EX VIÚVA

A EX VIUVA

BETO MACHADO

Ana Rita sorveu bem todos os pequenos percalços do casamento de vinte anos, levado a ferro, vassoura e fogão, até que a morte inoportuna e impiedosa lhe tirou o seu querido Valtinho.

Valter de Sá Rios, “o radical”, como era chamado nas rodas de conversas, nos bares da Cinelândia, nas tardes-noites das sextas feiras, dominava bem os assuntos abordados pelos amigos de copo. Apenas demonstrava insatisfação quando o papo enveredava para as diferenças étnicas. Militante de grupos e entidades de estudo e defesa da igualdade racial dizia que a gravidade e a importância do assunto não combinava com o ambiente cuja informalidade ultrapassa os limites da alegria e da irreverência, esbarrando e colidindo com o respeito. Odiava as piadinhas com alusão à cor e à raça negra.

Seu corpanzil e sua oratória, com olhar e gestual incisivos, serviam-lhe de escudos contra uma possível investida de algum desavisado. Claro que muitas vezes chagara às vias de fato, motivado por essas questões. Mas seu coração, subitamente, finalizou seu combate.

O chão de Ana Rita demorou algum tempo para se apresentar às sandálias dela.

Transcorreram uns anos muito duros, para aquela mulher que se julgava “bem servida de marido” e, repentinamente, se vê viúva. E, do ponto de vista de parentes e dos amigos, era verdadeira essa afirmativa.

Mas a viuvez quando envelhece carrega consigo outros hábitos, novos comportamentos, que dificilmente se enquadram à vida a dois novamente.

Não que os hormônios de Ana Rita não lhe tivessem cobrado mais atividades pro ativas que atendessem suas necessidades biológicas e emocionais. Cobraram; e muito. Mas ela, durante um razoável hiato de tempo, evitou envolver-se com casos amorosos, desses que classificamos de “sérios”, visto que a viuvez lhe trouxera um rico patrimônio do qual não mais abriria mão.

A Liberdade, um tesouro que os místicos elegem de “dádiva Divina”; os céticos a têm como um direito por merecimento; e para muitos não passa de moeda de troca; e para outros tantos, desejo inalcançável, acabou dando um “up grade” no espírito, no corpo, enfim, na vida de Ana Rita.

Um descuido dessa nova mulher lhe rendeu um punhado de dúvidas e preocupações. Descuidou-se em algumas ações cordiais momentâneas, envolvendo candidatos a interromper aquela viuvez injustificada e prolongada em demasia, ao conhecer um homem, que demonstrou ser muito diferente dos que, até então, mantiveram com ela interações superficiais ou profundas... Aí vieram as dúvidas: “Namoro ou Amizade?”... “Amor ou Paixão?”...

As amigas de Ana Rita foram tomadas de estupefação ao receberem o convite de casamento dela com seu novo “príncipe encantado”. E o encantamento não surgiu assim repentinamente não. Ana Rita levou um bom tempo observando seu amado ou apaixonado, através de suas ações positivas, como a delicadeza nos diálogos; seu dom de ouvir mais que falar; sua firmeza nos posicionamentos; seu espírito solidário; sua demonstração de sociabilidade; o respeito a sua condição de mulher cuja vida se aproxima da melhor idade, mas, acima de tudo, a reciprocidade do amor e do carinho recebidos.

A condição de pai solteiro facilitou o processo do casamento. Seu casal de filhos, maiores de idade e emancipados da tutela do papai, aprovou com louvor o enlace.

O cimento com que foi formatado esse novo relacionamento vem se petrificando a cada dia, tanto que as preocupações deram lugar a uma certeza na cabeça de Ana Rita: ---Paixão é o que moverá seu coração doravante.

Roberto Candido Machado
Enviado por Roberto Candido Machado em 08/05/2020
Código do texto: T6941381
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