HOJE EU SÓ QUERIA ME DIVERTIR

Sábado . Abro os olhos, faço minha prece matinal, pulo da cama... ops! Isso já não faço há tempos! Saio cuidadosamente da cama, pra não dar um “jeito” na coluna e vou direto pra janela, ver como está o tempo.

Faz sol, que bom! Então, hoje posso caminhar, ou ir à praia, quem sabe andar de bike. Mas, posso também não fazer nada disso e ir direto pra Academia, malhar um pouquinho. Olho meu saldo bancário – no vermelho. Ah! Meu Deus, não aguento mais essa dureza... melhor ficar em casa mesmo, não dá nem ânimo de sair. Que isso? Me pergunto. Bora! Não posso me entregar!.

OK. Vou pra cozinha, preparo um bom café com leite e tapioca com queijo. Lembro que hoje é o último dia que posso usar o fogão e tomar um banho quentinho (o moço da CEG ficou de vir aqui, desligar sumariamente o relógio do gás, pois constatou um vazamento perigoso). Merda! Pra quê fui lembrar disso? Não dá nem vontade de sair mesmo! Bom, o dia tá só começando... melhor aproveitar a manhã tão linda, antes que algum outro problema apareça.

Desço pra portaria, dou um “bom dia” animado pro pessoal e mal saio na calçada, dois caras mal encarados passam por mim. Sinto um calafrio e penso em voltar pra casa, mas não, preciso desviar pensamentos negativos, vou em frente! Quase chegando ao final do segundo quarteirão, outros dois malandros vêm na minha direção e eu penso: “Ferrou”. Bingo! Faca na mão, me pedem dinheiro e celular. Não tive escolha. Caramba! Jesus, o que foi isso?

Trêmula, dirijo-me a uma Cafeteria, peço uma água mineral e um bolo de chocolate, afinal, depois de um susto desses, preciso mesmo é de um mimo pro meu paladar. Aos poucos, vou me conformando, já que não tem outro jeito, moramos no Rio de Janeiro, segurança zero, e blá blá blá... Conforto-me, lembrando daquelas frases que sempre ouvimos: “Foi só coisa material, você está bem!”, “Vão-se os anéis e ficam-se os dedos”.

Na Cafeteria, tem uma TV e começam a noticiar uns crimes hediondos e aquilo já me trazendo certo mal estar, me faz sair dali, bruscamente. Chego no Caixa pra pagar meu lanche e LASCOU! Como é que vou pagar, se o filho da mãe levou todo o meu dinheiro? Chego pra moça e começo a explicar minha ladainha, super sem graça. Deixo com ela minha aliança de casamento, pra garantir que voltarei pra pagar o que devo. A essa altura, já se passou uma hora e o desânimo toma conta de mim, novamente. “Tenho que ser forte, isso acontece com qualquer um”

Sigo na saga de me divertir um pouco, pra aproveitar o sábado ensolarado. Queria combinar um programinha pra noite, dançar, cinema, qualquer coisa. Tem que ser algo barato, pois lembro que tô no vermelho.

Nem precisei decidir se ia alugar a bike ou não, meu celular não foi embora? Seria pelo aplicativo. Inicio minha caminhada.

Uns vinte minutos depois, “Acho que aquele bolo não bateu bem... to com um pouco de dor de barriga” Ai minha Nossa Senhora! Preciso ir ao banheiro urgente! Não sei por que cargas d’água fui inventar de caminhar! Queria pegar um Uber ou um ônibus pra voltar mais rápido, mas cadê dinheiro? Cadê celular? Que horror!!! Volto, numa caminhada frenética, quase correndo, atravesso entre os carros (não quero perder tempo, esperando o sinal), dou um esbarrão num homem que varre a calçada, quase jogando ele com vassoura e tudo no chão.

Chego, finalmente, em casa. O elevador Social está com uma maldita placa de Manutenção. Vou pro de Serviço, mas tá demorando muito. Pergunto pro porteiro o motivo: “Tão fazendo mudança, madame” Madame é a puta que te pariu! E agora? Moro no 11º andar!!! Tudo bem, não tem outro jeito. Começo a subir a escada. Entro no meu apartamento, lívida, verde, me contorcendo e com vontade de chorar! Suando frio, resolvo meu problema intestinal. Volto pra vida, sentando-me no sofá.

E agora? Tenho que ligar pra Operadora, pra cancelar minha linha. Ligo do fixo, começa aquela musiquinha irritante, deixo no Viva Voz, não tenho mais força nem pra segurar essa bosta de aparelho. Não sei quanto tempo depois, resolvo o problema do celular, que tudo levou, desde fotos maravilhosas até contatos de trabalho, pra lá de importantes.

Chega dessa história de caminhada. Vou pra Academia, é aqui pertinho, tá aberta, hoje é Sábado, deve estar vazia. Determinada, faço uns três exercícios, na santa paz do Senhor, até que um outro senhor chega pra me retirar exatamente essa paz. O imbecil, completamente sem noção e desajeitado, deixa solto o pino de segurança de um dos aparelhos e com isso o inevitável acontece: prendo dois dedos da mão direita (aquela que preciso pra escrever, escovar os dentes, pegar os talheres, abotoar a roupa, amarrar o tênis, enfim TUDO!) Han han, legal! Xingo o idiota até sua última geração, vou embora rapidinho, sem nem querer ouvir as desculpas dele. Mudo completamente o rumo.

Não quero mais cuidar do meu corpo hoje, já deu. Nada de caminhada, bike ou Academia. Vou pra uma Livraria, que é a melhor coisa que eu faço. Sentadinha, segura e confortável. Qual nada! A única Livraria que tem perto da minha casa é uma minúscula, que tem apenas uma poltrona e esta já se encontra ocupada. Fora isso, o ar condicionado deve estar em torno de uns 14 graus! Meu Deus, pra quê isso? Perco o interesse pela leitura, imediatamente.

Bom, já tá tarde, acho que vou voltar pra casa. Entro no prédio e lembro do maldito elevador em manutenção. Pergunto: “Já acabaram a mudança?” “Sim, madame”. Madame... se lêsse meu pensamento veria o que tô te dizendo agora mesmo.

Novamente, no aconchego do meu lar. Boto uma água pra ferver. Vou fazer um macarrão. Mais fácil, rapidinho resolvo o meu almoço. Vou pro computador. Vez por outra esse sacana faz isso - não liga. O botãozinho dele tá com mau contato e hoje, especificamente, HOJE, resolveu não ligar de jeito nenhum! Porra! Logo agora que tenho um monte de e-mail pra responder... ah vou fazer isso pelo celul... nem termino o pensamento, lembro do assalto. Droga! Que saco! Tudo bem, leio meu livro de cabeceira mesmo, por quê ler na Livraria, se tenho um ótimo livro que ganhei de presente bem aqui ao meu lado?

Recosto no travesseiro e abro na página marcada, legal esse livro, poxa, tava esquecendo dele, como assim? Uma página, duas, três, q u a t r o.............adormeço.

Fumaça, interfone tocando, campainha tocando, dou um pulo (dessa vez, que se dane a coluna) e corro pra cozinha! P U T A Q U E P A R I U! A água secou, a panela queimou, o cabo derreteu e até minha fome passou. Agradeço a todos que entraram em contato pra avisar do cheiro de queimado. Chorando, limpo todo o estrago no fogão. Escancaro as janelas pra fumaça sair. Sento no sofá e penso: Hoje, eu só queria me divertir.

Martha Cohen
Enviado por Martha Cohen em 11/08/2018
Código do texto: T6416112
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