ÉRAMOS CINCO

Há momentos na vida que parecem uma pintura eternizada na memória e num desses quadros pintados pelas pinceladas da vida, posso ver o cotidiano de uma humilde família, que para sobreviver aos embaraços da vida agia com destreza e sagacidade, principalmente no que tange a cadeia alimentar, até porque saco vazio não para em pé, diz o ditado, mas tudo isso era pensador por aquele pai que tinha três filhos para criar e a sorte ainda não lhe sorria!

Nessa época toda família que se prezava possuía uma colônia de terra, mas nesse caso era doze alqueires, o chamado “doze”. Lá no doze você pode plantar dizia o sogro, um ser cinzento, que na maioria das vezes, de cenho cerrado ditava suas regras. Era como ele queria. Inclusive esse doze era a menina dos olhos de toda a família, mas que na verdade foi o causador da discórdia, que até hoje se murmura, fazendo as mais hipócritas alegações.

O gênro, um ser de boa índole, bonachão, parecia uma cutia que “de tanto fazer favor ficou pitoca”, porém para prover o sustento da família fazia mirabolações, aprendeu nas arribadas que a sorte a gente é que faz e logo pela manhã, após um ralo café seguia o senhor Anibal estrada afora, o trajar era modesto, mas a mirada era altiva rumo ao eito puxando a vaquinha Mansinha, pelo lisinho, gorda e muito mansa, por isso o nome e enquanto a família trabalhava ela pastava; no ombro uma espingarda CBC 36 para quando fizessem o retorno, no caminho, duas bombinhas pudesse matar e depenadas pelo caminho para quando chegassem em casa, na panela o molho garantisse almoço, a carne que acompanhava arroz e feijão, tudo plantado no doze alqueire do vô “missioneiro”, o latifúndio da família.

Ah, a família era unida, dona Irinésia acompanhava na labuta e puxava os três rebentos, que brincavam até a hora passar e que na volta para a casa traziam na bagagem Mansinha satisfeita e que daria o bom leite para a prole, a mistura para o almoço e sem contar com a satisfação de deixar o eito em dia com as enxadas, facões ou foices, o que suscitava o momento, a época do ano, o plantio do roçado. Tempos difíceis aqueles!

Coragem, força de vontade e o bom ânimo estavam presentes porque se cumpria à risca os valores ditados pelos mais velhos, os planos para a melhora de vida e a astúcia para da vida tirar o melhor proveito. Inclusive o IBAMA não se importava com os dois tiros e as duas pombinhas que saciavam a fome da modesta família.

Tudo até parecia divertido, funcionava como uma engrenagem, a semana inteira e nos finais de semana a labuta eram os afazeres domésticos. De vez em quando, de quando em vez, um capado no chiqueiro para a fartura de mistura, uns cabritos também saltitavam no potreiro, que por ocasião de distintas datas proporcionavam aquele churrasco, assado na cova feita no chão. Hum! Aqueles cheiros, aqueles gostos, aquelas paisagens! Podem ficar com ciúmes, pois essa pintura rica em sabores, odores e valores pode ser encontrada somente na memória de quem viveu os idos anos setenta, em uma casinha coberta de tabuinha, no potreiro do vô missioneiro, mas que tanto trabalhou no doze e saiu apenas com o pó no bolso, mas à luta em outro torrão. Como ao pó se retorna, Anibal tem hoje sete palmos medidos, é a cota que te cabes desse latifúndio!

Anibal era roceiro, seus netos roceiros são, de esperanças mal domadas que desgarrando se vão, mas a esperança madrinha segue na frente entonada e seu cargueiro de sonhos traz a bruaca lotada de ensinamentos e valores deixados pelo avô, que não chegaram a conhecer.