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AS RELAÇÕES HUMANAS SÃO COMPLICADAS ou A DECEÇÃO

 

 

 

Leonardo estava sentado no alpendre do pequeno hotel, a curta distância da falésia sobranceira ao mar. A noite chegava aos poucos, o sol desaparecia no horizonte avermelhado, prenúncio de mais um dia de Setembro. O único ruído perceptível e algo longínquo provinha das ondas que rebentavam sem força na areia da praia, ali perto. Ao lado, com um livro semiaberto no colo, preguiçava Maria, indolente, gozando tal como ele os últimos dias de férias antes do regresso à grande cidade, com seu bulício e a azáfama do quotidiano.

 

Ambos moravam na capital, embora em bairros diferentes, e só por acaso se tinham cruzado numa das ruas de Portimão, pois estavam instalados algo longe dali, numa vila costeira chamada Praia da Luz. Por ironia do destino, perceberam depois que cursaram o mesmo ramo mas em universidades diferentes.

 

Maria trabalhava numa revista de indole cultural como editora junior, estava lá há dois anos e gostava do que fazia.

 

De idades aproximadas, pelas conversas tidas, foram progressivamente ganhando aquela confiança própria de quem se identifica com o outro...

 

Os primeiros dias de férias passaram-nos em sobressalto, devido a um grande incêndio que lavrou ali perto e quase lhes estragou o ócio. Felizmente que foi debelado e assim puderam usufruir de um tempo de lazer.

 

Naquele final de dia, Leonardo escrevia no notebook alguns apontamentos de férias para publicar no jornal onde trabalhava em part time, enquanto Maria lia Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia Marquez. Haviam trocado impressões a propósito do livro dela, ele elogiando a escolha, embora o seu preferido fosse Memórias das Minhas Putas Tristes. Ela não conhecia a obra, pouco divulgada em Portugal. Talvez que para si, em segundo lugar, ou mesmo em primeiro, estivesse O Amor em Tempo de Cólera.

Leonardo gostava da escrita incisiva e crua, e ao mesmo tempo meiga e sensual do escritor colombiano. Nisto ambos acharam coincidência de opiniões.

Maria também gostava desse escritor, maravilhava-a o estilo simples, que cativava o público leitor.  Lamentou um certo elitismo por parte da midia que fazia crítica literária, reflexo segundo ela do provincianismo do país em que viviam. Ele concordou, exprimindo a sua preferência pelos clássicos em detrimento de uma certa escrita moderna, algo aleatória na composição.

 

Nesse dia ambos tinham passeado pela areia, descalços na orla junto ao mar, onde a água fria vinha beijar o chão que pisavam. Deambularam pela praia esquecendo o tempo, conversando sobre aspetos do passado de cada um, gostos e peripécias que lhes haviam acontecido e marcado suas vidas.

 

À noite combinaram ir jantar a um pequeno bar situado perto do hotel, uma refeição algo minimalista pois Maria era vegan e ali não se cultivava esse estilo alimentar, enquanto que Leonardo também fizera o sacrifício de apenas comer saladas diversas enquanto ali estivesse de férias. 

Após a refeição rumaram ao hotel, ela dando-lhe o braço e caminhando junto.

Na despedida junto à entrada dos quartos, contíguos, ela deu-lhe um beijo na face e ele corou, sentiu algo de novo pela proximidade do corpo de Maria junto ao seu.

Mais tarde, deitado na cama, Leonardo refletiu sobre o que vivenciara nesse dia e o quanto se identificava com os gostos e a forma de pensar de Maria. Não resistiu a fazer uma comparação com sua namorada, Luisa, que detestava praia e por isso não o acompanhara. Ela não era muito dada a leituras, aliás a sua cultura geral poderia considerar-se algo limitada. Mas era boa moça, meiga, de bom coração.

Leonardo desconhecia se Maria namorava, ela nunca lhe falara nisso, mas ele depreendeu que era sentimentalmente solitária, uma mulher linda e independente como ela não se deixaria prender facilmente.

Com esses pensamentos foi para o banheiro e tomou um longo duche, pois a companhia de Maria fizera-o transpirar bastante. 

Dormiu mal e cedo, na sala de refeições, encontrou-a a tomar o café da manhã. Ela mostrava uma jovialidade que na véspera estivera a bom recato, e Leonardo ficou sem chão quando a jovem lhe confidenciou que o namorado lhe telefonara dizendo que estava perto, em Albufeira, e viria ali passar os restantes dias de férias com ela.

Leonardo sentiu-se triste com situação, não compreendendo a razão desse sentir, mas fez de conta que estava tudo bem, disfarçando o mais que pôde.

 

Uma meia hora depois chegou o namorado de Maria, alto, atlético, bronzeado, com o cabelo alourado do longo contato com o mar e o sol.

Leonardo cumprimentou-o, ela fez as apresentações, toda derretida com ele. Não compreendia qual a atração que uma mulher com o perfil de Maria poderia ter sentido por aquele homem... Ele não deveria ter mais que o ensino fundamental na sua bagagem de conhecimentos... Bronco era pouco... Só pelo aspeto físico? Custava-lhe a crer...

 

Dececionado, concluiu que ainda tinha muito que aprender sobre relações humanas e o espírito feminino…

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 14/09/2022
Reeditado em 16/09/2022
Código do texto: T7605541
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