Ziguezagueando 9

Levando a mão para pegar uma laranja na banca, na feirinha da praça, próxima a orla marítima numa manhã de domingo, depois de ter feito rápida caminhada com Merlinda na praia, o ocaso, ou seja que fenômeno foi, fez Jovita trombar com Hugo, que também caçava uma laranja para comprar.

Jovita se batizaria na do homem no primeiro olhar que cruzaram quando os dois agarraram, no mesmo instante, a laranja mais viçosa. Os dois corações desaguaram as almas pelos olhos, que serviram de escorrega, levando um e outro para dentro.

Foi cômico, engraçado de se ver, Jovita e Hugo segurando a mesma laranja, em silêncio, petrificados. O vendedor da barraca interrompeu o “pause”, dizendo: “Tenho bastante delas, querem que eu busque o que tenho em outra caixa? Tem pra todo mundo!

Para os mais afinados nas questões da metapsicologia, diriam que este caso daria azo aos altos questionamentos sobre reencontro de almas...coisas do inconsciente. Foi impressionante a naturalidade dos dois, depois do corneta feirante dizer que tinha mais para venda, soltaram lentamente da laranja.

Sempre educada em situações desconcertantes, a mulher procura salvar a situação pedindo desculpas a Hugo, continuando a escolher outras laranjas.

Hugo se manteve silencioso, fazendo somente sinal positivo com a cabeça, acenando de que estava tudo bem, passou reagir numa indiferença dirigida. Escolheu três laranjas, o que o levou finalizar retirando o dinheiro do bolso, pagando pela mercadoria.

No ímpeto, depois de ter sido alcançado pelo olhar todo penetrante de Jovita, intrepidamente tirou uma cédula do bolso de valor bem superior a um quilo de laranja, entregou ao feirante, dizendo que era para o pagamento da laranja de Jovita, escafedendo-se do lugar.

Jovita sentiu pela primeira vez na vida, com trinta anos, o olhar de alguém que a encontrou além do palco que sempre atuou, o de sobrevivente. O encontro com o homem misterioso, e o olhar dele nela acima da laranja que os dois haviam agarrado, sentiu, pela primeira vez, o convite de alguém para descer da corda bamba da vida que se equilibrava.

Estranho, mas foi isto que viu no olhar do transeunte.

Pegou algumas laranjas levou para o vendedor pesar. Dito o preço da fruta, Jovita levou a mão no bolsa para pegar o dinheiro para o pagamento. O vendedor, com aquela voz pistoneada, num tom agudo dos agudos, disse: “Senhora, o moço que ficou com a mão grudada contigo naquela laranja, pagou a conta.

Jovita estremeceu, quis pagar pelas laranjas, mas o vendedor não aceitou. Nunca tinha ocorrido na vida dela este fato, um homem ter pago ao menos um palito de fósforo para ela. Saiu descontrolada da feira, sua filha Merlinda, que a aguardava em um banco próximo, percebendo o descontrole no olhar da mãe, não entendendo, falou:” Mãe, o que é isto, a senhora está pálida!.

Jovita continuou os passos, respondeu que não era nada. Terminaram o trajeto até o apartamento.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 31/05/2018
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