O Ordap

É bem complexo explanar acerca do Ordap uma vez que ele, e utilizo (ele) sem pretensão alguma, apenas para fazer avançar a prosa, é tragicamente abstrato e mutatório. Vou logo dizendo que Ordap não é o dinheiro, mas com seu gingado hipnótico consegue atrair este para as mãos de quem o possui. E com dinheiro e um estalar dos dedos é possível se ter o império de pedra que quiser, daí você pode tirar que ter, estar ou ser? Ordap não é pouca coisa não é mesmo?

O Ordap não é o poder e muito menos a beleza, ele presenteia os afortunados com estes dotes extraordinários mesmo que os ditos afortunados se mostrem superficiais e vazios. O Ordap tampouco é a persuasão, mas ele reveste de manto persuasivo os seus escolhidos, mesmo que alguns destes sejam tolos ou cruéis.

Não há uma forma especifica e única de adquirir Ordap, alguns nascem com Ordap, outros o recebem por transferência direta ou indireta de terceiros. Mas a maioria consegue a muito custo e sangue derramado, sangue próprio e de outras pessoas. É fácil, para quem lê, concluir que aqui não há dignidade ou justiça. E bem, é verdade. O Ordap não enxerga a justiça e, além disto, é regido por uma força arbitraria, como mencionei a pouco.

Os detentores de Ordap agem, mesmo que uns não admitam e muitos outros nem sequer percebam isto, como uma seita rígida, maléfica. Eles marginalizam aqueles que não possuem Ordap, lhes privando de prerrogativas e perpetrando pelos seus caminhos todo tipo de infortúnio inimaginável. E ainda falam para estes despossuídos que há maneiras, mesmo que kafkianas, de ser obter o Ordap, e que só depende deles o êxito. O que é irônico, pois a maioria dos que assim falam não conhecem a prática dos caminhos terríveis.

O grande inconveniente relacionado ao Ordap é que após obtê-lo é necessário carrega-lo para todos os lados, todos os dias, e isso acaba se tornando, em pouco tempo, estafante. Não se pode solta-lo um segundo sequer mesmo ele sendo pesado como chumbo. O grande temor dos possuidores é que eles são conscientes de que são poucos os que morrem ainda em detenção do Ordap.

Mas a maioria de nós morre infeliz, sem sequer ter tocado com os pés o umbral da porta de acesso ao Ordap, mesmo que tenham barganhando com o próprio sangue e vísceras para isso. Os que possuem Ordap, por sua vez, passam a vida toda angustiados e com medo de que ele lhes seja arrancado das mãos de repente. Dentro os possuidores, aqueles que são dados à reflexão e flertam com o autoconhecimento acabam questionando a si mesmos se valeu a pena sacrificar tanto pelo Ordap.

Porém, é indiscutível, que a influencia soberana do Ordap paira sobre todos nós. Se há um indivíduo sequer na terra que consiga existir sem sofre as influencias absolutistas dele, bom, eu gostaria de conhece-lo.

Em tudo isso que falei, o tipo mais perigoso de possuidores de Ordap são aqueles que, mesmo infelizes, alimentam e sustentam com mãos de ferro o poderio e a manutenção do Ordap. Eles entendem que derramaram muito suor e sangue e que o percurso não deve ser fácil para ninguém, pois para eles não foi. E o desagradável é que a maioria dos possuidores são dessa estirpe.

Em esconderijos por todos os cantos do globo há pessoas ousadas que discutem, acaloradamente, sobre o Ordap. Alguns são da ideia de que os requisitos para sua obtenção deveriam ser mais flexíveis e realistas, outros, mais ousados ainda, proclamam em tom grave que ele nem deveria existir, que desta forma seriamos todos do mesmo tamanho e composição.