Ziguezagueando 13

Jovita tinha metro e meio, ruiva, tronco consideravelmente maior, desproporcional às pernas curtas e grossas, cabelos cacheados até os ombros, tinha sardas no rosto, mas no conjunto, dava a ela um corpo que a diminuía em idade, tinha beleza atípica, de difícil interpretação. Seus olhos e pernas obedeciam a hipnose no veículo, memorizou a ida e vinda do serviço até em casa para o almoço, fazia o trajeto todo santo dia, mecanicamente.

Depois de anos, conseguiu garantir o tempo do almoço para estar com a filha e a mãe a mesa. Conduzia o carro na pura automação, não via rua, pedestres, quando deu por si, estava no estacionamento do prédio que vivia. Neste, ao menos tinha elevador, se livrou do primeiro, que a obrigava andar três andares de escadas para chegar ao apartamento. Conseguiu um refinanciamento de outro localizado próximo aos seus interesses: a beira praia, do centro, da empresa e da escola da filha.

Estava estranhando seu tempero interno nos últimos dias, as laranjas pagas por aquele estranho, e o grude dele com ela em uma delas, fê-la experimentar ser mulher numa conotação e sensibilidade diversa que não conhecia.

Gostou. Se sentiu vista, notada por um homem, de modo diverso dos negócios. Foi tratada numa interioridade espontânea, correu afeto naquilo, sentiu que não era perfumaria, coisa de agrados preparados. Ele não adulou, nem ousou fazer o que foi o excesso. Fez. Coisa estranha, pensou.

Com ela não tinha tempo ruim, sempre, desde quando entendia ser gente, aprendeu com as batalhas na vida que comer jabá ou caviar não importava, sendo comida, para quê saber se o gosto provém do requinte ou não, deglutia a realidade que se apresentava sem reclamações. Como a jiboia, engolia a vida inteirinha.

Relacionamentos? Não foi feliz nem triste, teve um caso curto com um funcionário da empresa, nunca teve a gana para o ficar. A gravidez do primeiro quando ainda era uma menina, foi a escola.

Depois, flertou com poucos, não teve tempo nem emocional para estar naquelas formalidades, “ mi mi mis” e traquejos, compras de lingeries, corpo perfeito, roupas a altura, baladas e baladas para ser vista e escolhida, conhecimento da arte de cama e mesa exigidos para garantir afeto compartilhado, dava trabalho, despedia dinheiro, além de ser campo como da jogatina, estar exposta a ganhar e perder. Passou ter alergia a compromissos, ainda mais que tinha mais de trinta anos, as mais novas tinha um ímpeto para eles que a própria idade permitia, ela havia tirado o véu da ilusão cedo. Homem tornou bicho perigoso para si, era cabreira neste assunto. Sabia que não podia manter acordos a dois na vida afetiva, obrigações a levaria participar de um jogo concorridíssimo entre homens e mulheres do mundo.

A verdade é que Jovita era resistente para amores. A vida deu matéria prima para o coro grosso que ela docilmente encapou a alma.

Desceu do carro. Ao bater a porta do veículo, num clic deu meia volta, resolveu ir até a feirinha comprar maças e ovos, a mãe havia pedido para que trouxesse para o almoço, queria fazer torta de maça para noite.

A feirinha, aquela das laranjas!! Ficava a dois quarteirões do apartamento que morava, e três da praia. Pegou a bolsa e saiu apressada, a mãe a esganaria se não chegasse com os teréns em casa.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 08/06/2018
Código do texto: T6359092
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