O PRAZER E O DESPRAZER DAS COISAS ESQUECIDAS

"Olá, escuridão, minha velha amiga

Vim conversar com você de novo

Porque uma visão suavemente arrepiante

Deixou suas sementes enquanto eu dormia

E a visão que foi plantada em meu cérebro

Ainda permanece dentro do som do silêncio."

Domingo passado fui até Guararapes, cidade vizinha de Baguaçu, visitar um velho amigo que possui um viveiro de mudas e coisas para jardinagens.

O local está sempre aberto; sete dias por semana; doze horas por dia.

Ali existem mangueiras, flamboyans, paineiras, abacateiros e toda sorte de árvores que dão ao lugar um aspecto agradável, fresco, relaxante, propicio à conversa mole, apropriada para esperar trem, (se ainda existissem trens de passageiros), ou para exercer a agradável tarefa de ficar a observar capim crescer.

Carlinhos já andou pelo "Vale das Sombras".

Estava no Carandiru no Dia de Cão.

Hoje é comerciante e, (pasmem!), cantor e compositor de músicas religiosas.

Existem muitas musicas dele na internet, (depois passo o endereço), e eu as considero boas, muito boas e não é porque ele é meu amigo.

A música diz ele, espanta o demônio, que insiste entrar na nossa vida.

Isto porque o demônio antes era um Anjo Maestro, que compunha e cantava músicas para louvor à Deus, contra qual se rebelou.

Desde então, o coisa ruim, odeia música, porque ela é a linguagem do Criador e a melhor forma de falar com Ele.

Se é verdade ou não, o capeta nunca bateu na minha porta, portanto não poderia afirmar.

Mas eu também canto, arranho um violão e já tive até uma banda de rock.

Conversa vai, conversa vem, regada a água de poço, (porque o anfitrião não bebe álcool), ficamos a falar do passado e de plantas alimentícias, que ninguém mais come.

Como o desejo do Vampirão do Planalto é fazer a população morrer de fome, achamos útil reviver o que comíamos; porque do jeito que as coisas vão, teremos que buscar velhas fontes de alimentos.

Apontei a ele um pé de Serralha, comida do nosso tempo.

Logo, numa busca de pouco esforço, encontramos várias, abandonados no chão do terreno, cada qual ofertando ao homem uma pequena flor amarela.

Nunca comeu Serralha não?

Nem sabe o que é, despreparado leitor?

Explico: Serralha é uma planta pequena, de cor verde mais escuro, (se estiver ao sol é verde, se estiver na sombra é marrom), que dá uma florzinha amarela; é da família, (parente pobre), do "dente-de-leão".

A receita para fazer Serralha descrevo no final; mas adianto que tem gosto de espinafre.

Depois de esgotarmos tudo que sabíamos desse alimento, Carlinhos e eu, lembramo-nos da Berdoéga.

Berdoéga tem tanto que seria impossível contar; nas minhas caminhadas encontro berdoégas pela calçada, em quase todo lugar.

Caso não saiba explico que berdoéga é uma planta rasteira, de folhas pequenas, gordinhas (com muita água) e de cor verde marrom clara.

Pode-se comer de várias maneiras: salada, refogada ou frita com ovo (que era a nossa preferência).

Diria que tem gosto de chuchu, mas o sabor é levemente ácido.

Receitas no final.

Cambuquira é coisa mais conhecida; em bons mercados em São Paulo é possível encontrar; mas aviso: é caro.

No nosso tempo era grátis.

É retirada do pé de abobora rasteira; o broto, talo novo, acompanhada (ou não) da flor é cortado onde já começa a ficar mais firme. Aproveita-se a parte mais macia.

Tem gosto de cambuquira mesmo !

Bucha Estrela.

Essa nunca mais vi; nem no google.

É fruto do mato; da família da bucha de banho, mas tem formato de estrela, como a carambola.

Colhe-se quando é bem nova e macia; tem sabor muito próximo a berinjela.

Mas existem muitas outras: como almeirão do mato, maxixe, etc.

Enfim, ficam ai as dicas; caso você seja vítima do traiçoeiro (e financeiro acumulador), governo coxinha.

Tem as frutas também: jatobá, abíl, cabeludinha (ou veludo), ingá, jambo, cajamanga, etc; que continuam ai pelos matos e beiras de rios.

Carlinhos cantou sua música: "As muralhas".

Eu cantei "The sound of silence", carro chefe do nosso conjunto de rock.

Vai dai, ficamos a falar do conjunto de rock que amava os Beatles e os Rollings Stones e samba (eita !!), de vida efêmera; eu, o Paletó, Papa Defunto e o Celso Machado, (Celsinho, este genial e deixo o seu endereço no youtube, para você comprovar que hoje em dia gente talentosa está dispersa na internet).

Naquele tempo Carlinhos era só o moleque carregador das caixas de som.

Celso Machado, nos tempos bicudos, fez vinte e um anos e foi-se embora para o Canadá onde mora até hoje; ainda nos falamos pela internet. Tem a mesma minha idade.

O resto espalhou, cada um formou sua vida e restou apenas o prazer de reviver.

Mais tarde, quando bateu a fome, Carlinhos pediu: "Faz aquele troço que você fazia antigamente. Eu adoro !"

Referia-se a "Mirunga", uma receita de família que eu fazia para o lanche da tarde com os amigos.

Até hoje meu irmão, (o carimbador maluco), é louco pelo prato; e alguns sobrinhos mais velhos também.

Dizem que eu sei fazer de modo a reviver o sabor da nossa infância.

Buscamos os ingredientes no mercado próximo.

Numa pequena cozinha ao lado do banheiro e do depósito de ferramentas, cozinhamos.

Primeiro saboreamos o cheiro delicioso que saia da frigideira, de enlouquecer quem está com fome e depois apreciamos o prato com bananas nanicas amassadas.

Antes oramos de mãos dadas, claro!

Para agradecer o alimento colocado à nossa disposição sobre a mesa, atitude de só quem viveu no limite sabe valorizar.

Lembramos que a "escuridão" insiste em retornar; que o mal deseja mais uma vez entrar em nossas vidas para vencer o amor; como na música de Paul Simon e Grafunkel.

Em cujos versos eles anunciam que a verdade e o futuro de amor, já foram anunciados pelos profetas e estão no coração dos homens, nas ruas, nos muros, nos metrôs e nos sons do silêncio.

E entoamos os últimos versos:

"And the sign said

The words of the prophets

Are written on the subway walls

And tenement halls

And whispered in the sound of silence."

"E a placa dizia:

As palavras dos profetas

Estão escritas nas paredes do metrô,

nos corredores dos cortiços

E sussurradas no som do silêncio."

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O primeiro e o último verso correspondem ao original e a tradução da música "The Sound Of Silence", de Simon & Garfunkel; gravada em fevereiro de 1964 e composta pela dupla em 1963, na semana do assassinato de John F. Kennedy.

A letra da música corresponde a um dos mais belos poemas da moderna línguagem americana.

O odioso crime que o inspirou foi o mais importante prenúncio das coisas ruins que a seguir aconteceriam ao mundo.

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Endereços da internet dos meus amigos talentosos:

Celso Machado Canadá ou Vancouver - é importante citar a cidade ou o pais (ou os dois), porque tem muito Celso Machado no youtube.

Celsinho é o negro magro do violão e que domina o espetáculo.

Você poderá ver e se maravilhar com os seguintes vídeos no youtube:

"Roda de Choro - Celso Machado e Yamandú - Vancouver";

"Mix" de Celso Machado;

"Celso Machado in Klangkosmos NRW Brasil Violão - albúm FULL completo";

"Celso Machado - Despedida Putumayo Presents Brasileiro".

Celso dá espetáculos nas escolas e centros culturais do Canadá, Vancouver, onde é bem conhecido.

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Carlinhos Silva Califórnia cantor gospel; (Califórnia aqui é o nome do seu viveiro de plantas). Tem muitos Carlinhos Silva no youtube cantando gospel.

Na foto ele é gordinho de bigodinho e a foto tem mais de trinta anos, (malandro o cara !).

Aceita se apresentar gratuitamente ou remunerado em qualquer igreja. Já cantou na Igreja Católica, Igreja Batista e Evangélicas em Geral - não tem preconceito.

Cuidado ao falar com ele, porque ele não diz "cantar", diz "louvar"; mas leva tudo numa boa e com bons sorrisos.

No youtube você encontrará:

"As Muralhas";

"Iemura", (versão de "As Muralhas" em italiano);

"E alegria";

"Rei da Glória"; (este é bom confirmar, porque existem muitas músicas gospel com o mesmo título - mas o do Carlinhos é a mais bonita);

"Labareda";

"Menino de rua";

"Jesus segurou a minha mão", etc, etc...

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RECEITAS (a ordem é invertida; dos últimos alimentos citados até o primeiro):

MIRUNGA - (porção para dois homens) - quebre três ovos grandes numa frigideira pré aquecida com um pouco de óleo ou azeite; mexa bem, que é para o ovo fritar separando-se aos pedaços (é bom usar fogo baixo); coloque três xícaras de chá cheia de queijo meia cura ralado; acrescente uma colher grande cheia de açúcar refinado; depois uma colherzinha de sal (pouco); sempre mexendo bem; acrescente no final farinha de milho biju em quantidade que nem seja muita, nem seja pouca.

Sirva com banana nanica amassada.

E café coado na hora.

É o bicho de gostoso !

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A seguir receitas das verduras, (todas saudáveis, digestivas e com muitas vitaminas).

SERRALHA - colha a serralha, escolha as folhas mais tenras, lave bem e refogue no azeita, alho e cebola picada em pedaços pequenos; tempere com sal e limão (ou vinagre); escorra o excesso de água e se quiser pulverize farinha de mandioca.

O sabor é muito semelhante ao espinafre.

BERDOÉGA - Colha a verdura no quintal, nos terrenos baldios. Lave bem e descarte as folhas estragadas e os caules duros.

Pode ser comida em forma de salada, com azeite, sal e limão.

Ou, como preferíamos, bem picada e batida com ovo, que era frito como se fosse omelete. Sal a gosto.

BUCHA ESTRELA - Deve-se colher os frutos novos e tenros. Retire as pontas duras das fruta que tem formato de uma estrela (como tirar aquele fiapo duro da carambola). Corte no sentido vertical, de modo que cada pedaço fique uma perfeita estrela, frite no azeite e coloque sal. Ou molhe no ovo batido, passe na farinha de trigo e frite no óleo.

Tem sabor da beringéla.

CAMBUQUIRA - Já foi comida de pobre. Pode ser feita refogada. Ou para finalizar um guisado de frango ou carne, lançando as ramas tenras sobre o caldo, cobrir a panela e desligar o fogo.

MAXIXE - como brinde dou minha receita de maxixe. Vejo muita gente reclamar que não é bom, é aguado, não tem sabor.

A verdade é que não sabem fazer.

Primeiro retire as pontas do maxixe e os pelos espinhosos do fruto. Depois corte em sentido longitudinal em quatro pedaços. Aqueça um copo e meio de água e reserve. Numa panela coloque azeite (ou óleo), alho e um pouco de cebola picadinha. Quando começar a dourar lance os frutos cortados na panela e fique mexendo. Eles irão soltar água a medida que vão cozendo. Quando começar a secar coloque um pouco de água quente. E continue a cozer. O maxixe estará pronto quando a casca do fruto começar a ficar mole. Nesse ponto coloque só mais um pouquinho de água e deixe secar até fritar. Tempere com sal e pimenta do reino. Deixe dourar um pouco e desligue o fogo. Estará pronto e saboroso.

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Obrigado pela leitura.

Fiquem com Deus.

Agora vou à missa, depois publico.

Baguaçu, maio / 2015 + 3

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