenas o necessário. Se você desfalca a sua porção, não pode repor. Assim você vai emagrecer.

Brenda começava a se sentir incomodada com aquela enquete.

— Madre Magda... acho que eu preciso emagrecer um pouco.

— Você já é magra. Não deveria se privar de comida porque a nossa alimentação é racionada.

— Eu sei... — murmurou ela, embaraçada.

— Pense nisso — e assim dizendo a madre se afastou.

Irmã Brenda suspirou, tocou no crucifixo em seu peito e olhou em volta. Tinha que ir para a alfaiataria; num convento não se pode ficar na ociosidade.

Vendo-a se afastar por um corredor interno do edifício, duas garotas noviças, que a observavam a distância, passaram a comentar:

— Que garota estranha é a Brenda, Arlete. Acho que ela se julga São Francisco de Assis.

— Também acho, Vivian... e ela não é de muita conversa.

— Não. Ela só vive para as atividades diárias.

— E para os passarinhos.

— Ela pensa que é santa...

— Eu acho é que essa garota vai dar panos para mangas.

— Duvido que ela dure no convento. Quando ela se cansar vai embora.

As duas foram se afastando, conversando.

E assim vai o ambiente dos conventos sendo corroído pela murmuração.

Enquanto isso a Irmã Brenda costurava em silêncio na alfaiataria, cuidando apenas dos seus deveres.

 

Rio de Janeiro, 14 de junho de 2023.

 

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Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 16/06/2023
Reeditado em 16/06/2023
Código do texto: T7814815
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