O sertão dentro de mim

     É noitinha e só vejo prédios, ruas, carros, buzinas ensurdecendo meus ouvidos desacostumados... careço dos silêncios que enchiam meus vazios nas tardes mornas onde parecia acontecer coisa nenhuma, mas eu via o fogo trepidar no fogão a lenha, a rede balançar no alpendre, o umbuzeiro florir feliz no terreiro.

     Recebi carta, hoje, seu moço – mainha mandou! Dá uma tremura abrir o envelope, amofino na emoção de tocar o mesmo papel que ela pegou; que falta eu sinto da minha velhinha – tem pareia essa saudade não, meu amigo. Percebi os cheiros da roça dentro desse envelope – fechei os olhos e senti o jasmim do quintal, o pequi no arroz, o doce de buriti pulando dentro do tacho. Aquele homem lá tinha razão... “levo o sertão dentro de mim e o mundo no qual vivo é também o sertão", mas aqui ele é outro... é a imensidão de tudo que me falta, é a luta para ter, sem ser... aqui eu não sou eu, perdi o rumo longe de minhas paragens.

     Mainha mandou foto, essa doeu fundo. Meu pau d'arco, esse pé de árvore que vocês chamam de ipê, está todo florido. É belezura demais, encanta as vistas de quem passa na estrada perto de nossa casinha – povo para e olha ele lá, sorrindo, perto da cerca – é, ele sorri! Vontade de largar tudo e correr pra lá; não posso agora, careço ganhar dinheiro; careço também de alegria, mas isso já nem sei o que é.

     Por hora, vizinho, vou continuar assuntando a carta de Mainha – vou ler até o sono chegar e aí vou dormir juntinho dela, sentindo a presença de tudo que minha saudade não dá conta de alcançar, do tempo que mora em minha memória e nunca arreda. Quem sabe Deus ajuda e eu sonho... eu na porta, mais Mainha, vendo o mundo correr sem pressa, no embalo daquelas flores amarelas que se chamam esperança.
Wal Bittencourt
Enviado por Wal Bittencourt em 19/11/2017
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