tu como invenção de ti

Calma-te; é teu futuro que a lê. É tua voz incompleta que te fala. E eu te reli, desesperei-me junto a ti pelo que me relembraste, pelo quanto permanece certa e eu tão errada. Mas desesperou-se mais do que esse teu futuro lhe exigia. Ele está a ser estático de tão exaltado; e Minas, uma conformidade. A vista daqui é o verde musgo, anêmico de tão comum em sua vastidão, encorpado com a fumaça das nuvens baixas, dos chuviscos antes do amanhecer, do frio que se destrói antes do meio da manhã. E na silhueta das nuvens decaídas as copas se enfurecem e param, incrédulas; tão longe cheguei por aqui ser tão perto. A estrada pela qual corto até cá é a mesma que me regressa àquela manhã azul alaranjada, àquele solo orvalhado, àquela cidade esvaziada. E no entanto já faz tanto tempo, e tantas pessoas, e tantos esquecimentos e tantas novas caras. Reconheço, estou longe. O espaço e suas distâncias nada são para todo o resto que, diferente dele, se move, se enche, se combina e de ti exige o passado, o que não voltará a ser o que fora. Tu aceitas sem que perceba, naqueles novos tons de risada, naquelas novas manhãs mais frias e tão cansadas que desbotam o azul das quatro para virar o branco das seis, naquele êxtase de ser jovem e se fazer como tal, largada ao chão, a luz vermelha lhe expulsando, a consciência em delírio, a lucidez renegada, o apagão concentrado a fim de ti aniquilar; ele, a justificativa para todo e qualquer erro. O inusitado se banaliza, esquece-se que outrora aquilo tudo não fazia parte de ti — mas agora acomoda-se tão bem naquele vômito expelido aos montes, arroxeando o chão e sua roupa, então há tudo de estar como deveria estar.

Calma-te, G. Não desaparece de ti. Mas sabes que já não podes escrever sobre ele; não com a mesma intensidade e ternura. Chorou por outros, arrancou sua carne e lhes ofertou; mentiu, mentiram. Sabes, aceitas, faz-te a mesura a esse novo mundo de tons exauridos de terem pertencido a tantas outras vidas que não a tua; agarra-o, és teu novo mundo e sobre ele te debruças. Ria-te pela metamorfose, chora-te pela carne descamada, seca, varrida para longe de ti, e não te importes nem te careças de coisa alguma. Nunca fostes tão tu quanto nessas horas.