EVENTO DE NATAL
Dezembro. O centro da cidade derrama pessoas por todos os lados. Como formigas desvairadas. O calor cedeu um pouco. Discreto mormaço pela manhã.
As horas caminham, céleres. Quase meio-dia. O estômago cobra seu tributo. Olha para o alto e percebe o céu nublado a se confundir com os prédios antigos. Construções da década de quarenta, charmosas, porém em mau estado de conservação.
E a aglomeração urbana só aumenta. Nem todo mundo porta máscara. A peste foi reativada. Todo o cuidado é pouco.
Ele segue pela rua principal, e tenta se desviar do povo ensandecido pelas ofertas natalinas.
Vez por outra, quase tropeça nos ambulantes africanos que vendem bugigangas made in China. Pobres imigrantes com um olho nos consumidores e outro na fiscalização, que, nesta época, anda intensa.
Uma desarmonia de sons serve de trilha sonora. Um velho bate num pandeiro e pede esmolas, o som dos locutores informais anunciam ofertas, o grito das mães repreende as crianças mais ousadas. Um inferno.
Nisso, dá mais alguns passos. E sente uma dor aguda no peito. Como uma punhalada. Pouco a pouco tudo em volta vai se apagando. Ele rodopia e cai estatelado, em meio a uma multidão.
De repente, começa a sentir uma paz indizível. Fora do corpo, pode ver os paramédicos fazendo uma inútil massagem cardíaca e o povo em volta com expressão assustada.
Pode flanar, então, até o alto dos prédios e ver o céu, agora, bem mais celeste. Pode reprisar vários momentos de sua vida. Venturas e desventuras. Num cronologia caótica.
De repente, um corte. Está, de novo, em casa. Empunha o mouse, dá dois cliques e deleta. Não gostou do enredo. Achou-o repetitivo, sem muita expressão. Nem para rascunho serve. Com raiva, desliga o computador.
Adentra na cozinha. Liga a cafeteira. Melhor tomar um café agora, pensa. Lá fora, a noite se instala.