Ziguezagueando12
Hugo era divorciado de Nilde, também psicóloga, por escolha única e exclusiva da mulher, que foi embora para a casa de férias, estabelecendo em outra cidade seu consultório e residência.
Acordou com a cama vazia, e o bilhete que dizia: “Hugo, fui embora, nada a receber, espero também não lhe dever. Nosso caso está encerrado. A arvore infrutífera que insistíamos dar vida, arranquei-a pela raiz.”
Estavam em um casamento de mais de duas décadas, viveram o melhor e o pior dele. O tempo, com todo seu fulgor, foi dando o recado, fazendo a poeira assentar, revelando o desgaste natural, não conseguiram dar a reforma à obra como no começo. Um pediu para sair.
Depois do bilhete a viu somente mais uma vez, foi na mesa do Juiz para assinatura da separação amigável. A partir dali, Hugo residiria com os filhos gêmeos na casa, que ficaram para seguirem nos estudos na universidade, passando os finais de semana com a mãe, quando não estavam em festas e passeios com amigos..
Com Cris, Hugo viveu desde os tempos de Faculdade, casaram-se no vigor da mocidade, exploraram ao máximo os vieses do relacionamento para se manterem em matrimônio, arrumando atividades como desculpas para matar a rotina cruel, sombra maligna que visita as relações, desafiando as mentes para o uso da indiferença, e assim ir maquiando as vielas malcheirosas das ações e inações que passa ser pratica, para as partes não irem embora.
Ela, depois de concebidos os dois filhos, gêmeos, administrou seu tempo entre a profissão e o aprofundamento do esporte de que tanto gostava, nado sincronizado, participava das competições daqui e dali, e os filhos, garantidos com os cuidados da aia, que os pajeavam diuturnamente.
Hugo teve a profissão, especializou, doutorou, viajou para tudo quinte canto, via a esposa e filhos somente quando sobrava tempo na agenda. Em seu consultório, havia um agregado de quarto e banheiro. Quando resolvia ficar além do horário para estudos, dormia depois das tantas, de tomado banho e comido algo do fast –food, entregue pelo motoboy.
Amou Nilde ao seu modo, teve dois lindos filhos com ela, Jonieli e Juca. Nilde, foi parceira de uma vida, mulher inteira, era das melhores das fêmeas que conhecera, era a altura do partilhar competência na luta pela sobrevivência no casamento, estabeleceram-se afinados no “pronto para em condições de”, nas emergências, nos deveres e direitos financeiros, com os filhos e os sociais, nos projetos de vida em comum.
Mas não deu, não conseguiram levar longe a admiração, o afeto partilhado a dois, a troca de carinho, tempo em comum, intimidade de corpo, foi desaparecendo motivação para o esforço a estar juntos. Ao final, não passavam de partes de um contrato de família, cumpridores das cláusulas e atribuições patrimoniais e de filhos, nada mais.
Hugo não queria a separação, mesmo vendo tudo como água limpa. Se ao menos houvesse sobrevivido a última esperança, a amizade que os mantivessem completos, satisfeitos pelo que já tivessem vividos em todos os anos de casamento, mas não, não conseguiram, nem que fosse bastar por uma das partes, a satisfação de serem ainda um casal, dignos do nome, sobreviventes ao tempo.
O vazio gritante que se estabeleceu silenciosamente entre eles chegou ao insuportável para uma das partes, Nilde.
Depois da separação, Hugo se revelou no que antes praticava, há muito escolheu a solidão como lugar melhor a estar, não tinha assumido para si. Saindo Nilde, ela o denunciou. Pode ter endurecimento do ego, ou foi vítima do próprio manejo interno em lidar com a vida, foi se ilhando, depois de um certo tempo, não conseguia estar mais para relação. Aconteceu, aconteceu. Fatalidade que fez desmoronar uma história, uma bela história que fracassou.